Covid-19 em alta, aprovação do povo japonês em baixa, eventos-teste acontecendo: terá Olimpíada?

Eduardo Magnus Chaves
Editorial J Famecos
8 min readJun 2, 2021

Realização dos Jogos Olímpicos de Tóquio continua incerta a menos de dois meses da cerimônia de abertura.

Escrita por Eduardo Chaves (3º semestre) e Valentina Biason (2º semestre)

Comitê Olímpico Internacional (COI) segue confirmando a Olimpíada. / Foto: Cesar I. Martins/Flickr

A menos de dois meses dos Jogos Olímpicos, a realização do evento vive um momento de dúvidas e críticas. Atualmente, o Japão enfrenta a quarta onda de infecções por Covid-19. A chegada de novas variantes, o relaxamento dos japoneses nas medidas de isolamento social e a vacinação extremamente lenta agravam o quadro do país. A própria população e algumas entidades japonesas são contrárias à Olimpíada, mas o Comitê Olímpico Internacional (COI) mantém sua realização.

Desde abril deste ano, o Japão enfrenta a quarta onda de coronavírus. O atual surto, impulsionado por variantes mais contagiosas, bateu o recorde da média móvel de novos casos: 51 por milhão de habitantes no dia 14 de maio. Até a publicação desta reportagem, o país registrou aproximadamente 750 mil casos e 13 mil mortes relacionadas ao coronavírus. Isso levou o governo a impor seu terceiro estado de emergência, atualmente vigente em nove províncias, incluindo Tóquio, sede dos Jogos. Embora o contexto seja desfavorável, o impacto do coronavírus no Japão foi menor do que em muitos outros países. Acompanhe no gráfico.

Mesmo em estado de emergência, Japão apresenta uma situação mais confortável que outros países. / Foto: Our World in Data — Universidade de Oxford

O governo japonês tem adotado medidas restritivas mais flexíveis e menos impositivas do que os confinamentos aplicados ao redor do mundo. Acredita-se que a disciplina japonesa em respeitar as medidas sanitárias tenha surtido efeito nos primeiros meses de pandemia. Contudo, segundo o correspondente internacional da Rede Globo no Japão, Carlos Gil, o recente relaxamento da população mais jovem influenciou no aumento da disseminação do vírus. A resistência histórica do povo em relação à vacinação também contribui para a situação atual.

A vacinação caminha a passos lentos. Até o primeiro dia de junho, cerca de 8% da população japonesa havia recebido ao menos uma dose da vacina. O país vem aplicando o imunizante da Pfizer/BioNTech, mas recentemente aprovou o uso da Moderna e da AstraZeneca. A aprovação abre caminho para a aceleração da campanha de vacinação. A meta é imunizar em torno de 36 milhões de idosos (acima de 65 anos) até o final de julho.

“Foram inaugurados os centros de vacinação em massa nas cidades de Tóquio e Osaka, que são as duas maiores metrópoles. Dos países que compõem a OCDE, o "clube dos países ricos", o Japão está em último lugar no percentual de vacinados. Não são números confortáveis pro governo que está vendo a sua popularidade despencar. São muito desconfortáveis para a realização das Olimpíadas", comenta o jornalista Carlos Gil.

Realização da Olimpíada em jogo: esforços redobrados

Além do cenário negativo da crise sanitária, a opinião pública também virou motivo de preocupação. Aproximadamente 60% dos japoneses desejam o cancelamento dos Jogos de Tóquio, segundo pesquisa da Kyodo News publicada no fim de maio. A resistência também se espalha entre grandes empresários e comunidades médicas do país.

Em meio à crescente oposição aos Jogos, o Comitê Olímpico Internacional (COI) vem reafirmando que o evento acontecerá de qualquer maneira. A entidade organizadora tenta amenizar a pressão através do fortalecimento de protocolos sanitários. Além da necessidade de testes diários, as delegações, com tamanho reduzido, ficarão isoladas em uma “bolha” na Vila Olímpica.

A atleta de maratona aquática Ana Marcela Cunha recebeu a primeira vacina do Time Brasil diretamente do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga. / Foto: Miriam Jeske/COB

Buscando aumentar as chances de realização da Olimpíada, o COI fechou um acordo com a Pfizer/BioNTech para doar vacinas aos quase 11 mil atletas e demais membros das delegações participantes. Segundo o presidente do Comitê Olímpico Internacional, Thomaz Bach, mais de 80% dos envolvidos estarão vacinados até a cerimônia de abertura, no dia 23 de julho. O Comitê Olímpico Brasileiro (COB) começou a imunização no dia 14 de maio e atingirá em torno de 1.800 pessoas.

Outro fator positivo à confirmação dos Jogos foi o início dos eventos-teste em Tóquio no último mês. Até o momento, mais de 700 atletas e cerca de 6 mil pessoas envolvidas na organização participaram dos torneios e nenhuma cadeia de transmissão do vírus foi identificada. No entanto, a decisão sobre a presença de público na Olimpíada ainda não foi tomada. A liberação depende da legislação vigente na cidade de Tóquio.

"Hoje, caso o COI divulgasse que terá 50% de público, ia gerar uma incoerência e uma crítica muito grande. Se a cidade está com portões fechados em todos os esportes, o que garante que pode liberar 50%? Por isso, devem bater o martelo por volta do dia 23 de junho, a um mês para as Olimpíadas. O que já se sabe é que público total não terá, nem estrangeiros", diz o correspondente Carlos Gil.

As adaptações na cobertura jornalística

Os eventos-teste deram uma amostra dos diversos protocolos que serão seguidos pela mídia durante o evento. Na Copa do Mundo de saltos ornamentais, finalizada no início de maio, o modelo de "bolha" também foi testado com os jornalistas. O repórter Carlos Gil esteve na competição e explicou à equipe do Radar Olímpico como foi cobrir o torneio. Confira no áudio abaixo.

Jornalista Carlos Gil entrevista a atleta Ingrid Oliveira durante a Copa do Mundo de saltos ornamentais. / Foto: Divulgação/Carlos Gil

A entidade anunciou que todo jornalista vai precisar ter um aplicativo de monitoramento instalado e atualizado. O guia de regras sanitárias também solicitou que os profissionais evitem o transporte público, meio de locomoção mais utilizado no país. Esse cuidado abundante se deve ao fato de que "embora o Comitê tenha feito um playbook — livro de regras e condutas que cada um deve seguir — , ainda são muitos jornalistas, milhares de pessoas. A gente não sabe se todo mundo vai seguir essas regras", justifica Carlos Gil.

O número total da imprensa foi reduzido e todos os veículos de comunicação do mundo diminuíram sua cota de enviados. A Rede Globo, por exemplo, definiu que não enviará nenhum narrador e comentarista. Estes transmitirão diretamente dos estúdios no Brasil, enquanto repórteres, cinegrafistas e produtores estarão em Tóquio. Para que não seja necessário utilizar trem ou ônibus, a empresa já organizou um aluguel de carros para fazer os traslados.

Pressão política e econômica: os bastidores das decisões

A política japonesa está diretamente ligada às decisões em torno da realização ou não dos Jogos Olímpicos, pois o país terá eleições gerais em outubro deste ano e a busca pelo poder está agitada. Mais do que nunca, as forças políticas do Japão calculam suas ações para que não recebam baixos índices de aprovação do povo.

O atual primeiro-ministro, Yoshihide Suga, assumiu o país já em condições pandêmicas. No entanto, está convivendo com o pior índice de aprovação desde que tomou a posse. Cerca de 40% da população valida seu mandato. Segundo Carlos Gil, Suga nunca foi uma unanimidade dentro do partido, pois "era um político de bastidores" e não seria uma opção natural numa eleição.

Yoshihide Suga, 72, vive momento conturbado às vésperas da Olimpíada. / Foto: Governo Japonês

Yoshihide é membro do Partido Liberal Democrata, o partido japonês que está a mais tempo no poder. Embora o atual primeiro-ministro tenha assumido de forma inesperada e em situação adversa, o futuro do PLD depende da sua postura frente à Olimpíada e à Covid-19.

"O sucesso ou fracasso dos Jogos vão influenciar na permanência do Suga no poder, mas também do PLD. Caso após Tóquio 2021 seja identificado um aumento exponencial de casos, esse governo não vai ser reeleito. Existe um vácuo no poder, com várias figuras fortes que dependem da realização ou não do evento", reforça o correspondente da Globo no Japão.

Além dos questionamentos ligados à segurança sanitária, o descrédito do governo também passa pela economia do país. Conforme Takahide Kiuchi, economista executivo do Nomura Research Institute e ex-membro do conselho do Banco do Japão, cancelar os Jogos Olímpicos significa uma perda de, aproximadamente, R$ 87 bilhões para o governo local. É a edição mais cara da história.

O Japão ainda contava com o comércio para turistas. O país vinha, durante sete anos seguidos, batendo recorde no número de visitantes. Existia uma expectativa de quebrar essa marca na Olimpíada. Nessa linha, os japoneses produziram uma série de produtos voltados ao público estrangeiro. Com a restrição dos Jogos para os residentes do país, tiveram de lançar mercadorias para o público doméstico, porque as pessoas não compravam nada. Na tentativa de recuperar parte do dinheiro investido, criaram, por exemplo, artesanatos típicos homenageando regiões japonesas.

O dilema: os Jogos vão ou não vão acontecer?

A dúvida sobre a realização do evento permanece a menos de dois meses da cerimônia de abertura, mesmo que haja uma ligeira movimentação a favor da disputa da Olimpíada. O Japão vive um momento de pressão por todos os lados, onde qualquer atitude será questionada e parte da população não ficará satisfeita.

Duas perguntas circulam sobre os Jogos de Tóquio: o que poderia e o que deveria acontecer. Dinheiro, política, sonhos, vidas, ética. Em contato direto com os japoneses, Carlos Gil sente que muitos se sentiriam aliviados com o cancelamento, mas não é uma tarefa fácil.

"A história é uma coisa complicada. Daqui a 10, 20, 30 anos não sei como essas Olimpíadas vão ser vistas. Se vão ser tratadas no livros de história, pelos jornalistas e analistas como os Jogos do absurdo ou como o grande momento chave em que a humanidade deu a guinada para vencer o vírus. Esse dilema ético vai permanecer por muito tempo", completa o jornalista.

O fato de ter uma abertura de Jogos Olímpicos sem ninguém nas arquibancadas já descolore por si só o evento que representa a união das nações. Olimpíada é a celebração da vida, com a integração dos povos e a manutenção da saúde. Faz sentido manter a realização num momento tão complicado da humanidade? Simultaneamente, cancelar é a melhor saída? De qualquer forma, Tóquio 2021 ficará marcado na história.

O Radar Olímpico é a seção do Editorial J que cobre as Olimpíadas de Tóquio. Entre as nossas produções, temos uma newsletter mensal sobre os principais acontecimentos da preparação brasileira e da busca pelas vagas restantes nos Jogos, com enfoque nos atletas gaúchos. No "Minuto Olímpico", em @editorialj no Instagram, damos um giro nas notícias da semana. Também estamos no Spotify explicando as modalidades olímpicas no "Tiro Curto". Gostou da reportagem? Nos acompanhe nessa jornada!

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