Crise Climática: os desafios da cobertura jornalística sobre o clima

As mudanças climáticas trarão impactos arrasadores, e o jornalismo tem papel fundamental ao informar sobre a crise e suas consequências.

Fabiana Damian
Editorial J Famecos
7 min readDec 8, 2021

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Escrito por: Ana Julia Schwalm, Fabiana Damian e Jenifer Teixeira

Foto/Reprodução: Pixabay

O jornalismo tem um papel fundamental e social a cumprir: empoderar e informar os cidadãos por meio de informações qualificadas. Mas será que se tratando de cobertura jornalística da Crise Climática isso está ocorrendo de maneira eficiente? O Editorial J foi atrás de pesquisadores e especialistas na área de comunicação e meio ambiente para informar você, leitor, sobre as principais dificuldades da hora de fazer esse tipo de cobertura.

O impacto das mudanças climáticas na vida e no planeta não são mais uma preocupação para o futuro. A crise climática vem afetando o presente e precisa ser tratada com urgência pela mídia e pela população. Segundo relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), nas próximas duas décadas o planeta pode ter um aumento de 1,5 ºC na temperatura global. Esse pequeno número é capaz de causar fenômenos meteorológicos extremos, devastadores e irreversíveis.

De acordo com Stefano Wrobleski, jornalista de dados, diretor no InfoAmazonia e coordenador de geojornalismo na Earth Journalism Network da Internews, as principais dificuldades são inerentes ao jornalismo e ao momento que ele vem enfrentando, como a falta de financiamento, por exemplo. As coberturas de meio ambiente, normalmente, são caras e necessitam de viagens para que o repórter entre em contato com a população que está sofrendo o impacto direto dessas questões e o lugar em que ela vive. “Quando a gente está lidando com questões socioambientais, a gente está falando com fontes que não vão ter um acesso fácil ao telefone e à internet, então fica mais difícil fazer uma cobertura à distância, o que torna a cobertura mais custosa”, relata o jornalista.

Além disso, é necessário ter jornalistas especializados no tema. Wrobleski acredita que, hoje, a mídia ainda tem poucos jornalistas especializados em meio ambiente e na temática de dados, saberes muito importantes na hora de fazer uma cobertura completa. “Essa cobertura ambiental precisa muito de dados, e esses dados são possíveis de manipular. Quando se trata de meio ambiente, geralmente se fala com uma população que é da cidade, onde o contato com o meio ambiente é muito mais pelo parque ou com as árvores da rua, fazendo com que esses dados sejam facilmente manipulados, porque não são vistos diariamente pelo repórter. ”, argumenta.

Já para Márcio Astrini, Secretário Executivo do Observatório do Clima, a imprensa e a cobertura sobre o tema têm sido um destaque positivo. Segundo ele, essa cobertura tem aumentado assim como tem aumentado o seu volume. “Nós temos muito mais veículos de comunicação falando sobre o tema e informando a população. Nós temos também um aumento na qualidade em que essa cobertura é feita, os veículos de comunicação contam então com profissionais que se habilitam cada vez mais no assunto, que conhecem cada vez mais o assunto e que são mais capazes de entender o que está acontecendo e da gravidade que é essa agenda de clima”, relata.

Um dos motivos para esse tema ter ganhado destaque na mídia, infelizmente, tem relação com a sua piora nos últimos anos. Entretanto, esse destaque tem facilitado na hora da mídia espalhar a mensagem para a população. “Só com a população bem informada e mobilizada é que a gente vai gerar pressão suficiente para que os tomadores de decisões, tanto aqueles que governam os países como as grandes empresas também, assumam compromissos e, mais do que assumir compromissos, coloquem em prática um melhor desempenho nessa agenda climática, mudando, por exemplo, as suas formas de produzir”, afirma o secretário.

Para uma cobertura de qualidade

É possível perceber que a cobertura sobre eventos ambientais está aparecendo com mais frequência. Para que o assunto seja de fato compreendido pela população em geral, é necessário que a abordagem leve em conta a quantidade de conhecimento científico daquele público sobre a crise climática.

De acordo com Thiago Medaglia, jornalista especializado em ciência e meio ambiente e fundador da Ambiental Media, o grande desafio do jornalismo é transformar o assunto em algo mais palpável: “não adianta só trabalhar com os dados. Isso é rico, mas é preciso que a gente vá a campo. Para que a gente possa fazer um jornalismo que seja acessível, compreensível, mas que seja atraente, interessante, visualmente bonito. É nossa responsabilidade tornar esse conteúdo interessante, atraente para o público”, pontua.

Segundo ele ainda, a descentralização de fontes da cobertura climática é muito importante. “Nós temos cada vez mais jornalistas trabalhando na Amazônia, vivendo na amazônia, inclusive jornalistas locais, jornalistas indígenas também. Então eu acho que a gente precisa dar espaço para essas pessoas, que elas possam trazer a sua perspectiva. Acho que um caminho seguro para a cobertura da crise do clima no jornalismo é a diversidade. Porque a diversidade não é somente uma questão de igualdade, é uma questão de conhecimento mesmo. Isso enriquece.”

Assim como Stefano, Thiago também acredita que a combinação entre o jornalismo de dados com o jornalismo de campo é o melhor caminho para comunicar a crise climática.

Eloisa Beling Loose, pesquisadora na área de comunicação e meio ambiente, uma boa cobertura de mudanças climáticas deve pensar e trazer uma contextualização do tema, ouvindo diferentes fontes, informando os dados da situação e propondo também uma possível solução. “Não adianta a gente focar muito na tragédia, nos efeitos negativos, sem propor soluções, porque aí parece também que a gente não pode fazer nada. Pode gerar uma apatia por parte do leitor e ele se conformar que daqui a pouco o mundo vai acabar mesmo, que o homem não está fazendo nada a respeito e ele também não vai se mover para de alguma forma diminuir as emissões de gases de efeito”, argumenta.

Para Eloisa, apontar caminhos com possíveis soluções sempre é um argumento positivo na hora de cobrir assuntos relacionados à crise climática. “A gente fala muito sobre os problemas, mas pouco sobre o que a gente poderia fazer para de alguma forma enfrentar esse problemas”.

Crise Climática e Amazônia

Quando o assunto é clima, costuma-se relacioná-lo com a ideia de que o impacto é somente ambiental. Porém, os efeitos causados pela crise climática afetam diretamente a vida e a rotina da sociedade em geral. O desmatamento da Floresta Amazônica, por exemplo, pode causar não só impactos no clima como também afetar diretamente a economia brasileira.

Segundo Márcio Astrini, a Amazônia é muito importante para a estabilidade global tanto climática quanto econômica. Entre as funções da floresta, ele ressalta que a Amazônia estoca nas suas árvores e no solo cerca de cinco anos de todas as emissões globais de gases de efeito estufa. “A Amazônia também tem a função de remover carbono da atmosfera através da fotossíntese. Além de estocar, ela também ajuda a gente a diminuir a concentração de gases de efeito estufa, sendo assim um fator fundamental para essa agenda globalmente.”

Astrini ainda coloca que “perder a Amazônia coloca em risco todos os objetivos climáticos que foram traçados, que são insistentemente repetidos pelos cientistas, e cujos limites já demonstraram que não podemos ultrapassar”.

O desmatamento da Amazônia se encontra entre 15% e 17%, desde que a devastação iniciou com força em meados dos anos 60 e 70. Tanto Stefano Wrobleski quanto Márcio Astrini mencionaram estudos, como o de Carlos Nobre, que coloca a Amazônia em um ponto de não retorno caso o seu desmatamento alcance entre 20 a 25% na área total.

Alcançando esse patamar, a floresta pode passar a não conseguir se regenerar e se tornar uma grande savana. De acordo com Márcio, se esse patamar for alcançado, a floresta pode perder o seu estoque de carbono e as funções ambientais, como a distribuição de chuvas que alimentam os reservatórios de água e também irrigam a produção de alimentos no Brasil.

Esse ponto de colapso pode afetar também outros países da América Latina, já que a Amazônia distribui chuvas também para outros países. Além disso, sem a Amazônia existe também um grande problema de liberação de estoque de carbono para a atmosfera.,

“Nós desmatamos essa floresta como se não houvesse amanhã. E a Amazônia é como um organismo vivo, e, como todo organismo vivo, essa floresta tem o seu limite, e esse limite é um ponto de colapso”, alerta Márcio.

Omissão de Dados

Em novembro deste ano, um relatório do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) apontou um aumento de 22% no desmatamento da Amazônia entre 2020 e 2021. O documento, porém, tem a data de 27 de outubro, período que antecedeu a 26º Conferência do Clima da ONU. Mesmo com o número em mãos, durante a COP26 o Governo Federal não divulgou esses dados.

Para Márcio Astrini, essa omissão significa uma quebra de confiança para o Brasil, e relembra que em 2019, o presidente do INPE foi demitido por publicar números verdadeiros sobre o desmatamento.

“Os números que nós vemos são a verdade. Já o que o governo fala ou pratica normalmente é baseado na mentira, é baseado em teorias conspiratórias e não tem nenhuma relação com o mundo real”, pontua.

Mesmo assim, Astrini ressalta que instituições como o INPE, continuam resistindo aos ataques do governo e produzem dados com base técnica bastante confiável.

Na conversa, o jornalista Thiago Medaglia destacou a importância de se fazer jornalismo em um ambiente democrático. Segundo ele, fazer jornalismo em um ambiente democrático degradado no Brasil hoje de certa forma é um ativismo, sendo que a própria postura do governo Bolsonaro coloca os comunicadores nessa posição. Para Thiago, o jornalista é o responsável pela informação de qualidade consistente, onde as questões ambientais não devem ser tratadas como um produto cultural. “Quando a gente trata crise climática como um produto cultural, a gente acaba por tornar o assunto um pouco vago. Em geral, eu acho que o público ainda não entendeu o impacto que isso tem nas nossas vidas. A discussão tem ficado um pouco polarizada.” ressalta.

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