Deepfake não é tudo que as mídias sintéticas tem a oferecer
De deepfakes a moduladores de voz no Instagram, mídias sintéticas estão aos poucos chegando ao mainstream. A tecnologia por trás delas é realmente poderosa e tem muito potencial para ser revolucionária.
Apesar da campanha de terror feita pela mídia em resposta aos vídeos virais do Tom Cruise fake que circularam pelo TikTok, as mídias sintéticas oferecem uma linguagem de criação muito mais rica do que os questionáveis deepfakes.
Antes de entendermos as possibilidades precisamos entender do que exatamente se tratam.
O que é mídia sintética
Mídia sintética é o termo genérico usado para definir imagens, vídeos e áudios criados ou editados usando inteligência artificial e machine-learning/deep learning. Você pode encontrar referências a este mesmo assunto com os nomes mídia generativa e ai-generated media.
As mídias sintéticas são criadas a partir de programação. Elas podem gerar peças randômicas ou não, tudo depende das condições que são colocadas para o programa que irá gerá-las.
As possibilidades de uso dessa tecnologia variam imensamente. Assim como qualquer expressão criativa, o resultado final depende de quem está por trás dela, neste caso, por trás da programação. A aplicação mais associada à mídia sintética são os deepfakes, vídeos que usam de machine learning para alterar a aparência dos participantes. Na imagem acima não é realmente Tom Cruise gravando tiktoks.
Por este ter sido o primeiro caso a atingir o público geral, muitos já consideram as mídias generativas como algo a ser combatido. Se você chegou até aqui é porque sabe que por trás de aplicações questionáveis existe um mundo de possibilidades incríveis.
Além dos deepfakes — o que mais tem sido feito com mídia sintética
A Samsung Next coloca a mídia sintética como a terceira fase na evolução das mídias:
- Passado: Velha mídia. Permitiu distribuição em massa para um certo grupo através de TV, rádio e impressos. Principal tecnologia: Transmissão.
- Presente: Nova mídia. Permitiu uma distribuição mais democrática através de mídias sociais. Principal tecnologia: Internet.
- Futuro: Mídias sintéticas. Democratizará a criação de mídias oferecendo acesso democrático. Tecnologia: AI e Deeplearning.
O que querem dizer com isso é que as mídias sintéticas oferecem as ferramentas que irão permitir um acesso mais democrático à criação, mais acessibilidade para empoderar artes e artistas.
Recentemente a atriz brasileira Sabrina Sato estreou sua versão digital @iamsatiko, uma influenciadora digital criada em conjunto com a empresa também brasileira Biobots. Segundo a atriz, esse avatar pretende ser uma nova forma de interagir com seu público, com vida e personalidade próprias. Marcas como Magalu e KFC também criaram avatares que fazem uma ponte com o público. Personagens digitais criados a partir de machine learning abrem espaço não só para marcas humanizarem suas interações, mas também para criadores de conteúdo que viam a exposição necessária como um empecilho.
No cinema, mídias sintéticas ajudaram a trazer de volta à vida grandes atores reprisando personagens que marcaram a cultura pop, como o personagem de Star Wars Grand Moff Tarkin que voltou no filme Rogue One anos depois da morte do ator Peter Cushing. Programas já existentes também permitem que mudanças ou correção de erros durante gravações possam ser feitas na pós-produção, sem o gasto de ter que regravar cenas.
Produções que hoje custam milhares em equipamentos e equipe poderão ser feitas por uma só pessoa em seu computador, artistas e influenciadores poderão estar em mais lugares ao mesmo tempo com avatares, a pós-produção de conteúdos será descomplicada, a anonimidade poderá dar voz a mais pessoas que preferem não se expor. Já estamos vendo algumas dessas aplicações e esperamos ver muito mais nos próximos anos.
Arte generativa
Arte generativa é um dos braços das mídias sintéticas. Com raízes no final dos anos 50, trata-se de obras criadas a partir de um processo algorítmico. Muitas vezes a busca do artista é pelo aleatório, mas isso não é uma obrigatoriedade da linguagem.
Em 1957, o físico e pesquisador Herbert W. Franke expôs uma série de fotografias criadas com o auxílio de um computador e um osciloscópio, consistindo em linhas de luz sobre um fundo preto. Desde então outros artistas passaram a explorar mais as possibilidades apresentadas pelo computador.
Neste encontro entre arte e tecnologia, a arte generativa não poderia ficar de fora do mundo dos NFTs. Em 2017, o estúdio de design Larva Labs lançou os CryptoPunks, uma série de 10.000 avatares em pixel art com personagens gerados automaticamente a partir de um conjunto de características. Cada um deles é único, algumas características sendo mais raras que outras. Os Punks já movimentaram cerca de U$ 1 bilhão até o momento, com famosos e grandes colecionadores entrando no hype.
Na tropix tivemos a oportunidade de ter Alexandre Rangel entre os nossos drops. O artista trabalha a arte generativa redesenhando a cidade de Brasília com a combinação de vídeo, programação e música experimental. Suas obras podem ser conferidas no site oficial tropix.io.
Deepfakes e as questões éticas
O problema com novas tecnologias é o espaço de tempo que leva para as questões éticas associadas a elas serem discutidas.
Os grupos de vanguarda costumam ser uma mistura de entusiastas, experts, estudiosos e trolls. Com mídias sintéticas não poderia ser diferente, é impossível escapar daqueles que abusam do que a tecnologia tem a oferecer.
O primeiro caso que chegou aos ouvidos do mainstream foram os vídeos do Tom Cruise de mentira. A edição é tão bem feita que realmente fez muita gente questionar se não era um blefe do ator, mas o nível de excelência desse fake não foi resultado apenas da tecnologia. Por trás dos vídeos estão o artista de efeitos especiais Chris Umé e o ator Miles Fisher, que em 2008 fez o papel de Tom Cruise em Superhero Movie. A semelhança preexistente entre os atores e a experiência do artista visual tem grande influência no resultado final.
Mesmo que não seja algo simples — por enquanto — a mídia sintética vem sendo usada para fins questionáveis, ainda que com uma qualidade ruim.
De um lado temos fake news sendo espalhadas com uma tecnologia que o cidadão médio desconhece, e de outro vemos mulheres sofrendo com uma nova categoria de revenge porn. A atriz Emma Watson e a ativista Greta Thunberg já foram vítimas de deepfakes de cunho sexual, enquanto Trump e Obama já tiveram vídeos espalhados com coisas que nunca disseram.
Avanços tecnológicos precisam ser acompanhados de discussões saudáveis sobre seus usos possíveis. Se temos um potencial tão grande para expressões artísticas devemos fazer o que está a nosso alcance para informar e educar sobre seus pontos positivos e como podemos lidar com os negativos.
A tecnologia em si não possui compasso moral, ela é “apenas” um compilado de códigos que desconhecem o conceito de bem e mal. Já a criatividade humana, nós sabemos bem, nem sempre é usada com boas intenções. Existem iniciativas que estão trilhando o árduo caminho de criar maneiras de identificar, notificar e inibir o abuso de mídias sintéticas, o que fica é o questionamento de onde colocaremos a linha que não deve ser cruzada e como nós, enquanto comunidade, podemos ajudar a inibir este mau uso.