Caminhos de cura pela aprendizagem

Alex Bretas
Educação Fora da Caixa
3 min readNov 15, 2014

Até bem recentemente, minha compreensão sobre a aprendizagem era intimamente relacionada àquela sensação de coceira nas ideias, de estar curioso com algo. Ainda é. No entanto, começo a achar que pode existir alguma coisa mais profunda e essencial que anima as nossas curiosidades.

Quando não dá mais para não coçar as ideias, surge a inquietação. Não consegui ficar quieto quando comecei a descobrir o universo da educação democrática: aquilo tudo falava muito alto dentro de mim. Li vorazmente, escrevi, reli, publiquei, conheci espaços e visitei pessoas. De súbito, o mundo me presenteava com referências ao assunto em cada rua em que caminhava. Sabe quando a gente coloca um óculos novo e começa a ver tudo com uma cor mais interessante?

Essa inquietação me encorajou a escrever o projeto que deu origem à Educação Fora da Caixa. No universo das escolas democráticas, a aprendizagem feliz, prazerosa, mas ao mesmo tempo dolorida (autonomia, dor de parto) era acessível a várias crianças e jovens, no entanto, muitos adultos – crianças grandes – ainda não haviam despertado para essa possibilidade. Na verdade, eu não havia despertado.

A minha decisão de seguir no caminho do doutorado informal foi como despertar. Durante mais da metade da minha vida, eu não pude colocar meus prazos, não pude criar minhas respostas nem tampouco formular minhas perguntas. Estava ocupado numa fila de cadeiras olhando para a nuca dos meus colegas. Percebi então que a essência do que me motivou a escolher pelo doutorado informal foi curar a minha ferida.

A curiosidade, então, seria uma pista a respeito das coisas que podem me provocar uma grande inquietação. Não podendo mais ficar indiferente, em algum momento posso vir a descobrir (perceber) que estar tão envolvido com algo tem razões bastante relacionadas com experiências que marcaram minha vida. Esses três “níveis” podem ser representados pela metáfora do iceberg, em que a curiosidade é a parte mais visível, o propósito é a camada mais profunda e inconsciente, e a inquietação é o fluxo de um em direção ao outro.

Aprendizagem é o processo pelo qual você começa a ser mais você. Esse entendimento, que conecta o aprender ao emancipar, relaciona-se com o iceberg na medida em que, cada vez que se aprofunda uma camada, mais é possível conhecer-se e aceitar-se como se é.

Quando eu comecei a descobrir o universo da facilitação de conversas, a curiosidade foi me sequestrando até o momento em que eu precisei fazer alguma coisa. Inquieto, arrumei tempo pra me dedicar às leituras, fazer cursos, conhecer pessoas. Enxergava aquilo no meu trabalho, nas minhas relações pessoais, e fui dando um jeito de começar a me experimentar como facilitador. Queria que as pessoas tivessem a oportunidade de escutar uns aos outros e falar de suas histórias, seus sentimentos.

Porém, ao resgatar algumas experiências da minha biografia, percebi repentinamente que a fonte de toda essa minha inquietação estava lá atrás, na minha infância e adolescência, em que não havia espaço para conversar sobre o que sentíamos. Lembro-me da cena em que minha mãe, dias após o falecimento do meu avô, ia toda noite para a garagem de nossa casa chorar a sua perda, bem longe dos nossos olhos.

Acabei por descobrir uma ferida, e tenho enxergado o diálogo e a facilitação como caminhos de cura.

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Para explorar a metáfora do iceberg aplicada à sua realidade, fazer algumas perguntas a si mesmo pode ter resultados interessantes:

  • O que mais instiga minha curiosidade?
  • Como me sinto quando estou constantemente curioso com algo?
  • Por que me sinto assim? Quais são as experiências da minha biografia que se conectam com essa minha inquietação?
  • Quais feridas preciso curar em mim e no mundo? Como seria me dedicar plenamente a esse caminho de cura?

Agradeço muito ao pessoal do Edu on Tour, do encontro cocriativo do CDI e ao Tiago Dadalto, que me ajudaram a validar a metáfora do iceberg e a refiná-la. Não se trata de um modelo nem de algo estático: a ideia é continuar testando esse arquétipo pra ver se realmente faz sentido pras pessoas. Pra mim fez.

Para saber mais sobre mim, acesse o site www.alexbretas.com.

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Alex Bretas
Educação Fora da Caixa

Alex Bretas é escritor, palestrante e fundador do Mol, a maior comunidade de aprendizagem autodirigida do Brasil. Saiba mais em www.alexbretas.com.