Reflexões sobre o protótipo da escrita colaborativa

Alex Bretas
Educação Fora da Caixa
4 min readFeb 11, 2015

Na semana passada, fiz um experimento relâmpago (ou protótipo) para começar a entender, na prática, como seria escrever um post “publicamente” com outras pessoas colaborando diretamente na edição. Isso partiu de uma inquietação a respeito de como seria escrever coletivamente o livro da Educação Fora da Caixa.

Seis pessoas colaboraram efetivamente com o texto e foram creditadas ao final. Consultando o histórico de revisões do Google Docs no nível de menor detalhamento, constam 20 alterações principais, das quais 9 foram feitas por mim, 6 por outros colaboradores e 5 de forma mesclada (ou seja, no momento em que o Drive salvou o arquivo, tanto eu quanto alguma outra pessoa haviam-no editado).

O resultado, em termos de conteúdo, pode ser avaliado por meio da leitura da versão final do ensaio. No entanto, em se tratando do processo, conversei com algumas pessoas para clarear os aprendizados decorrentes dessa experiência.

Cheguei em quatro pontos:

1. Colaborar editando diretamente o texto pode intimidar

Senti que algumas pessoas ficaram intimidadas ao acessar o documento compartilhado, seja por receio de contribuírem com o seu repertório, seja por ficarem confusas com a fragmentação do texto enquanto estava sendo produzido.

Neste sentido, a Rayssa Ávila trouxe o seguinte feedback:

“Pelo Google Docs, tive dificuldade de visualizar onde é que eu poderia inserir alguma ideia, até porque as ideias se formam enquanto se trabalha nelas — se você não traz algo razoavelmente preparado, de antemão”.

Importante notar que algumas colaborações não surgiram no Docs, e sim de espaços como o Facebook (comentários) e o Medium (por meio do recurso de escrever um post em resposta a um outro).

2. Mesclar diversas contribuições numa única narrativa foi desafiador, mas fez sentido no final

Tive um trabalho árduo para criar uma linha narrativa coesa e, ao mesmo tempo, tentar honrar as diferentes contribuições. O processo demandou tempo e tutano, mas ao final gerou uma enorme sensação de missão cumprida.

“Imaginei que o proponente do exercício faria a junção de todas as ideias e, realmente, o acabamento final ficou incrível”. (Jessé Pacheco)

Obrigado, Jessé! Foi muito interessante perceber como o conceito de aprendizagem significativa de Ausubel, a Carta aos Mergulhadores, a empatia, o livro O Mestre Ignorante e a noção de sabedoria tornaram-se importantes nós na costura final. O texto foi enriquecido de forma decisiva por meio dessas colaborações.

3. Ao se propor uma edição conjunta, é melhor não saber aonde se quer chegar

Quando propus a experiência e comecei a divulgá-la, de certa forma eu já sabia aonde queria chegar com o texto final. Agreguei colaborações que fizeram toda a diferença, mas não permiti que a inteligência coletiva se manifestasse com toda sua força. Isso ocorreria somente se as condições do experimento fossem outras.

Todos nós que participamos ou que cogitaram participar precisaríamos estar com níveis próximos de comprometimento e engajamento, interesse, desapego, empoderamento e tempo hábil para escrever.

Ainda assim, na minha percepção o resultado final foi ótimo, e todos que colaboraram o fizeram de forma comprometida e interessada. O desapego aplica-se mais a mim, mesmo.

4. Manter-me num único editor de textos “público” me incomodou

Quando vou escrever, frequentemente pulo de um editor de textos para outro (Bloco de notas, Word, Google Docs) e anoto, rabisco e desenho num papel ou caderno próximo ao notebook. Foi complicado pra mim ter que permanecer no mesmo arquivo, e isso se agravou um pouco por haver outras pessoas visualizando o arquivo.

A escrita parece realmente ter aquele caráter intimista, bastante pessoal pelo qual às vezes ela é lembrada.

Não manter o documento compartilhado sempre atualizado com as últimas modificações que fiz no texto pode ter prejudicado ou inviabilizado algumas contribuições. Além disso, o processo criativo é mesmo caótico e desorganizado, e a não ser que eu conseguisse manter a “bagunça organizada” e centrada no mesmo arquivo público, abrir textos para edição conjunta em tempo real pode não ser tão efetivo.

Escrever colaborativamente o livro já era, então?

Não! Pretendo testar outras opções de compartilhamento menos radicais, mas que poderão ser mais inteligentes para o propósito ao qual me comprometi. Aliás, rotulá-las como menos radicais não é algo muito preciso, porque algumas das contribuições mais importantes para o post vieram justamente de outras formas que não a edição direta no arquivo do Docs.

Alternativas como os recursos de interação do Medium, de mídias sociais como o Facebook, lista de e-mails e mesmo a opção de compartilhamento somente visualização + comentários do Google Drive são caminhos promissores. De toda forma, acredito que a escolha pela edição colaborativa conjunta pode ser uma opção interessante numa variedade de casos, especialmente quando o projeto já começa a ser pensado sob essa lógica.

Continuo acreditando no poder do compartilhamento, da colaboração e de feedbacks frequentes para o aprimoramento da escrita. Só é importante respeitar as pequenas caixas-pretas do processo criativo no meio do caminho.

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Alex Bretas
Educação Fora da Caixa

Alex Bretas é escritor, palestrante e fundador do Mol, a maior comunidade de aprendizagem autodirigida do Brasil. Saiba mais em www.alexbretas.com.