MANIFESTO CONTRA A EDUCAÇÃO PÚBLICA

Joana Pagliarin
Anarquismo de Livre Mercado
8 min readMay 16, 2019

A aceitação da população brasileira no que tange ao sistema e metodologia de ensino vigentes é justificada por questões tradicionais; assim como a aceitabilidade do estado pode ser explicada pela dominação tradicional, como categorizada por Max Weber. A tradicionalidade é comum aos seres humanos; ocorre que estes se adaptam com a sucessão dos fatos e entram, figuradamente, em um estado inercial. O receio dos pais quanto ao homeschooling é dada, também, pelo mesmo ponto: a educação ofertada por terceiros os coloca em uma posição de comodidade: “a educação sempre foi assim; por que mudar agora?”, questionam-se os pais que acreditam que o estado factualmente fornece conhecimento. Estes desconhecem, não obstante, a origem da educação pública e a real justificativa por trás desta.

No âmbito nacional, em 1870, já refletia-se na adoção de um sistema de educação pública com o pretexto de que:

A educação pelo voto e pela escola foi instituída por eles [signatários do Manifesto Republicano] como a grande arma da transformação evolutiva da sociedade brasileira, e assim oferecendo em caução do progresso prometido pelo regime republicano: a prática do voto pelos alfabetizados e, portanto, a freqüência à escola que formaria o homem progressista adequado aos tempos modernos, é que tornaria os súditos em cidadãos ativos (HILSDORF, 2005, p. 60 apud PEREIRA et.al., n/p, s.d).

Acerca do trecho supracitado, uma interpretação adequada já permite compreender o caráter doutrinário do ensino proposto. Objetivar “a prática do voto pelos alfabetizados” e “frequência escolar como condição para a formação de cidadãos ativos” pressupõe a relação de uma educação planejada para futuros eleitores. Conforme o trecho: o voto é permitido apenas aos alfabetizados; e a escola o faz, consequentemente possibilitando ao estudante o poder de voto; ao alfabetizar, cabe ao estudante o comparecimento nas aulas para este aprender a pensar em defesa do estado, dos impostos e do apoio ao ensino público como direito. Mas isso é óbvio; de que forma poderia ser o contrário? por que uma educação ofertada pelo estado permitiria o pensamento livre? por que um treinador treinaria adequadamente o time oposto? se o governo o fizesse, certamente este ruiria.

Ainda sobre isso pode-se citar o episódio de 2016, período no qual foi aprovada a PEC241 que implantou um teto de gastos públicos por até 20 anos (EL PAÍS, 2016). No processo de aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) houveram diversas manifestações estudantis contra a medida sugerida pelo governo Temer, e uma frase clássica foi: “O estado não pode dar educação pois a educação derruba o estado!”. A frase utilizada é completamente contraditória. Isto porque a manifestação estudantil certamente teve o intuito de contestar a medida do governo de congelar os gastos na educação; isso pressupõe que os manifestantes queriam que mantivesse o investimento em educação; em contrapartida, estes também afirmam que o governo não pode fazê-lo. Em suma, as ideias são incongruentes.

Nesse segmento, é impossível não assumir o quão inteligente foram os estatistas ao cogitarem no ensino compulsório; pode-se ver que os objetivos foram alcançados principalmente nas instituições federais. No momento da escrita deste artigo, mais precisamente no dia quinze de maio de dois mil e dezenove, há paralisações por todo o território brasileiro contra a proposta do governo Bolsonaro de congelamento de verbas nas universidades federais (G1, 2019). Predominou no entendimento do jovem estudante da instituição federal a gratuidade do ensino público, bem como a capacidade deste de fornecer qualidade e, sobretudo, imparcialidade. Caso a parcialidade do ensino público ainda não esteja explícita, é preciso retomar a prática da educação em Esparta: consistia na apreensão de crianças em quartéis com a justificativa de fornecimento de educação de acordo com os ideais da época, de modo que esse evento desencadeou as ideias de Platão na concepção do seu estado ideal (ROTHBARD, p.29, 2013).

Outro filósofo relevante para o desenvolvimento do ensino estatal, desta vez na Europa, foi Jean-Jacques Rousseau. Este pensou na educação como forma de afastamento dos males sociais e desenvolvimento das potencialidades naturais da criança (PEREIRA, p.4, op.cit.). Tal posicionamento é entendível à medida que Rousseau alega que o Homem Natural é bom, mas o processo civilizatório o corrompe, uma vez que na sociedade o conhecimento é monopolizado (OLIVEIRA, 2017). O que não é compreensível, no entanto, é: qual o critério objetivo para determinar que de fato o conhecimento é monopolizado na sociedade? Sem isto, é impossível usar da abordagem de Rousseau como fundamento para o ensino compulsório — descartando o fato de que o ensino compulsório, per se, já é ilegítimo.

No que concerne a defesa do ensino formal como meio de desenvolver as potencialidades naturais da criança, esse argumento é desestruturado na abordagem rothbardiana, na qual define-se educação como o processo de crescimento e desenvolvimento das particularidades humanas i.e. a personalidade do homem. Partindo deste ponto, confere-se a desnecessidade da formalização obrigatória da educação, uma vez que esta é constante e não depende de uma lei positivada para a sua ocorrência. Ainda, o ensino formal comete o erro de tentar igualar todos os estudantes, ignorando absolutamente as respectivas áreas de interesse e proporcionando regresso. Assim, existe uma relação entre desigualdade — diversidade — e progresso elaborada por George Harris, na qual ele afirma que:

As sociedades rudimentares são caracterizadas pela semelhança, pela igualdade; as sociedades desenvolvidas são marcadas pela dessemelhança, pela desigualdade ou variedade. Enquanto regredimos, monotonia, enquanto avançamos, variedade [..] isto parece, certamente,… como se a aproximação à igualdade fosse um declínio para condições de selvageria, e como se a variedade fosse um avanço em direção à civilização superior […] (HARRIS, p.74–75, 1898 apud ROTHBARD, p.12–15, op.cit.).

A percepção do eleitorado brasileiro da educação pública como direito também contribui para a defesa do ensino estatal. Quanto a isso, cabe uma reflexão além da definição de direito comumente explanada, sendo esta: “uma ciência normativa imperativa que atribui obrigações e regula as relações sociais” (FODA-SE O ESTADO, 2018). Dado esta, é necessário retroceder e indagar-se sobre se o pré-requisito para algo suceder-se é a positivação i.e. homologação; se sim, automaticamente invalida-se a constituição e, consequentemente, a tese de educação como direito, à medida que, para positivá-la, ter-se-ia que, anterior a este feito, permitir os homens de homologá-la (FODA-SE O ESTADO, op.cit.). Ao indivíduo defender a educação pública como direito por meio do argumento de que este consta na constituição e, por conseguinte, torna-se ético espoliar terceiros para obtê-lo, compete que a escravidão também foi legítima em determinado período da história segundo o indivíduo que usou da justificativa racional-legal.

Conjecturo que a justificativa racional-legal é defendida por uma parte majoritária dos professores brasileiros; em alguns casos por desconhecimento e tradicionalidade, em alguns casos por interesses individuais. Na primeira situação, têm-se professores sobretudo das redes municipais e estaduais, no segundo caso predomina-se os professores das redes federais. Voltando ao exemplo da manifestação ocorrida hoje, como citado anteriormente, curiosamente as manifestações diziam respeito a emancipação das instituições federais, e não do ensino público como um todo. No fundo, o que alguns intelectuais do estado — vulgo professores das redes federais — querem, não é a melhoria da educação pública, mas sim maiores investimentos na rede federal. Até porque, caso quisessem melhoria na educação pública, não falariam apenas de investimentos, mas também de reformas na metodologia de ensino, dado que a vigente é evidentemente falha. Questiona-se, pois, onde estão as manifestações por parte dos docentes e discentes da rede federal em prol de melhores condições de ensino para escolas municipais e estaduais, cujas infraestruturas são deploráveis e os salários são pífios.

Em suma, o argumento dos socialistas defensores deste ensino compulsório no que diz respeito ao acesso dos pobres à educação carece de fundamentos; primeiro porque ensino gratuito não existe, logicamente mais investimento implica em mais impostos que afetam proporcionalmente e significativamente mais famílias de renda baixa; segundo porque a obrigatoriedade da Base Nacional Comum Curricular, exigida pelo monopólio da educação, desincentiva a abertura de novas escolas privadas com sistemas de ensinos diferentes — cessando a tarefa da diversidade humana — , fazendo com que o número destas seja reduzido, de modo a diminuir a competitividade e tornar o ensino privado inacessível até para famílias de classe média. Desta forma, o real motivo pelo qual os intelectuais do estado defendem o ensino formal é que a extinção deste resulta na sua não garantia de emprego ou salários demasiadamente mais baixos, ou pela existência de vínculos políticos e partidários como já descrito.

Dada a questão dos intelectuais com o estado, tem-se a questão do estado com os intelectuais; isto é, qual o interesse do estado em investir em intelectuais que o adoram? Certamente, de nada adianta para o estado deter o monopólio da educação e não possuir bons aliados; desta forma, funciona como uma espécie de ciclo: os intelectuais do estado doutrinam os estudantes que se tornarão eleitores, de modo que estes possivelmente defenderão o estado e o fortalecimento dos institutos federais, perpetuando com o salário dos intelectuais do estado e com a concepção de educação como direito, dando continuidade a coleta de impostos. Os estudantes, por sua vez, de nada se beneficiam com o ensino formal, ao menos que estes passem a fazer parte da jogada; caso contrário, só se tornarão adultos medíocres e eternos espoliados declarados.

Pode-se julgar os anarquistas de livre mercado que estudam na rede pública como hipócritas, e a resposta destes provavelmente será: “eu pago pelo ensino público, não existe almoço grátis e ensino privado é pagar pelo serviço duas vezes”. Tal resposta está corretíssima; mas a questão principal é: a não frequência escolar resulta numa ilegalidade; portanto, qual a alternativa? pagar por um ensino privado? pois trate de devolver-me o dinheiro dos meus impostos que com certeza eis de alocá-lo da melhor forma possível: segundo a minha satisfação, e não conforme o estado acha que devo fazê-lo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BASTIAT, F. A Lei. 3ed. São Paulo: Instituto Ludwig Von Mises Brasil, 2010. 64f.

EL PAÍS: Entenda o que é a PEC 241 (ou 55) e como ela pode afetar sua vida. Disponível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2016/10/10/politica/1476125574_221053.html>. Acesso em 15 de mai.2018.

FODA-SE O ESTADO. Reflexões sobre o Jusnaturalismo, Jusracionalismo e a ética da propriedade privada. Disponível em: <https://foda-seoestado.com/reflexoes-sobre-o-jusnaturalismo-jusracionalismo-e-a-etica-da-propriedade-privada/>. Acesso em 15 de mai.2018.

G1: Entenda o corte de verba das universidades federais e saiba como são os orçamentos das 10 maiores. Disponível em: <https://g1.globo.com/educacao/noticia/2019/05/15/entenda-o-corte-de-verba-das-universidades-federais-e-saiba-como-sao-os-orcamentos-das-10-maiores.ghtml>. Acesso em 15 de mai.2019.

OLIVEIRA, V. O Estado de Natureza em Hobbes e Rousseau | o homem, a liberdade e o Estado. Disponível em: <https://medium.com/@victoroliver/o-estado-de-natureza-em-hobbes-e-rousseau-o-homem-a-liberdade-e-o-estado-28e67487027a>. Acesso em 15 de mai.2019.

PEREIRA, L. A.; FELIPE, D. A.; FRANÇA, F. F. ORIGEM DA ESCOLA PÚBLICA BRASILEIRA: A FORMAÇÃO DO NOVO HOMEM. Disponível em: <http://www.histedbr.fe.unicamp.br/acer_histedbr/jornada/jornada7/_GT3%20PDF/ORIGEM%20DA%20ESCOLA%20P%DABLICA%20BRASILEIRA.pdf>. Acesso em 15 de mai.2019.

ROTHBARD, M. N. Educação: livre e obrigatória. São Paulo: Instituto Ludwig Von Mises Brasil, 2013. 64f.

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