Cinco décadas de equidade
Percursos num Universo de Limites
Quando o debate e a reflexão se transformam em algo mais, o impacto das palavras extravasa o seu espaço e o seu tempo.Num final de tarde a adivinhar a primavera, o Serviço Técnico de Educação Especial (STEE), da Direção Regional de Educação (DRE), organizou a tertúlia Percursos com Equidade num Universo de Limites, em que cinco décadas de vivências agregaram oradores, participantes e organizadores numa análise tão objetiva quão emotiva.
Os alunos Henrique Gonçalves e Ana Ferreira — ao piano e na voz — lançaram a emoção musical com “Jar of Hearts”, expondo o trabalho educativo da Direção de Serviços de Educação Artística e Multimédia da DRE.
A ideia de Educação
A reflexão iniciou-se com Ricardo Oliveira, Diretor do Diário de Notícias e moderador da tertúlia, a referir o seu agrado em participar «para não correr o risco de escrever notícias que não dizem respeito às pessoas».
Marco Gomes, Diretor Regional de Educação, socorreu-se de um autor italiano para afirmar que a Educação é um processo em que cada pessoa descobre e desenvolve o seu potencial, as suas capacidades, e em que se encontra com a realidade de uma forma livre e ativa, para que as suas necessidades pessoais e sociais sejam supridas.
De acordo com este responsável educativo, esta noção do desenvolvimento de cada aluno tem norteado a atuação da DRE, particularmente no âmbito da Educação Especial, promovendo o encontro da pessoa com o seu mundo próprio e com o mundo que a rodeia. Tem-se procurado, deste modo, evitar a “interioridade forçada” dessa condição particular sem desistir de ninguém.
«A Educação é a matriz da humanidade e, num mundo tecnológico, se perdemos isto, perdemos a nossa humanidade.»
Na intervenção inicial, Francisco Santos, ex-Secretário Regional de Educação, relembrou o mote da Educação Especial que se constituiu como um lema para todo o setor educativo, no seu período de governante:
«A Educação só pode ser para todos se for à medida de cada um.»
A transferência deste conceito permitiria que se respeitasse a diferença em qualquer contexto educativo, sendo que o trabalho «não será aquilo que eu quero ensinar, mas o que as pessoas precisam de aprender, consoante as suas necessidades».
Evocando o pensamento de Manuel Damásio, este antigo governante referiu a necessidade de «olharmos as incapacidades das pessoas como algo que é transversal a todos e a cada um de nós» e de «melhorar as forças e minorar as fraquezas de cada qual».
No seu entender, o treino das atividades, com persistência e tenacidade, seria essencial.
Em complemento das palavras do orador precedente, Paulo Sousa, Diretor da Farmácia Santo António, enalteceu o trabalho “absolutamente excecional” realizado na Quinta do Leme [sede do Serviço Técnico de Educação Especial].
«Todos os seres humanos conseguem criar valor e ter uma dimensão fantástica», complementou.
A felicidade da conquista
Por sua vez, Emanuel Gonçalves, pai de uma aluna do STEE, expôs, sucintamente, o percurso evolutivo da sua filha e a felicidade familiar pela integração social da mesma, decorrente do esforço de todos.
Ao corroborar esta abordagem, Francisco Santos acrescentou que a felicidade passa pela conquista de algo —por exemplo, uma competência — pelo próprio ou pelo outro.
«Neste mundo, a infelicidade grassa devido ao desrespeito pelo outro […], pelo que será de valorizar a felicidade obtida por professores e pais com as conquistas dos seus alunos e filhos.»
No mesmo diapasão, Marco Gomes veio especificar que «a pequena conquista pode ser uma grande felicidade». Usando como exemplo a aluna antes referida, assinalou que, para alguns alunos, a felicidade pode ser ir a todo o lado com a família, havendo a necessidade de ganhar a felicidade no dia a dia.
«A felicidade é a conquista da interioridade.»
Concluindo a temática da felicidade, Emanuel Gonçalves descreveu o empenho familiar em ir ao encontro das apetências da sua filha, dando-lhe oportunidade de experimentar os seus interesses, como na música ou na atividade física.
O regresso do intervalo foi assinalado com um novo momento musical, desta feita pelo clarinetista Tiago Bulhosa, orientado pelo professor José António de Sousa, em “Gospel Medley”.
A escassez, o investimento e a partilha de recursos
Ricardo Oliveira relançou o debate com uma forte asserção.
«Somos cada vez menos a fazer cada vez mais.»
No retomar da palavra, Francisco Santos asseverou que, num contexto global de escassez de recursos públicos, «as verbas de Educação são investimento», pois o fator multiplicador são as pessoas. «No mundo inteiro, a dificuldade regista-se no financiamento das funções sociais», complementou.
Marco Gomes não deixou de frisar que «no atual momento, atendendo ao número de alunos, os recursos que existem no STEE respondem com esforço — de forma suficientemente válida e educativamente fundamentada — às necessidades».
Vincando esta ideia, o Diretor Regional de Educação elogiou a dedicação dos colegas no desenvolvimento educativo de 25 alunos efetivos e de dois em ambulatório.
A partir da plateia, Micaela Baltazar, terapeuta ocupacional no STEE, esclareceu que esta equipa conta com oito docentes especializados, 12 assistentes técnicos e seis técnicos superiores, para além dos trabalhadores dos serviços gerais.
Emanuel Gonçalves interveio para realçar a melhoria bastante significativa do STEE nos últimos dois a três anos.
Ressalvando algum desconhecimento próprio sobre os recursos disponíveis, Paulo Sousa não deixou de sublinhar que «é fantástico o que se consegue fazer com o pouco que temos disponível na sociedade».
Em complemento, Marco Gomes fez notar que a articulação entre secretarias regionais tem sido estimulada pela escassez de meios, com a criação de grupos de trabalho partilhados, mas sublinhou que o foco nas pessoas existe.
«A escassez obriga a repensar os paradigmas que a abundância nos trouxe.»
Para Emanuel Gonçalves, a articulação entre áreas tem sido muito ténue.
A maioridade e a Inclusão
Francisco Santos relembrou o seu tempo de governante — em que a Secretaria Regional de Educação dispunha de um orçamento de 20 a 22% do total regional — para sublinhar o grande investimento feito no setor, salvaguardando que se vivia um tempo muito próprio.
Defendeu que «em termos gerais, a Inclusão, enquanto filosofia, tem de ocorrer no seio da Educação».
Por fim, não quis deixar de reforçar a necessidade de articulação entre o investimento público e a participação da sociedade num esforço comum.
Quanto ao contributo do setor empresarial, Paulo Sousa mencionou alguns bons exemplos de inclusão no mercado de trabalho.
«Abertura para a integração existe, só temos de criar as oportunidades.»
Sobre o acompanhamento a partir da maioridade, Emanuel Gonçalves sublinhou a necessidade de se manter o apoio institucional qualificado a estes jovens adultos.
Esclarecendo, Marco Gomes afirmou que, no seu entender, a Educação Especial deve permanecer na Direção Regional de Educação, numa perspetiva integrada e inclusiva. Defende o reconhecimento do valor da diferença, no seio da equidade, conceito diverso da igualdade.
Cinco décadas de percurso
A partir da plateia, a Diretora do Serviço Técnico de Educação Especial, Glória Gonçalves, referiu a emoção do reencontro partilhada pelos participantes no evento.
«Estarmos aqui 50 anos depois é significativo.»
Na sua intervenção, não deixou de reconhecer que a inclusão ainda não existe na totalidade. Vincou que a celebração deste meio século é fundamental, em especial pelo esforço de todos os que têm colaborado no percurso da instituição.
Ricardo Oliveira encerrou a tertúlia e deu espaço para a prometida anedota de Francisco Santos sobre o otimismo, a rever no vídeo do evento.
«É pela felicidade que vamos», concluiu-se.
Tertúlia em vídeo no canal MadeiraEdu no Youtube