Jornada do Herói

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Alex Bretas
Educação Fora da Caixa

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Herói é aquele que se transforma e aprende

A jornada do herói ou monomito é um padrão de jornada cíclica identificado por Joseph Campbell em diversas histórias antigas e contemporâneas da humanidade. Campbell, um estudioso da mitologia, investigou sistematicamente mitos e histórias de culturas distintas e traçou um “fio condutor” que estabelece uma ligação entre elas.

Posteriormente Christopher Vogler, roteirista de Hollywood, sumarizou a tese de Joseph Campbell num memorando elaborado para os estúdios Disney. O documento influenciou intensamente a indústria do cinema e ajudou a disseminar o trabalho de Campbell pelo mundo. Hoje, a jornada do herói é tomada como base para uma variedade de histórias de ficção.

Por quê?

A jornada do herói costuma ser apresentada por meio de 12 momentos bem definidos, que juntos conformam um ciclo. Ao chegar ao final de sua jornada o herói, no entanto, não retorna no mesmo patamar que originou sua busca. Cada um dos doze passos ajuda a conformar um trajeto cujo propósito, no limite, é a transformação daquele que ousa iniciar a jornada. Esse movimento cíclico pode ser compreendido por meio da figura da espiral.

A cada jornada, o herói parte do seu “mundo conhecido” para um “mundo desconhecido”. Após concluir um ciclo, ele volta ao mundo conhecido tendo desenvolvido seus poderes, com novos papéis a desempenhar e, principalmente, com muitas histórias e conhecimentos a serem compartilhados.

Qualquer semelhança com a trajetória típica de um percurso de aprendizagem não é mera coincidência. Yaacov Hetch, educador israelense que ficou conhecido como o pioneiro das escolas democráticas, sistematizou uma teoria educativa que denominou de “aprendizagem pluralista”. Em suma, uma das premissas desse modelo é que, ao mesmo tempo em que construímos conhecimento, também se amplia proporcionalmente nossa “falta de conhecimento” (lack of knowledge). Por meio de percursos cíclicos de aprendizagem — também representados por uma espiral — , retornamos ao nosso mundo conhecendo mais, mas também nos questionando mais.

Aplicando o modelo à jornada do herói, tem-se que cada vez que ele retorna de uma aventura, suas perguntas crescem na medida dos novos saberes e experiências adquiridas. Talvez seja por isso que o herói deseja sempre embarcar numa nova jornada.

Também por isso, o padrão identificado por Joseph Campbell pode ser uma boa lente para compreendermos os nossos próprios caminhos de aprendizado.

Como?

Os 12 passos da jornada do herói podem ser ordenados da seguinte maneira:

Fonte: Não Me Condene.

Pense em filmes como Matrix, Star Wars e Harry Potter, cujos roteiros seguem de forma muito próxima esse caminho. Há também uma divisão em três atos: Apresentação, Conflito e Resolução.

Ato I — Apresentação

Mundo comum

É o mundo conhecido, habitual do herói. Não há surpresas, somente normalidade.

Chamado à aventura

O herói ouve de algo ou alguém um chamado para iniciar sua jornada. O principal elemento do chamado é um propósito urgente.

Recusa do chamado

O herói já percebeu o chamado, mas escolhe não escutá-lo, geralmente porque sente medo.

Encontro com o mentor (ou ajuda sobrenatural)

Algo ou alguém surge para o herói e uma relação de apoio é estabelecida. O mentor geralmente é uma figura sábia, que guia o herói durante parte de sua jornada. É possível haver vários mentores.

Travessia do primeiro limiar

É a entrada de fato do herói no mundo desconhecido. Representa um momento crucial, um ponto de virada, de tal modo que o herói não pode mais voltar atrás.

Ato II — Conflito

O ventre da baleia (testes, aliados e inimigos)

Uma vez no mundo desconhecido, a aventura de fato tem início. O herói é testado, conquista aliados e luta contra os primeiros inimigos, e com isso aprende as “regras do jogo” desse novo universo.

Aproximação da caverna oculta

O herói chega no local mais perigoso da jornada, onde se encontra o que mais lhe causa medo.

Provação suprema

Momento em que o herói enfrenta a sua ameaça mais temida. Durante a luta, o herói precisa morrer — seja literal ou metaforicamente — para então renascer capaz de derrotar seu maior inimigo. Depois de quase perder, ele enfim vence a batalha.

Recompensa

Após derrotar seu maior inimigo, o herói obtém uma recompensa, geralmente representada nas histórias por algum objeto (elixir). A recompensa pode também vir na forma de novos aprendizados e de reconhecimento.

Ato III — Resolução

Caminho de volta

O herói decide iniciar seu retorno ao mundo conhecido, mas a volta não será fácil. Seus inimigos preparam-lhe um golpe final.

Ressurreição

Ao retornar para o seu mundo, o herói é surpreendido e precisa enfrentar a batalha final. Nessa luta, ele aplica todos os aprendizados que teve durante a jornada. Ao enfim conseguir a vitória, o herói renasce, isto é, transforma-se genuinamente e passa a olhar a vida com outros olhos. É o momento em que ele se purifica para poder então retornar ao mundo comum.

Retorno com o elixir

O herói consegue voltar ao mundo conhecido e carrega consigo a recompensa da jornada, representada pelo elixir. Tendo feito todo o percurso, ele agora é capaz de colher os frutos da jornada. A recompensa pode ser mais liberdade, sabedoria e/ou algo que possa beneficiar sua comunidade.

Existem muitos outros detalhes e entendimentos possíveis da jornada. Uma complementação interessante é a descrição dos arquétipos (personagens simbólicos) que surgem durante o trajeto.

Ao tomar contato com os 12 passos, que pontes com o universo da aprendizagem poderiam ser feitas? Acredito que a jornada do herói pode ser encarada como uma potente metáfora do nosso próprio percurso de desenvolvimento.

Quais chamados eu tenho escutado? Quais tenho me recusado a escutar? Quem poderiam ser meus mentores? O que é importante para que eu cruze o limiar e inicie minha jornada? Quem são meus aliados e quais são meus desafios? Do que eu tenho mais medo? Como eu poderia renascer para enfrentar o que me ameaça? Que recompensas eu teria ao embarcar numa jornada? Quais sabedorias eu quero compartilhar com os habitantes do meu mundo?

Todas essas perguntas e outras mais poderiam ser feitas à luz da jornada do herói. Ao compreender o paradoxo da aprendizagem conforme elucidado por Yaacov Hetch (mais conhecimento = mais questionamento), fica claro que a jornada nunca termina. Aprender é pra vida toda.

Para saber mais:

Este texto faz parte da série especial do Kit Educação Fora da Caixa, que aborda diversas ferramentas de aprendizagem inovadoras. Navegue no blog para ver tudo o que já publicamos.

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Alex Bretas
Educação Fora da Caixa

Alex Bretas é escritor, palestrante e fundador do Mol, a maior comunidade de aprendizagem autodirigida do Brasil. Saiba mais em www.alexbretas.com.