7 perguntas e respostas de escolas já vivem o novo Ensino Médio

Luiza Braga
Eduqo
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9 min readMay 25, 2021

A reforma do Ensino Médio ainda é um tema com muitas perguntas e poucas respostas, mas você pode aprender com a experiência de quem colocou a mão na massa e já está vivendo a nova realidade!

Confira abaixo a entrevista exclusiva que fizemos com escolas que já estão vivendo o novo formato. Os nossos convidados são:

Fábio Aviles — Diretor Pedagógico do Colégio Guilherme de Almeida (Guarulhos/SP). Lidera a implantação do Novo Ensino Médio no colégio desde 2018. É autor de material didático de Química dos Itinerários Formativos do Anglo. Presta consultoria para ajudar escolas na implantação do Novo EM.

Pablo Soares Damaceno — Coordenador Pedagógico do Ensino Médio (unidade Alphaville) na rede de Colégios Pentágono (São Paulo/SP). Liderou, junto com Bruno Alvarez, a implantação do Novo EM em todas as unidades da rede. Também é Gestor de Ciências da Natureza, Coordenador de Química e Coordenador dos Projetos UNESCO de todas as unidades da rede. Pós-graduado em Gestão Escolar (USP) e Administração de Empresas (FGV).

Bruno Alvarez — Coordenador do Ensino Médio (unidade Morumbi) na rede de Colégios Pentágono (São Paulo/SP). Liderou, junto com Pablo Damaceno, a implantação do Novo EM em todas as unidades da rede. É Gestor de Linguagens de todas as unidades da rede. Tem mestrado em Linguística Aplicada (USP) e pós-graduação em Gestão Escolar (USP).

(Eduqo) Durante o momento de implantação do Novo EM, sabemos que um dos grandes desafios é entender, interpretar e aplicar as legislações associadas a esse novo formato, o que inclui reescrever e atualizar alguns documentos da escola. Como vocês lidaram com isso?

(Fábio) Sabendo do tempo e do esforço que precisaríamos dedicar para nos adequar à nova legislação, decidimos aproveitar o momento para mudar a forma como enxergamos documentos como o Regimento Escolar, o PPP (Projeto Político-pedagógico) e o Plano Escolar.

Em vez de encará-los apenas como algo burocrático, focamos em fazer com que eles se tornassem úteis e beneficiassem tanto a escola quanto o aluno.

Como exemplo concreto disso, a gente incluiu, na nossa documentação, o registro e descrição de uma disciplina eletiva de trabalho voluntário, que já existia no colégio. Com isso, passamos a conseguir listar “oficialmente” essa disciplina nos documentos que o aluno recebe, como boletins e histórico escolar. Isso ajuda o aluno a aplicar para faculdades internacionais e, de forma geral, a dar seus próximos passos na vida acadêmica e profissional.

(Pablo) No caso do Pentágono, o que eu acrescentaria à resposta do Fábio é que, para nós, foi muito importante estar próximo e conversar bastante com os Supervisores das Diretorias de Ensino. Como as unidades do Pentágono se encontram em locais diferentes, tivemos que falar com supervisores distintos e, de vez em quando, os próprios supervisores tinham interpretações e orientações divergentes entre si em relação a alguma proposta que a gente levava para eles analisarem. Aí a solução era reforçar a comunicação e proximidade entre nós e os supervisores para endereçar rapidamente essas divergências.

(Eduqo) Como foi o processo de criação de novas disciplinas para os itinerários formativos? Como vocês engajaram os alunos e professores nesse processo?

(Fábio) No Guilherme de Almeida a gente criou um processo semelhante a um “feirão de disciplinas”. Os professores têm um período e um prazo para criarem propostas de novas disciplinas (a serem ministradas no ano seguinte). Após isso, realizamos um tipo de evento em que os professores apresentam as disciplinas para os alunos. É como se estivessem “vendendo” a disciplina que criaram. Os alunos têm, então, duas semanas para conversarem com os professores e tirarem suas dúvidas sobre o que foi proposto. Por fim, realizamos uma votação e são os alunos que elegem as disciplinas do ano seguinte.

Esse processo é interessante porque ele fez com que naturalmente houvesse um engajamento maior dos professores e dos alunos. Os professores passaram a conversar e ouvir mais os alunos. Ambos, professores e alunos, colaboraram na proposição das novas disciplinas. Além disso, os docentes realmente buscaram entender o que interessa aos alunos e se conecta à realidade e ao dia a dia deles, pois eles é que são os eleitores.

No início, tivemos casos de professores que tentaram propor disciplinas “da própria cabeça”, sem interagir tanto com os alunos. O resultado disso é que essas disciplinas nunca eram escolhidas na votação.

Por outro lado, temos uma professora de educação física que foi tão a fundo nisso que, ao pesquisar sobre o que poderia engajar seus alunos, descobriu a Garuda, uma técnica indiana que mistura, entre outras coisas, yoga, dança e pilates. Conversando com os alunos, compreendeu que eles gostariam dessa novidade, então fez um curso para aprender a técnica e propôs a disciplina de Garuda.

O resultado? Foi uma das disciplinas mais votadas até hoje e sempre ocorre um “overbooking” (mais alunos interessados do que vagas)!

(Bruno) No Pentágono, temos um processo bem semelhante e, pra não ser repetitivo, gostaria de acrescentar apenas um outro exemplo.

Dentro desse processo de criação de disciplinas, a gente também procura “investigar” e fazer os professores trazerem à tona talentos e conhecimentos muito interessantes e que ninguém da escola sabia que existiam.

Foi nessa “investigação” que descobrimos que um dos nossos professores de sociologia era amante da história do futebol e das questões raciais envolvidas neste tema. Esse professor criou, então, a disciplina “Sociologia do Futebol: aristocracia, racismo e política”, cuja sinopse encontra-se abaixo:

“1) Nascimento do futebol em meio à revolução industrial e o futebol como um microambiente do macro social que distinguia classes sociais. 2) Como o processo do racismo se deu em um esporte como o futebol, o papel da aristocracia no impedimento de negros no esporte e, em contra partida, os clubes que abriram suas portas para a diversidade. 3) O processo político encabeçado pelo futebol, a democracia corintiana e o espírito de liberdade promovido pelo futebol da década de 80 no nosso país.”

Nem é preciso dizer que essa matéria também foi um sucesso e engajou muito os alunos!

Eu resumiria toda essa discussão em três principais pontos:

  • Engajar os professores na criação das novas disciplinas foi menos desafiador do que pensamos. Os professores também já tinham o anseio de “saírem da caixinha”, de serem criativos e de proporem assuntos mais conectados com os alunos.
  • Os alunos precisam estar no centro desse processo. Seus interesses, sugestões e opiniões são uma das principais matérias-primas para a criação das novas disciplinas.
  • Os talentos e conhecimentos “não-tradicionais” dos professores também são uma ótima matéria-prima para esse processo criativo. Só é necessário dar liberdade e estimular os professores a trazerem essas “surpresas” à tona (como o professor que adorava a história futebol!)

(Eduqo) Ainda no momento de implantação, temos o desafio de reorganizar os processos internos, incluindo, por exemplo, ajustes de carga horária dos professores, formato dos boletins (podem ser diferentes para alunos da mesma turma), calendário de aulas etc. O que foi mais complicado neste tópico e como vocês contornaram as complicações?

(Bruno) O primeiro desafio que a gente encarou nessa reorganização interna, após já termos definido o modelo de como implementaríamos o Novo EM, foi o de conseguir organizar a carga horária dos professores de forma a manter constante o número de horas-aula de cada um deles. Isso foi um desafio porque a carga horária “comum” (das disciplinas associadas ao formato antigo do EM) diminuiu, enquanto surgiu uma nova carga horária associada às disciplinas dos itinerários formativos.

Para lidar com isso, ficamos muito próximos dos professores para identificar os seus interesses e talentos a fim de criarmos novas disciplinas de forma a equalizar a carga horária, sem haver necessidade de nenhuma redução. Isso também exigiu que a gente “planilhasse” bastante para modelar os possíveis calendários!

Outra coisa que nos ajudou a organizar todo esse calendário foi a criação da “meia aula” (que equivale a 25 minutos, já que uma aula completa possui 50 minutos). Isso nos ajudou de duas formas.

Em primeiro lugar, permitiu que a gente distribuísse melhor uma determinada disciplina entre a carga horária alocada para a BNCC e a alocada para o Ciclo Pentágono. Exemplo: imagine que a gente entenda que todos os alunos precisam de 4 aulas por semana de uma determinada disciplina, mas isso faria com que a gente superasse o limite máximo de horas para a BNCC. Com a meia aula, podemos colocar, por exemplo, 2,5 aulas na BNCC e 1,5 aula no Ciclo Pentágono. Isso nos ajudou muito a ter mais flexibilidade na hora de montar esse “quebra-cabeça”.

Em segundo lugar, nas situações em que vimos a necessidade de realmente reduzir a carga horária de alguma disciplina, a meia aula permitiu com que essa redução não fosse tão grande (diminuição de 3 para 2,5 aulas por semana, por exemplo). A vantagem disso é que ficou um pouco mais fácil de preencher as horas-aula do professor que ficaram vagas com essa diminuição, o que foi feito alocando o professor para ministrar novas disciplinas dos itinerários formativos.

(Eduqo) Para as escolas que entendem que o currículo comum (que deverá ser trabalhado obrigatoriamente com todos os alunos) exigirá mais do que as 1.800 horas alocadas para a BNCC, o que pode ser feito? Como se pode trabalhar um currículo obrigatório maior do que o limite máximo de 1.800h previsto na nova legislação?

(Pablo) Para lidar com isso, a gente criou um modelo de Itinerário Formativo dividido em três grandes partes — Ciclo Pentágono, Disciplinas Específicas e Disciplinas Eletivas — sendo que o Ciclo Pentágono é um conjunto de disciplinas comuns e obrigatórias a todos os alunos, independente do itinerário escolhido. Assim, além das 1.800h da BNCC, nossos alunos também têm uma carga horária comum e obrigatória dentro do Ciclo Pentágono.

Dessa forma, digamos que uma escola entenda que precisa de 2.100h (e não apenas 1.800h) para trabalhar um currículo comum e obrigatório com todos os seus alunos. Dessas 2.100h, 1.800h já poderiam ser alocadas para o cumprimento do currículo da BNCC (conforme previsto na legislação), mas ainda faltariam 300h. Lembrando que a carga prevista para os itinerários é de 1.200h, essa escola poderia estruturar o seu modelo de Itinerários Formativos contendo um bloco de “ciclo comum”, com 300h dedicadas a disciplinas que todos os alunos deverão obrigatoriamente acompanhar (independentemente do itinerário que escolherem).

(Eduqo) Como a tecnologia da Eduqo tem ajudado nos desafios trazidos pelo Novo Ensino Médio?

(Fábio) O novo Ensino Médio abre muito espaço para as escolas personalizarem a jornada de aprendizagem dos seus alunos. Os alunos passam a ser mais protagonistas e autônomos, podendo eles mesmos personalizarem suas trilhas de aprendizagem com base em seus interesses e sonhos (escolhendo os itinerários formativos e disciplinas eletivas, por exemplo).

Por outro lado, as escolas e professores têm muito mais liberdade para, além de pensar em novas disciplinas, também personalizar a forma com que interagem com os alunos. De forma prática, essa personalização pode envolver, por exemplo:

  • mapear a forma como cada aluno aprende (lendo, vendo, ouvindo, fazendo trabalho em grupo etc);
  • criar trilhas de conteúdos variados (vídeos do Youtube, artigos, podcasts, ebooks, tarefas de casa etc) para cada perfil de aluno (mapeado no tópico anterior) e para cada itinerário formativo;
  • facilitar a interação de um aluno com seus colegas e com os professores conforme ele vai avançando pelas trilhas de conteúdo;
  • obter e analisar dados de engajamento e de aprendizagem dos alunos

Como se vê, não é tão simples aproveitar toda a flexibilidade e todos os benefícios trazidos pelo Novo EM.

Uma plataforma tecnológica é muito importante para a escola conseguir operacionalizar tudo o que é necessário a fim de aproveitar ao máximo o novo modelo, além de permitir que a escola tenha dados para entender se está sendo bem sucedida na implantação do Novo EM.

É exatamente nesses pontos que a Eduqo nos ajuda

(Eduqo) O aluno pode mudar o itinerário durante o ano letivo?

(Fábio) Aqui no Guilherme de Almeida, o aluno pode trocar de itinerário a cada novo semestre. Se no primeiro semestre ele escolheu e cursou o itinerário de Linguagens, por exemplo, no segundo semestre ele pode migrar para o itinerário de Ciências.

(Bruno) No Pentágono, funciona da mesma maneira. A cada novo semestre o aluno pode fazer essa mudança.

(Eduqo) Uma vez que a transição de itinerário pode acontecer ao longo do Ensino Médio e cada itinerário aborda temas e habilidades específicos, como acompanhar as notas de cada aluno?

(Fábio) No nosso caso, o aluno tem as notas fechadas semestralmente dentro de cada itinerário em que ele estiver inscrito. Isso fica registrado nos documentos oficiais da escola e do aluno, em especial, nos boletins e históricos escolares, que tiveram que ser ajustados (inclusive no sistema que usamos) para permitir toda essa flexibilidade nos registros.

(Pablo) Nossa estrutura em relação às notas dos alunos é semelhante.

Quer assistir à conversa completa que deu origem a esse artigo? É só clicar aqui: https://www.youtube.com/watch?v=u1KRrg53W0A&t=59s

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Luiza Braga
Eduqo
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Comunicadora e professora apaixonada, analista de Marketing de formação e curiosa pelo mundo.