A vida de quem chegou ao fim da picada

Odinei Padilha
É, gente
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5 min readNov 12, 2018

Foice e machado: as histórias que abriram caminhos no oeste do Paraná

Colonizadores no município de Guaraniaçu, década de 1950. Foto Reprodução/prefeitura de Guaraniaçu

Quem trafega pelo oeste do Paraná se depara com uma das regiões mais produtivas do Brasil. Terras férteis e um clima propício fazem do cenário um lugar desejado por muitos. Há quase 60 anos esse território era coberto pela mata fechada.

O governo desse período queria povoar o território, por ser uma região estratégica de fronteira. Foi com esse objetivo que foram elaborados projetos para vendas de lotes de terras para habitantes de Santa Catarina.

Em busca de uma vida melhor, famílias se deslocaram rumo ao Paraná. No relato de quem viveu essa época, vamos relembrar uma parte desse tempo, em que a coragem e a determinação prevaleceram sobre as dificuldades.

Na batida das patas: de Santa Catarina ao Paraná

Na década de 1950, o meio de transporte tradicional era o cavalo. Foi dessa maneira que as famílias Souza e Scheffmachers chegaram até aqui. O agricultor Valfrido de Souza, de 77 anos, é morador da comunidade de Rio Bandeira, no município de Guaraniaçu. Ele conta como foi a viagem do município de Curitibanos, em Santa Catarina, até o Paraná.

O agricultor Valfrido de Souza. Foto: Odinei Padilha

“Com várias escalas saímos de lá. Viemos em cinco, meu pai, minha mãe e dois irmãos, até Marquinho, distrito de Laranjeiras do Sul, em cima de lombo de cavalo. Lembro bem, foi bem demorada a viagem, ficamos uns dias na casa de um parente, meu pai comprou um lote de 22 alqueires, aqui em Guaraniaçu”, diz Valfrido.

Seu conterrâneo Divo Scheffmacher teve a mesma trajetória. Ele e a família saíram da localidade Lebom Régis, Santa Catarina, com destino ao Paraná. Diferente da família Souza, eles se deslocaram com destino certo para Guaraniaçu.

“ Foi um sofrimento, lembro que era pequeno, viemos de carroça de cavalo, parecia que nunca íamos chegar, vim nessa viagem com meu pai e minha mãe”, diz o agricultor.

Divo Scheffmacher. Foto: Odinei Padilia

O governo estava vendendo lotes de terras em 1950 na região oeste, porém, a infraestrutura ficava por conta dos compradores.

“Aqui no município só tinha a estrada que hoje é BR 277, a chamavam de estratégica, saindo dela entramos numa picada feita no mato a facão e foice”, comenta Divo.

Como ganhar a vida

As primeiras lavouras cultivadas demandaram um enorme esforço braçal.

“Após chegarmos, tínhamos que plantar, meu pai começou a derrubar a mata a machado. Era serviço cansativo, cortava um bom pedaço, esperava secar e depois colocava fogo”, diz Valfrido.

Um dos primeiros cultivos da região foi o milho. O grão, que também era moído e transformado em farinha, servia para alimentar tanto as pessoas quanto os animais, como porcos, galinhas, entre outros.

Quando as famílias se fixaram na região, uma maneira de obter dinheiro mais fácil foi a engorda de porcos. Compradores oriundos da cidade de Ponta Grossa pagavam bem pelo quilo vivo dos suínos, por isso essa prática foi comum entre os moradores. Seu Divo lembra bem:

“Nós plantávamos o milho e quando ele estava seco, meu pai soltava os porcos da mangueira. Eles comiam, daí no fim do ano nós levávamos eles para a venda”.

O transporte dos animais até os compradores era penoso, lembrando que naquela época não existia veículo de transporte de cargas no interior de Guaraniaçu. A única maneira de chegar até o caminhão, na estrada principal, era andando.

“Quando chegava a hora de vender, nós pegávamos uns quatro cavaleiros, um ia à frente, dois ao lado e um cavaleiro atrás. Daí tinha que ir tocando, se anoitecesse no caminho, encontrávamos um lugar pra dar água para os animais, fazíamos um cercado de galho de árvore, posávamos ali mesmo, no outro dia seguíamos até chegar o caminhão”.

Mortalidade infantil

Uma das maiores dificuldades das famílias era ir ao médico. A cidade mais próxima ficava a mais de 100 quilômetros de Laranjeira do Sul. Devido à distância, era quase normal a morte de crianças.

“Eu perdi dois irmãos e uma irmã, recém-nascidos, não tinha nada perto, não deu tempo, ficaram doentes e morreram”, lamenta Divo.

Não existia ainda o município de Guaraniaçu. Até então era só um vilarejo. Para combater qualquer enfermidade ou picada de insetos e animais venenosos, os moradores recorriam a algumas técnicas locais.

“Quando uma pessoa era picada por cobra, ou ficava doente, fazia assim, primeiro tentava um chá caseiro, depois era levado no benzedor”, explica Valfrido.

Quando uma pessoa morria, os enterros eram bem diferentes de hoje, não existia todo esse aparato fúnebre que temos na atualidade.

“Aqui era feito assim: fazia o caixão de tábua lascada ou com a serra, vestia com roupa bem simples, velava a pessoa na casa mesmo”, diz Divo.

Lazer e namoro nos tempos antigos

Apesar da luta diária, os moradores também tinham seus momentos de lazer, lembrando que a caça e a pesca era livre.

“Quando eu tinha uns 20 anos, ficava na expectativa de chegar o fim de semana para pescar e caçar. Naquele tempo, existiam muitos animais e tudo era liberado, não tinha fiscalização”, comenta seu Valfrido.

Naquela época, os namoros tinham um formato bem ao contrário do que é hoje. A timidez e a rigidez dos pais faziam os romances serem difíceis.

“Naquele tempo era complicado, nada de abraçar ou beijar, só pegava na mão e, se ela apertasse, era um sinal que estava gostando. As moças ficavam olhando os rapazes pelo buraco da parede”.

Missão cumprida

Com a chegada da mecanização, no final na década de 1970, a vida começou a melhorar. As estradas foram abertas, o trabalho braçal aos poucos foi substituído pelas máquinas, e subsídios do governo federal começaram a facilitar a vida dos agricultores. Questionados sobre a preferência entre os tempos antigos ou hoje, eles foram unânimes em suas respostas.

“Naquele tempo, era difícil, não tinha nada, hoje temos eletricidade, mercado perto, é bem melhor, eu prefiro hoje”, destaca seu Valfrido.

Seu Divo também ressalta que, apesar de hoje o povo ter mais pressa e falta de tempo, não quer voltar à antiga forma de trabalho: “Eu sofri muito, não gostaria de voltar. Gosto de hoje, ficou mais fácil para se viver”.

Apesar de a evolução ter chegado, os nossos guerreiros têm algo em comum. É inegável a coragem e determinação dos colonizadores, hoje marcados pelo tempo. Eles foram cruciais em nossa região, abrindo caminho para a nova geração, escrevendo a história de um povo batalhador.

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