Governo eletrônico — modos de usar

Fernando Pinto
COPPEAD E-Gov
Published in
3 min readJul 6, 2020

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No dia sete de abril de 2020, o Governo Federal lançou um aplicativo para cadastrar e permitir que trabalhadores informais pudessem receber o auxílio emergencial com o objetivo de mitigar os impactos socioeconômicos da pandemia do novo coronavírus, principalmente, sobre os mais vulneráveis. Para receber o benefício o mais rápido possível, milhões de brasileiros que não se encontravam em nenhum cadastro governamental tiveram que se desdobrar para fazer o download do aplicativo, seguir o passo a passo de preenchimento das informações e conseguir ultrapassar as barreiras de infra-estrutura como, por exemplo, o congelamento do sistema computacional por sobrecarga de utilização. Governo, responsáveis pelo desenvolvimento e operação do aplicativo e pesquisadores acompanhamos em tempo real a implantação de uma ferramenta que buscou sanar em poucas semanas uma dívida que de décadas, a da exclusão digital.

Muito dos problemas que enfrentamos poderiam ter sido evitados se estivéssemos em dia com a agenda de estruturação digital do Estado. A identidade digital, por exemplo, pouparia o esforço hercúleo de cadastramento e evitaria erros e fraudes. Países como Chile e Peru contam com esse serviço, bem como a populosa Índia, que mesmo com seus mais de 1 bilhão de habitantes, tem a execução de programas de transferência de renda facilitada pelo cadastramento massivo dos habitantes e o uso da identificação digital pelas bases de dados do Governo. Já no Brasil, em tempos do necessário isolamento social , assistimos a cenas chocantes de filas e tumultos em Agências da Caixa Econômica Federal para criação ou regularização do CPF — item obrigatório para retirada do auxílio. Além dos problemas cadastrais e de infra-estrutura, a implantação de um aplicativo com essa abrangência teve a sua eficácia prejudicada pela pouca familiaridade da grande maioria da população com plataformas digitais governamentais, também conhecidas como governo eletrônico (e-gov).

Desde o início dos anos 2000, o Estado brasileiro vem utilizando as tecnologias de informação e comunicação, as TICs, para disponibilizar informações e serviços para a sociedade. Através de ferramentas de governo digital é possível fazer a declaração de renda, pagar tributos, participar de editais, licitações e pregões online, além de se poder consultar o andamento dos gastos e das políticas públicas. Apesar da descontinuidade das políticas de governo eletrônico provocadas pelas mudanças de governo, o Brasil conta atualmente com um aparato legal que é referência internacional composto pela Lei de Acesso à Informação, o Marco Civil da Internet e a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Entretanto, se contamos com serviços e consultas públicas acessíveis pela internet, por que, no ranking das Nações Unidas de Governo Eletrônico, o Brasil ocupa o 44º quarto lugar, atrás dos vizinhos sul-americanos Argentina, Chile e Uruguai? A chave para se entender a posição brasileira está na metodologia utilizada para o cálculo do ranking de desenvolvimento de governo eletrônico (e-gov). Para estabelecer o índice de e-gov, a ONU leva em conta a infra-estrutura de telecomunicações e internet, a quantidade e a qualidade dos serviços e informações disponibilizadas, além do nível de capital humano que considera se encontra a população de cada país, isto é, considera-se a renda, nível educacional, além do acesso e familiaridade com as plataformas de e-gov. Ao analisar o caso brasileiro, vemos que ainda contamos com graves entraves de infra-estrutura, mas nosso maior problema está no índice referente ao capital humano, espelho de nosso vergonhoso 2º lugar em outro ranking, o da desigualdade social. Marcados pelo estigma do analfabetismo funcional, que atinge 30% da população brasileira, sem acesso e instrução para utilizarmos as ferramentas de governo eletrônico, estamos mergulhados até o pescoço na exclusão digital. Logo, mesmo que aumentemos o alcance e a velocidade de nossa internet e disponibilizemos cada vez mais serviços e informações online, é fundamental o investimento tanto na melhoria educacional quanto na acessibilidade e letramento digital, uma espécie de alfabetização nas novas tecnologias de informação e comunicação.

Com a disponibilização da plataforma digital para o auxílio emergencial para cerca de 30 milhões de pessoas, o Brasil demonstrou robustez tecnológica e vem enfrentando poucos problemas de infra-estrutura considerando o tamanho do país. Portanto, parecemos estar no caminho certo da universalização dos meios para a utilização do governo eletrônico no país ou pelo menos sabemos o que fazer. Entretanto, não podemos esperar a próxima pandemia para proporcionarmos à população não somente os meios mas também, e principalmente, os modos de usar as ferramentas de governo eletrônico.

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