Por que ter mais mulheres na política?

Elas no Poder
Elas no poder
Published in
7 min readSep 28, 2019

O empoderamento político das mulheres é um requisito fundamental para uma democracia saudável. Diversos estudos da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) demonstram que a participação política das mulheres tem como base a questão da representatividade (as mulheres representam metade da população e, portanto, têm o direito de contribuir para a tomada de decisões sobre questões que afetam suas vidas), e a questão do impacto ou valor (as mulheres trazem uma perspectiva particular à tomada de decisão).

Uma pesquisa da OCDE mostrou, por exemplo, que as taxas de desigualdade tendem a diminuir nos países com maior participação de mulheres nas governo, enquanto outra concluiu que a inclusão de mulheres no executivo (como ministras, por exemplo) pode fortalecer a confiança do público nos governos nacionais.

Além disso, de acordo com a União Interparlamentar (UIP), as mulheres políticas têm sido “as principais motivadoras do progresso na igualdade de gênero”, frequentemente chamando a atenção para questões como violência de gênero, políticas voltadas para a família e capacidade de resposta às necessidades dos cidadãos.

Como aumentar a representação feminina na política?

Dada à lentidão na entrada de mulheres na política, há um aumento na demanda por métodos mais eficientes para alcançar um equilíbrio de gênero nas instituições, e as cotas representam um desses mecanismos.

ATUALMENTE EXISTEM TRÊS TIPOS PRINCIPAIS DE COTAS POR GÊNERO:

Embora assentos reservados regulem o número de mulheres eleitas, as outras duas formas estabelecem um mínimo para a parcela de mulheres nas listas de candidatas, seja como uma exigência legal (tipo 2) ou uma medida escrita nos estatutos de partidos políticos individuais (tipo 3).

Atualmente, o Brasil adota o sistema de cotas para candidaturas e, embora exista resistência por parte da população, é possível perceber que a existência do mecanismo contribuiu com o aumento da proporção de mulheres eleitas. Em 2017, o país ocupava a 152ª posição em ranking de 190 países sobre presença feminina em parlamentos; na versão atualizada do ranking, o Brasil passou a ocupar a 133ª posição, empatado com Barein e Paraguai.

O avanço não é rápido nem resultado de soluções simples. As cotas infelizmente ainda não são suficientes para que haja igualdade entre os eleitos. É necessário que haja mudanças estruturais, no modo de pensar da população e principalmente, deve haver igualdade de oportunidades. Precisamos pensar em maneiras de fortalecer nossas políticas atuais, e não desmontá-las: a decisão do Tribunal Superior Eleitoral,no último dia 17, sobre a cassação de candidaturas laranjas, vai ao encontro deste movimento.

Em entrevista com Elas No Poder, a paulista Irina Cezar, socióloga pela USP (Universidade de São Paulo), mestre em Administração Pública pela FGV (Fundação Getúlio Vargas), especialista em gênero e cofundadora do Grupo de Mulheres da Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (RAPS), reforça a importância da participação feminina na política brasileira. Irina Cezar, que começou na política muito cedo e desde então abraçou a luta pela participação feminina como principal bandeira.

Na sua opinião, o sistema político brasileiro inibe a participação das mulheres na política?

Completamente, o sistema continua majoritariamente branco, masculino e com uma renda alta. A política é um jogo historicamente masculino e a mulher tem ficado relegada ao espaço doméstico há séculos. Como consequência destes traços socioculturais, as mulheres enfrentam mais dificuldades para participar da política porque têm menos lugares de fala e quando os encontram costumam ser interrompidas. Além de terem de lidar com outras questões limitadoras como, por exemplo, o assédio, o julgamento pela aparência e a carga doméstica. Estas dificuldades também se reproduzem nos partidos políticos. As cúpulas partidárias permeadas por estas construções sociais impedem a chegada das mulheres à liderança.

O PL 2996/2019, proposta pela Deputada Federal Renata Abreu (PODE/SP), propõe o esvaziamento da lei de cotas femininas. Na sua opinião, por que existe até hoje essa resistência no Congresso às cotas?

A mulher está deixando de aceitar o status quo e isso incomoda, causa medo. As mulheres rejeitam cada vez mais a desigualdade no âmbito familiar, social e laboral.

Toda vez que alguém rebate o sistema de cotas e financiamento argumenta que todos somos iguais e temos o mesmo apoio da sociedade civil. Porém, não é bem assim. A mulher tem sido historicamente relegada da participação política, deixando-a em inferioridade de condições. Além disso, muitos estudos demonstram que nenhum país no mundo aumentou os níveis de participação feminina sem a implementação de cotas. Assim como, também demonstram que a ampliação da participação feminina tem resultados em todos os âmbitos, beneficiando não só as próprias mulheres, mas a sociedade no seu conjunto.

Você já enfrentou dificuldades ao participar na política pelo fato de ser mulher? Enfrentou algum preconceito?

No último ano de faculdade fui convidada para participar do PSDB, partido que me deu espaço e no qual comecei a militância. O machismo era uma realidade tanto no meu partido quanto nos outros. Isto me levou a considerar sair da política, mas pouco tempo depois aconteceram duas coisas que me incentivaram a continuar:

Primeiro, conhecer uma liderança feminina que tinha como bandeira o empoderamento feminino foi fundamental. Militamos durante anos juntas. Segundo, entrar na RAPS, a primeira rede de renovação política do Brasil. Uma vez mais, a maioria dos ativistas eram homens, precisávamos de mais espaços para as mulheres. Começamos um movimento de conscientização sobre a relevância de ter mais mulheres nessa rede. Foi uma grande luta, mas finalmente criamos o primeiro grupo de trabalho focado em mulheres. Atualmente, a RAPS é a primeira rede pela renovação política a alcançar um percentual de 53% de participação feminina em sua última turma e é dirigida por uma mulher, Mônica Sodré.

Tanto a RAPS como outros movimentos pela renovação política já manifestaram as dificuldades para encontrar mulheres que desejem participar da política. Esse cenário continua? Na sua opinião, quais são os principais motivos?

Ainda hoje existem dificuldades para captar mulheres, porque culturalmente foi negado seu espaço de participação política. A pesquisadora e especialista em empoderamento feminino, Linda Mayoux, explica que para uma mulher participar da política, é preciso que esteja empoderada na esfera pessoal, familiar e social. As chances da mulher se interessar pela política são inexistentes se não enxerga seu próprio potencial, se não é apoiada pela família ou se todo o trabalho doméstico e a criação dos filhos recai nela. O empoderamento social supõe pensar no bem da comunidade e é a antessala da participação feminina na política. Precisamos empoderar as mulheres em todas as esferas para que a participação aconteça de forma natural. Precisamos dar mais reconhecimento e espaço para as mulheres, garantindo que toda mulher tenha a possibilidade de espelhar-se nelas, de desejar ser como elas.

Nas eleições de 2018, o número de mulheres eleitas no congresso nacional aumentou em mais de 50%, apesar de representar apenas 16% dos eleitos. Na sua opinião, quais são os motivos desse aumento recente e sua avaliação?

Essa pequena evolução aconteceu pelo engajamento da sociedade civil. A sociedade civil e as medidas de discriminação positiva são a chave para continuar avançando. Eu percebo que a sociedade civil está cada vez mais consciente. Todavia, não devemos esquecer da importância de militar pela participação feminina nas cúpulas dos partidos. Este é um muro que precisamos superar e que a sociedade civil por si mesma não vai conseguir. As medidas de incentivo são fundamentais.

Ainda que é uma evolução lenta, o Brasil tem hoje menos participação feminina do que países como Barein (com 20%), um país árabe, de maioria muçulmana que era uma ditadura islâmica até começo dos anos 2000. Precisamos que as taxas de participação feminina continuem aumentando tanto no nível nacional quanto estadual e municipal. As próximas eleições serão determinantes para poder afirmar-nos se estamos avançando realmente.

Na sua opinião, diante do atual cenário, quais deveriam ser as próximas medidas para aumentar a participação das mulheres na política brasileira?

Pesquisa realizada em 2017 pelo IBOPE em parceria com a ONU MULHERES demonstra que 69% dos brasileiros consideram de extrema importância que se promovam políticas que visem assegurar a igualdade na participação para mulheres e homens tanto nos partidos quanto nos governos. Portanto, a sociedade brasileira é favorável ao aumento da participação das mulheres.

Porém, precisamos melhorar o papel da mulher nas esferas laboral, familiar e social para que o avanço na esfera política continue. As mulheres só vão se candidatar quando estiverem empoderadas nas outras esferas. Para isso, precisamos de políticas abrangentes que considerem cada uma destas esferas, mas a iniciativa privada também deve participar deste exercício, pois não dá para o Estado resolver tudo. Também é essencial incentivar o debate e a conscientização de homens e mulheres.

A versão original dessa matéria foi publicada em 21 de setembro de 2019. Para se inscrever e receber um e-mail nosso todas as quintas-feiras, clique aqui.

--

--