Bernie Sanders e Hillary Clinton num dos momentos do debate organizado pela emissora PBS e transmitido em conjunto pela CNN: agora a briga é para valer. Foto: reprodução de tela

Clinton, Sanders e os ovos quebrados

No primeiro debate Democrata após a vitória do senador em New Hampshire, a ex-secretária de Estado desceu do salto-alto

Ferdinando Casagrande
4 min readFeb 12, 2016

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Os dois candidatos à indicação do Partido Democrata fizeram ontem (11/02) mais um debate. Foi o primeiro depois da inquestionável vitória do senador Bernie Sanders na segunda votação primária desta campanha. Na última segunda, Sanders conquistou 60,8% dos votos democratas em New Hampshire. A ex-secretária de estado Hillary Clinton ficou com 38%.

O resultado de New Hampshire não foi surpresa. As pesquisas mostravam que Sanders teria por volta de 13% de vantagem. Mas parece que o fato de ele ter conquistado margem ainda maior (22,4%) acionou uma luz amarela na campanha de Clinton. Sanders é uma ameaça real e Clinton não pode mais ser considerada a líder da corrida Democrata.

Essas duas constatações juntas, talvez, tenham assassinado o clima de elevação política que vinha marcando os debates. Havia momentos tensos, sim, mas as trocas de farpas confrontavam visões políticas diferentes sobre o futuro. Ontem, Clinton fez ataques, digamos, menos ideológicos.

Ansiosa por se declarar a preferida de Barack Obama — o governo dele conta com altíssima aprovação entre os eleitores democratas —, a ex-secretária de Estado acusou Sanders de não apoiar o presidente por ter recomendado o mais recente livro do jornalista Bill Press, que sustenta a tesde de que Obama foi uma decepção para os progressistas.

– As críticas que o senador Sanders tem feito ao presidente são do tipo que eu só esperaria ouvir de candidatos republicanos — disparou Hillary. — Jamais de alguém disputando a indicação do Partido Democrata.

– Madame secretária, esse foi um golpe baix0 — , respondeu Sanders. — Um de nós já concorreu contra o presidente Barack Obama. E não fui eu.

Ovos quebrados — Os eufemismos também desapareceram quando o omelete entrou nos mexidinhos das doações de campanha e da política externa. Clinton foi questionada pelas apresentadoras sobre os 7 milhões de dólares doados por George Soros ao comitê de arrecadação em favor dela. Tentou fugir da resposta. Preferiu se igualar a Sanders dizendo que os dois somavam a maior quantidade de pequenas doações individuais da história das eleições nos Estados Unidos. Sanders não a deixou cozinhar a ideia:

– A secretária Clinton esqueceu de mencionar que também recebeu 15 milhões de dólares em contribuições de Wall Street — rebateu Sanders.

– Esse dinheiro foi levantado por um comitê de arrecadação que não é meu, eu não tenho nada a ver com isso, ele foi criado por pessoas que decidiram me apoiar — respondeu Clinton. — Eles também apoiaram Obama, o candidato que mais recebeu dinheiro de Wall Street em toda a história. E isso não o impediu de aprovar, após a crise em 2008, a legislação mais dura contra os bancos desde os anos 1930.

– Não vamos insultar a inteligência das pessoas, secretária Clinton. Wall Street faz essas doações por quê? Só por que eles têm muito e acham divertido distribuir dinheiro? Desde 2008, os grandes bancos pagaram 200 bilhões de dólares em multas e advinhem: nenhum executivo foi condenado até hoje pelos crimes financeiros que eles cometeram.

Em outro momento tenso, Sanders acusou Clinton de ouvir conselhos de Henry Kissinger como secretária de Estado. Ela devolveu no mesmo tom:

– No seu caso, senador, nós ainda não sabemos de quem você ouve conselhos, já que até hoje não conseguiu responder a essa pergunta.

– Pelo menos eu não usei meu mandato como senador para votar a favor da Guerra do Iraque, secretária Clinton — , rebateu o senador. Sim, amigos. Hillary apoiou o governo Bush quando ele decidiu atacar o Iraque.

Omelete final — Com todos os ovos quebrados, a impressão final deste analista desatento é de que ambos conseguiram impedir o outro de sair com o melhor omelete do debate.

Clinton salgou a receita de Sander com uma conta segundo a qual o estado teria de crescer 40% para que todas as propostas dele fossem implementadas. Em outras palavras, o chef Sanders estaria iludindo os comensais. Ele não respondeu.

Sanders, por sua vez, fritou a ex-secretária na frigideira das doações com o óleo dos tolos ao fazê-la dizer que aceita o dinheiro que vem, sem perguntar de quem. Dá para acreditar em tanta inocência? E se o dinheiro viesse de narcotraficantes? Ou de terroristas fundamentalistas? Essa resposta me fez lembrar de alguém de que nunca “sabia de nada”…

Tudo leva a crer que o omelete vai ficar mais queimado daqui por diante. O próximo teste real acontece no dia 20 deste mês, na primária de Nevada, onde Clinton venceu Obama no voto popular em 2008 e lidera com folga as pesquisas até aqui. Ela com 50% das intenções de voto, Sanders tem 30.5%.

Com uma quantidade expressiva de eleitores latinos (quase um quinto), afro-americanos e asiáticos, Nevada será um teste decisivo para senador socialista. Ele já provou que vai bem entre os eleitores brancos do Iowa e de New Hampshire, mas precisa conquistar as minorias étnicas se quiser ter chances reais de vencer a indicação Democrata.

Para saber mais — Interessou-se pelo livro de Bill Press? O título é Buyer’s Remorse: How Obama Let Progressives Down (Threshold Edition, 2016, 320 páginas, disponível apenas em inglês; USD 18,39 [impressO) e USD 12,99 [digital]).

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Ferdinando Casagrande

Jornalista e escritor, autor de "Jornal da Tarde", vencedor do Prêmio Livro-Reportagem Amazon 2019