Rose Kelly: a mensageira de Hórus

Inês Barreto
Espaço livre do oculto
3 min readApr 28, 2019

A lenda conta que Rose encontrou, em transe, uma estela no Museu do Cairo, e apontou exatamente para Hórus, o deus que Crowley esperava que ela reconhecesse, mesmo ela não sabendo que divindade era essa. A jovem viúva, agora recém-casada com o mago mais importante do século XX, tinha uma tarefa difícil em na primavera de 1904: provar para o seu novo marido que ela estava recebendo mensagens dos deuses e que sua ida ao Egito não havia sido em vão.

Isso começou quando o próprio Crowley, para impressionar sua nova esposa, resolveu fazer um ritual para os silfos, os ditos seres que habitam o ar. Era esperado que Rose visse os tais seres, mas na verdade ela entrou em um estado alterado de consciência e passou a Aleyster uma mensagem: a de que alguém estava esperando por ele.

Nos meses que seguiram a isso, Rose fez o que Crowley não era capaz de fazer sozinho. Ela canalizara supostas divindades, fizera revelações e quase enloquecera quando o mago a trancou em uma pirâmide, numa época em que ainda era possível alugar um dos túmulos por uma considerável quantia. Depois de ficarem três dias fechados em um quarto, enquanto Rose declamava o que ouvia de uma entidade egípcia identificada como Aiwass, Crowley saiu com o Liber AL vel Legis, também conhecido como O Livro da Lei, as famosas máximas que compõem a base da sua filosofia mágica e que tem a sua sentença mais famosa: “faze o que tu queres, há de ser o todo da lei”.

Depois da Lua de Mel no Egito que geraria esses primeiros textos, o relacionamento de Rose e Aleyster não seria o mesmo. O casamento foi breve, durando apenas 5 anos. Nesse período, eles tiveram duas filhas. A mais velha, Nuit Ma Ahathoor Hecate Sappho Jezebel Lilith, morreu com dois anos, o que fez Crowley culpar Rose e abandoná-la junto com a mais nova, Lola Zaza, que nasceu no mesmo ano da morte da irmã, em 1906.

Depois de adulta, Zaza cortou completamente a relação com o pai. Crowley abandonou a sua família durante uma viagem à China e Rose, que já tinha problemas psicológicos, não se recuperou facilmente dessa perda. Em 1911, ela foi enviada para um manicômio, para tratar seu alcoolismo e o que hoje provavelmente chamaríamos de depressão. Crowley foi um dos responsáveis por sua internação, mas não manteve mais contato com a sua primeira sacerdotisa. Rose casou-se novamente em 1912, e ficou viúva de novo em 1925.

Rose não foi a única mulher que Crowley quebrou, mas foi a primeira que temos notícia — e mesmo assim, muito pouco. Não sabemos detalhes da sua vida, talvez apenas pelas biografias do ex-marido, e pouco se fala dela depois da separação. É uma personagem do ocultismo contemporâneo completamente eclipsada pela figura masculina ao seu lado, mesmo tendo um papel fundamental para a sua ascensão. Os seguidores mais ferrenhos de Crowley não consideram Rose uma thelemita, nem uma ocultista. Eles nem a consideram a Mulher Escarlate, que Aleyster dizia ser a sua segunda esposa. Mas seu papel é fundamental na construção das filosofias que ele desenvolveria até sua morte, em 1947.

Quando Crowley faleceu, a própria Rose já havia sido enterrada há 15 anos. Ele morreu com 72 anos. Ela, com 58.

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Inês Barreto
Espaço livre do oculto

Redatora e historiadora. Pesquisadora de feitiçarias e macumbas. Mestre e doutoranda em História pela @puc_sp