Do sal ao Drex: como a história do dinheiro se reflete na forma como transacionamos hoje

Gabriel Rodrigues
Elo — Tecnologia e Inovação
6 min readOct 17, 2023

Você sabe o que o couro, o sal grosso, as penas e as conchas têm em comum? Todos esses itens, em algum momento da história, já foram utilizados como moeda.

Tudo começou há milhares de anos, quando o ser humano ainda era extremamente dependente da caça para sobreviver. A vida se baseava estritamente em conseguir dia após dia encontrar animais que pudessem servir de alimento. Isso acabava forçando as pessoas a se deslocarem com maior frequência e, com isso, elas ficavam ainda mais expostas aos riscos da vida selvagem.

Tal fator fez com que nossos antepassados passassem a buscar outras alternativas além da caça diária para se alimentar. Com isso, eles acabaram descobrindo que era possível produzir seus próprios alimentos sem ter que se deslocarem em direção ao desconhecido. E assim nascia a cultura do cultivo (ou, agricultura), que foi cada vez mais se aprimorando e ganhando seu valor.

Tanto valor que os grãos passaram a serem vistos como itens extremamente importantes para a sobrevivência humana. Quem tinha grãos tinha o poder do plantio e, consequentemente, tinha alimentos de forma garantida. Grãos de diferentes variedades começaram não só a serem produzidos mas também trocados entre os grupos. E foi assim que os grãos se tornaram uma das primeiras moedas de troca da humanidade.

Não demorou muito para que as pessoas começassem a carregar com elas sacos e mais sacos de grãos para que pudessem trocá-los também por outros itens como carnes, frutos e raízes. O problema é que carregar esses sacos de grãos para cima e para baixo começou a se tornar um fardo para quem precisava fazer algum tipo de transação. Até que um rei da Babilônia enxergou nesse processo uma grande oportunidade.

Figura 1 — Silos criados pelos reis para o armazenamento de grãos que eram utilizados como moedas de troca. Os primeiros “bancos” da história (Fonte: thewestsidegazette.com)

Ele criou vários silos de armazenamento denominados “bancos”, e permitiu que as pessoas guardassem seus grãos ali por um certo tempo pagando um determinado valor. Toda vez que alguém depositava algo ali, essa pessoa recebia um tablete de argila que continha uma gravura informando a quantidade de grãos que aquele indivíduo possuía armazenado nos silos do rei. Esse tablete de argila foi a primeira cédula inventada pelo homem que servia como moeda corrente.

Figura 2 — Tablete de argila que representava a quantidade de grãos que estavam sob a propriedade de uma determinada pessoa. A primeira cédula da humanidade (Fonte: PHAS/Getty Images)

Porém, um novo problema surgiu a partir da criação dos silos: o lastro. Os grãos, por serem itens perecíveis, quando armazenados por muito tempo começavam a apodrecer, fazendo que os tabletes que os representavam perdessem seu valor. A alternativa encontrada foi migrar dos grãos para o sal. Por ser utilizado para a preservação de carnes, ele já tinha um grande valor para a sociedade. Além disso, não apodrecia e também era fácil de ser transportado. A mudança deu tão certo que até hoje ela ainda está presente no nosso vocabulário do dia a dia através da palavra “salário”, que surgiu na época do antigo Império Romano.

Apesar de ainda ter seu valor, o sal foi se tornando um item cada vez mais comum e foi perdendo seu espaço de moeda de troca para outros itens considerados mais valiosos para o homem naquela ocasião. O primeiro deles foi o cobre. A humanidade descobriu que ele poderia ser a matéria-prima de armas bem mais eficientes do que as construídas com pedra e marfim. Ou seja, quem tinha cobre tinha as melhores armas e, portanto, mais poder sobre a sociedade. Além disso, o cobre era ainda mais durável que o sal, o que o tornava uma excelente nova moeda de troca.

O mesmo movimento aconteceu com outros metais como a prata e o ouro. Estava tudo funcionando relativamente bem até que um grande problema começou a dificultar as relações comerciais entre quem transacionava esse tipo de metal: a desconfiança. Como um comerciante iria saber se não estava recebendo ouro misturado com outros metais menos valiosos, por exemplo? Ou como um comprador saberia que a balança utilizada por um vendedor não estava adulterada?

Para resolver essa questão, o governo da Lídia (cidade-estado localizada na atual Turquia) passou a fundir metais preciosos na forma de pepitas com peso e grau de pureza pré-determinados e, além disso, com uma gravura em cada uma delas garantindo sua autenticidade. Nasciam as primeiras moedas da história.

Figura 3 — Moeda de electrum (liga de ouro e prata) cunhada na Lídia nos anos 600 a.C.. Primeira moeda da história no formato que conhecemos hoje (Fonte: DEA/Getty Images)

A ideia era brilhante (literalmente) só que em algum momento as minas de metais que davam origem a essas moedas iriam se esgotar. Com menos dinheiro circulando e com o governo sem ter como emitir novas moedas, a solução seria saquear uma cidade vizinha iniciando uma possível guerra ou aceitar o caos econômico. Entretanto, os gregos tiveram uma grande sacada para sanar esse problema.

Naquela época, Atenas era dividida entre quem plantava grãos e quem produzia azeite e vinho. Porém, o solo da região não era tão bom assim para a produção de grãos. Isso fazia com que a oferta na maioria das vezes fosse escassa e ocasionava uma alta nos preços. Logo, os produtores de azeite e vinho começaram a buscar outras formas de comprar grãos a um preço mais acessível fora de Atenas.

Sem ter para quem vender, os produtores de grãos começaram a ter problemas financeiros e, inclusive, a pedir empréstimos para os próprios produtos de azeite e vinho, que estavam ficando cada vez mais ricos. A desigualdade social entre as duas classes começou a ficar cada vez mais evidente, chegando a um ponto em que os nobres que administravam a cidade começaram a temer uma revolução dos produtores de grãos.

Foi aí que um aristocrata chamado Sólon que detinha o poder sobre a cidade, teve a ideia de começar a emitir moedas que não eram necessariamente puras mas que tinham a chancela do Estado. Ou seja, Sólon acreditava que o que fazia a moeda ter valor não era o material do qual ela era feita mas sim a confiança das pessoas na autenticidade daquela moeda atestada pelo governo. E deu certo, a economia em Atenas acabou se estabilizando e a partir daí várias outras cidades começaram a fazer o mesmo.

Esse é o conceito chave que proporcionou não só a criação da moeda mas também das notas, dos cartões e das transações que realizamos através dos nossos smartphones. É essa mesma relação de confiança que fez com que o Bitcoin surgisse em 2009, porém com a substituição de uma autarquia por uma tecnologia chamada blockchain.

De lá para cá, esse universo não parou de se expandir. Surgiram milhares de moedas emitidas em redes de registro distribuído. Algumas, inclusive, lastreadas em moedas fiduciárias, conhecidas como stablecoins. Tal movimento fomentou a criação de novos modelos de negócio baseados em serviços financeiros descentralizados (DeFi, Decentralized Finance), ou seja, serviços como empréstimos, câmbio, seguro, entre outros, que não precisam necessariamente de um intermediário para serem oferecidos.

Figura 4 — Países que estão explorando o tema CBDC (Fonte: CBDC Tracker)

O tema despertou o interesse de mais de 90% dos bancos centrais ao redor do mundo e fez com que o termo CBDC (Central Bank Digital Currency, moeda digital emitida por um Banco Central) ganhasse cada vez mais destaque na pauta de inovação das autarquias. E o Brasil é um dos países mais avançados no assunto.

Aqui o objetivo principal da CBDC brasileira, denominada Drex, é “democratizar o acesso aos benefícios da economia digital, trazendo mais eficiências e segurança para as transações financeiras”, segundo o próprio Bacen. A expectativa é que o uso de uma tecnologia de rede de registro distribuído como a blockchain possa modernizar ainda mais o sistema econômico brasileiro.

Para o projeto piloto, o Bacen escolheu uma tecnologia compatível com a maioria dos produtos e serviços desenvolvidos em uma rede aberta, como a Ethereum, indicando que futuramente poderemos ter um sistema regulado interoperável com o ecossistema descentralizado. Partindo da premissa grega de que parte da sustentação da economia de uma sociedade vem da confiança que ela tem nas entidades que a administram, podemos concluir que o Drex é um grande passo rumo a um sistema ainda mais integrado, robusto e acessível.

A Elo é uma das instituições que está fazendo parte da construção dessa história através de iniciativas como o Piloto Drex, o LIFT (Laboratório de Inovação do Banco Central) e do seu próprio programa de aceleração, o Elo Conecta, que fomenta o negócio de startups que também acreditam no potencial da economia tokenizada. Estamos extremamente empolgados em poder facilitar a vida financeira de milhares de brasileiros e brasileiras. Vamos juntos nessa?

(Fonte: Crash, uma breve história da economia — Alexandre Versignassi)

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