Foi a Berenice que disse

Wallace Leray
Em cada canto
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5 min readSep 21, 2017

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A vida pode ser muito mais bonita do que se imagina. Pode ser uma simples plantinha crescendo no mato ou um sorriso bobo de saudade. Basta apenas escolher qual beleza se quer ver ou, até mesmo, ser.

Eram 8:39 da manhã. O tempo, um pouco sereno, via o sol aberto, assim como as flores de Berenice, que tinha acabado de chegar ali na Rua Rubem Souto de Araújo, no bairro do Vila São José, onde vende suas plantinhas há mais de 16 anos.

- “Quando eu comecei aqui, isso tudo ainda era barro”, conta Berenice enquanto aponta para as construções ao redor.

Berenice Cristalina de Souza Barbosa tem 75 anos de muita saúde e determinação. Ela mora em uma chácara no extremo do sul da capital, na região do Barragem, mas às quartas-feiras e aos sábados passa o dia na calçada na Vila São José, onde estende sua lona preta, presa ao chão por algumas pedras. E é ali que Berenice expõe as plantas que colhe às segundas-feiras do mato de sua casa.

Tudo começou quando ela ainda vendia verduras nesse mesmo local. Mas, o tempo passou e algumas coisas mudaram. Os filhos cresceram, o marido faleceu e o orçamento da casa apertou. A saída para isso ela encontrou no quintal de sua própria casa. Enquanto andava pela chácara, começou a olhar as plantas que ali estavam e teve a ideia de cultivar e vendê-las.

- Eu sou uma pessoa que não gosta de pedir nem uma colher de sal pra ninguém, então eu tinha que fazer alguma coisa pra por comida dentro de casa.

Dona Berenice atendendo uma de suas clientes.

Dona Maria, como também é chamada, e nem ela sabe o porquê, chegou em São Paulo em 7 de setembro de 1960. Ela conta que saiu do Alagoas, foi pra Brasília, e de lá veio com uma família, pra quem trabalhava como empregada doméstica, pra viver na capital paulista. Trabalhou por mais de oito anos em um lar no bairro da Casa Verde. Casou pela primeira vez, aos 55 anos, com um português que lhe rendeu dois filhos.

- Meus filhos foram morar pra lá de Sorocaba. Queriam me levar, mas eu falei que não, porque eu gosto de sítio, não gosto de cidade.

Aos 59 anos ficou viúva. Pouco tempo depois se casou de novo, dessa vez com um mineiro. O tal do grande amor de sua vida, o senhor Paulo Saulo Barbosa.

O local onde ela vive hoje pertencia a um outro homem, ex-chefe de Paulo. Ele dizia que se não conseguisse vender o terreno, eles poderiam viver lá até a morte. Cumprindo o destino praticamente selado em sua vida, Paulo Saulo, o amor mineiro de Berenice veio a falecer em abril do ano passado.

- “Ele morreu com 99 anos, sem nenhuma doença, faltando quatro meses pra completar 100. Agora eu falo: “chega de casar, né?”, riu um pouco envergonhada.

Hoje aposentada, recebe um salário mínimo pra sustentar apenas ela e os bichos. Tem dois cachorros, o Negão e o Atrevido que ganhou nome porque desde pequeno só gosta de brincar. Tem a Cantora, a galinha obediente que só basta escutar a voz de Berenice e vem correndo pra vê-la. E por último a família de gatos, o Pirulito, o Pinguinho e a Xandinha, mãe dos outros dois.

- Eu vou te falar a verdade… eu venho pra cá mesmo mais pra me distrair, como eu to falando com você. Vem outra pessoa, eu converso, vem outra e outra e assim vai. Eu me divirto assim.

Cada planta custa quatro reais, independente de qual, porque segundo ela o trabalho de colher é o mesmo para todas.

Além das plantas, Dona Maria também vende ovos caipiras. Ela coloca em um pote de sorvete, enrolado em algumas sacolas. Durante a conversa, ela explica que não gosta de matar os seus bichos e que também não gosta de ovo, então por isso ela vende. Vende barato, inclusive, quatro reais a dúzia. Ovos bem graúdos, aqueles marronzinhos.

- Galinha caipira eu não como nem… Eu compro meu frango, meu peixe. Tá de bom tamanho pra mim.

Dona Berenice tirando os ovos caipiras do pote pra entregar para uma de suas clientes.

A alagoana não apenas conquistou clientes mas também fez vários amigos. Todo mundo que passa dá um “oi” pra ela. É uma verdadeira miss simpatia. E quando não falam, ela faz questão chamar atenção: “ei, não vai falar comigo, não?”.

- Tem uma senhora que mora um pouco ali pra frente (apontando para o outro lado da rua). Ela me manda café, me manda comida, é uma amiga que fiz por causa daqui.

Mesmo depois de tanto tempo mexendo com plantas, Berenice nunca pensou em expandir o seu negócio.

- Isso aqui pra mim já é uma grande coisa.

Nos dias que não vai até a calçada vender as plantinhas, é porque foi à igreja. E quando o sol aparece, gosta de ir pescar na beira do rio.

Uma das plantinhas de Berenice.

Apesar da idade, escuta tudo sempre muito atenta ao que acontece ao seu redor. Vira e mexe dá uma espiada pra saber o que está acontecendo.

- “Olha lá, vem outra bem ali”, Referindo-se a sua cliente e amiga, Maria Célia.

As duas conversavam, riam, pareciam amigas de infância. A troca de energias entre as duas era algo tão positiva que qualquer um que passasse por ali poderia perceber.

No meio da conversa, Maria Célia lembra da vez que foi na casa de Berenice, dizendo que o lugar era bonito e tinha varias cachoeiras.

Ao falar sobre medo, Berenice resgata na sua caixa de memórias o dia em que foi na “Cachoeira das Macumbas” pra pegar plantas com seu vizinho “que não bate muito bem na cabeça”. Ela conta que de repente a polícia chegou e perguntou o que ela fazia ali. Muito breve, ela respondeu.

- Tô só pegando umas plantinhas pro meu trabalho.

“E as pernas da senhora não tremeram?”, pergunta Maria Célia.

Berenice responde séria como nunca antes, desde o começo da conversa.

- “Eu? Tremendo? Eu não tenho medo de ninguém, eu não devo nada a ninguém, muito menos pra polícia.”

As mãos calejadas e sujas de barro de Berenice são a marca registrada de muito trabalho. A toca e o avental compõe harmonicamente o estilo que só combina com ela. O sorriso a cai muito bem mas aquele olhar 75 é o que faz com que cada um que passe por ela fique encantado por sua simplicidade.

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