“Só me caso com um rapaz que me levar para a maior cidade do Brasil”, disse Alayde, que viveu mais de 50 anos em São Paulo

Larissa Darc
Em cada canto
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3 min readNov 23, 2017

“Na fazenda onde eu morava era muito triste durante a noite”, falou enquanto olhava para a janela. A vista era uma parede de concreto, pintada na cor de céu de fim de tarde. “De dia era tudo bonito. Tinha sol, tinha chuva, tinha tudo. A gente brincava na chuva e nadava no rio”.

Tobias Barreto, o município sergipano na qual Alayde viveu durante 18 anos, é conhecido como a capital dos bordados. Contudo, o que sustentava a jovem era a plantação de cacau de sua família. “Eu nasci na Bahia, lá no município de Ilhéus. Aos 7 anos fui para o Sergipe e lá vivi até os 25”, conta a senhora com olhos distantes. Ela se lembra perfeitamente de que quando “passava das 6 da tarde e dava uma tristeza”. “ A coruja cantava, as cobras rastejavam na mata e eu aguardava até o último canto do galo, anunciando o começo da manhã”, se lembra.

(Sergipe em 1935)

A cidade era muito pequena para um coração tão grande. Nem mesmo o sobrinho do prefeito, rapaz mais desejado da região, seria capaz de tirar dela a vontade de alcançar lugares maiores. Sonhava acordada com prédios, carros e ferrovias. “Um dia, eu vou embora daqui. Não me caso com fazendeiro não. Só me caso com um rapaz que me levar para a maior cidade do Brasil. Eu quero ir pra São Paulo”, repetia em seu pensamento enquanto botava a cabeça no travesseiro. “Filha minha só vai para São Paulo se o marido for”, dizia seu pai, descrente que a moça de 25 anos, passada do tempo, fosse arranjar um homem que lhe resgatasse.

Até que em uma visita de um primo distante tudo mudou. “Casamos 15 dias depois e eu vim embora para São Paulo. Desde de que vi aquele moço logo pensei: o meu passaporte chegou”. Fez as malas e subiu em um avião. Deixou pra trás a vida na roça e passou a capinar o caminho na selva de concreto.

Ao lado de Athaides deu luz a 6 filhos. A cada nova criança as dificuldades aumentavam. A casa era apertada, com apenas dois cômodos e um banheiro para acomodar as 8 pessoas. “Eu tinha muita adoração por ele por ter me trazido até aqui. Eu voltava para o nordeste a cada 5 ou 10 anos, para visitar, mas essa se tornou a minha cidade”, conta apesar das dificuldades que viveu.

Foram 50 anos de casamento. Nas bodas de ouro entrelaçaram a champanhe no alto da casa construída pelos seus filhos. Os cabelos brancos, como o vestido, contavam histórias que não caberiam em livros. Gentilmente, beijaram-se agradecidos pela trajetória, como se soubessem que a parceria estava chegando ao fim.

A doença maldita, que atingira seu segundo filho, fez casa em seu marido há alguns anos. “O câncer levou o meu velho”, conta ressentida. “E o susto levou meu coração”, confessou de cabeça baixa, falando sobre seu marca-passo que fora colocado na semana em que Athaides partiu. Ela acredita que não tem mais sentimentos e que os ferros em seu corpo fizeram dela um boneco de lata.

“Mas eu não me arrependo não. Essa é a cidade onde nasceram os meus filhos, estudaram os meus netos e correm os meus dois bisnetos”, narra emocionada, “era meu destino sair do sertão”.

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