Consciência

Gabriel Mourão
Em Português
Published in
2 min readNov 23, 2014

Outro dia, vi, uns dois quarteirões pra frente de onde eu vinha, as luzes de uma viatura. O primeiro relance que tive foi esse, as luzes vermelhas piscando, o carro parado com as portas abertas, as figuras vagas de algumas pessoas em pé na calçada. Estava garoando, acho, água escorrendo do capacete nos meus olhos, e escuro na ponte que cruza a Bandeirantes, uma visão absolutamente difusa mas consegui entender mais ou menos do que se tratava, que se tratava de um enquadro.

Enquanto pedalava esses dois quarteirões, antes de chegar perto o bastante para conseguir enxergar o que exatamente se passava, fiquei tentando imaginar a cena: quantas pessoas eram, qual a acusação, se os policiais só questionavam qualquer coisa ou se era um flagrante, se alguém estava algemado, se a abordagem era mais ou menos violenta, e eu não tinha como saber nenhuma dessas coisas, ali, naquele átimo. Não sabia a idade de ninguém, nem como as pessoas estavam vestidas, nem se elas estavam aterrorizadas ou calmas ou se aquilo para elas era rotina, não sabia se alguma daquelas pessoas tinha problemas em casa, provavelmente, mas não sabia, não sabia pra que time torciam, se rezavam e para quem, se sabiam ler as horas em um relógio analógico, se já tinham ouvido falar em Ricardo Darín, em quem tinham votado, se lembravam em quem tinham votado, se reciclavam lixo, se gostavam de Hora de Aventura. Eu não sabia quase, quase nada, dali, da distância, naquela fração de segundos que separa o momento em que se percebe algo do mundo a duas quadras e o momento em que seu cérebro formula perguntas a partir disso.

Mas eu sabia a cor da pele das pessoas levando o enquadro.

--

--