Times square/leonardo pereira

NY > SP, infelizmente

Leonardo Pereira
Uma Pera
7 min readJun 29, 2013

--

Tomei algumas precauções pra conseguir escrever este texto com certa imparcialidade. Em primeiro lugar, esperei quase um mês após minha volta pra pensar nele, assim não seria contaminado pela empolgação; em segundo, descontei duas coisas que eu amo incondicionalmente: o frio e a capital paulista.

Dito isso, dá pra começar assim: São Paulo é uma piada de mau gosto.

Eu sei o que vocês estão pensando porque eu pensava exatamente assim antes de sair do país. Aliás, antes de deixar minha cidade pra valer pela primeira vez (quando fui a Brasília). O lance é que não dá pra sair de onde se vive sem comparar nada, seria a mesma coisa que queimar a língua antes de comer algo diferente só pra não sentir gosto de coisa nova. Portanto, sim, vou falar mal de onde vim, mas só porque o lugar pra onde fui parece ser melhor, em algumas coisas.

Cheguei a Nova York na noite de 23 de dezembro de 2012 e, mesmo com um inglês analfabético, consegui achar meu rumo do aeroporto até a ilha de Manhattan, onde passaria os próximos dias. Dentro de uma van com gente de vários países tive as primeiras boas e más impressões: que conste como positivo o fato de que durante o caminho todo não vi sequer um buraco no asfalto; que conste como negativo que o motorista era um babaca que jogava lixo na rua e quase bateu várias vezes com a gente dentro, correndo como um louco.

Let’s andar

O trânsito em NY é pior que o de SP e, por algum motivo curioso, as buzinas e sirenes são bem mais altas que as daqui. Lá todo motorista desrespeita o aviso de “não feche o cruzamento” e as pessoas dirigem sempre com pressa – tanto que na volta ao Brasil eu fiquei assim por um tempo. Em contrapartida, não vi nenhum incidente com pedestres; até eu fiquei folgado depois de um tempo, porque não importa a velocidade dos seus pés ao atravessar uma rua, o fulano dentro do carro espera numa boa.

Andar pela cidade, aliás, é algo que se faz decentemente, não fingindo estar em uma corrida de obstáculos. A experiência turística fez brotar uma questão seríssima no meu cérebro: afinal, pra quem SP é feita? Porque NY é claramente feita para as pessoas, sejam elas moradoras ou não. As calçadas são largas e planas, dá pra andar com gosto nelas – coisa impossível de se fazer por aqui. Obviamente não vou entrar na questão geográfica, mas como ignorar que é fácil caminhar por lá? Eu moro num morro, se quiser ir andando daqui até o Habib’s mais próximo – o equivalente a três quadras nova-iorquinas – eu canso de tanto desvio e sobe-desce.

Sentar é possível, ao menos no calor

Outra coisa irritante de NY é que há muitos parques espalhados pela cidade. Perto de onde me hospedei, inclusive, havia vários e um deles, o Theodore Roosevelt Park, tem um espaço cercado só para cachorros, onde você pode soltar os seus para que eles brinquem com os dos vizinhos. Não sabia se minha cidade tropical tinha isso, mas Lais Mendonça (minha companheira de escrita) disse que sim. Claro que alguns cidadãos de lá são tão porcos quanto alguns (poucos) daqui e, na boa, não queiram saber o que acontece quando se mistura bosta canina com neve.

Subway x metrô

Tem a questão do transporte público – não vou falar dos ônibus, pois não peguei nenhum, só os vi pra lá e pra cá e, como fiquei no bonito de NY, nem sei se todos são moderninhos como aqueles. Mas e o metrô? É velho, sujo, em alguns momentos, perigoso… mas funciona. O tempo todo.

Lá é assim: a cada esquina você encontra uma estação, que não passa de um buraco a ser acessado por uma escadinha escondida na superfície. Nas estações não passa apenas um linha, mas várias, que compartilham os mesmos trilhos; e há linhas locais (que param em todas as estações) e expressas (que só param em estações importantes). Isso tudo pode parecer confuso e eu descobri do jeito mais difícil que pegar a expressa erroneamente pode te levar ao Bronx, a periferia, sem querer, mas um amigo me disse algo que é verdade: você só se perde uma vez, depois passa a entender a coisa toda.

Metrô everywhere

Nossas estações são modernas e bonitas, e os piores trens da Linha 2-Vermelha são bem superiores aos melhores que percorrem o Financial District, aquele que foi redecorado pelo bin Laden. Em contrapartida, o metrô de NY funciona 24 horas por dia e te deixa nos principais lugares, enquanto o nosso fecha por algumas horas à noite e não atende nem metade da metade da cidade.

De quê adianta a Linha 4-Amarela ser toda equipadinha se ela fica abarrotada de gente todos os dias? Ar-condicionado, condução automatizada, aquela voz robótica que fala o lado certo na hora de descer não amenizam o fato de que você está espremido sem respeito algum pelo governo, que recebe uma fortuna pra fazer aquilo funcionar. Aliás, lá eu paguei US$ 29 pra ter a versão nova-iorquina do bilhete único amigão que o Haddad prometeu pra 2014; com ele andei livremente por sete dias, indo a qualquer lugar. Sete dias por R$ 30 seria fantástico aqui em SP.

Choque

Cheguei ao Brasil numa quarta-feira e, na sexta, fui visitar uma amiga que mora na República. Cara, foi um choque. A área central de SP, a que carrega nossa essência histórica, que liga todas as regiões, é suja, escura, perigosa e fede. Desde pequeno eu adoro andar por locais como a 25 de Março e a Ladeira Porto Geral, hoje não saio da Augusta ou da Praça Roosevelt, mas aquele lugar todo é horrível. Entendam, as calçadas são ruins, a iluminação é ruim, o policiamento é ruim, acho que só o transporte é bom.

EUA de verde e amarelo

Se considerarmos Manhattan o equivalente ao Centro Expandido de SP eu já poderia dizer que tudo lá é melhor que aqui, então, se considerarmos o entorno da Times Square o equivalente ao Centro, é fácil entender que aquilo é o oposto do que conhecemos: claro, policiado, eficiente – e com metrô ininterrupto.

Eu me odiei por perceber que Nova York é tão superior à cidade que sempre me orgulhei de defender. Fui comparado a separatistas de tanto que enchi a boca pra falar de São Paulo e agora percebo que ela não foi feita pra mim, nem pra vocês. Pra quem foi, então? Os carros não andam, as pessoas não têm estímulo pra usar o espaço público, o transporte coletivo é ruim, as bicicletas são vistas como inimigas… ficou tão difícil reencontrar as qualidades que eu via aqui.

Na noite da virada do ano eu entrei num restaurante japonês e conversei com uns policiais, que lá pedem licença e se desculpam como pessoas normais, não exigem que os cidadãos os chamem de “senhor” e nem ficam intimidando quem escolhem para averiguações – eu vi vários carros serem parados por policiais enquanto estive em NY e cheguei a tentar entender o procedimento, quando fiquei idiota ao perceber a quantidade de “por favores” que saía da boca do coxinha. A começar pelo “please, pull over”.

O nosso é melhor

Eu poderia falar dos valores e comparar lojas como H&M a uma C&A, ou um hot dog de US$ 1 a um cachorro quente de R$ 5, ou uma entrada gratuita de sexta-feira no MoMA à entrada gratuita de terça-feira no MASP. São coisas sutis que fazem diferença, mas que no fim das contas são mais culturais do que estruturais – assim como o lance dos policiais. Me disseram que se eu fiquei maluco com a cidade menos americana dos Estados Unidos, vou entrar em depressão, dependendo do lugar europeu que resolver visitar.

Para um pessimista, o que eu vi é chocantemente desanimador: SP está atrasadíssimo, se levado em conta seu tamanho e importância no mundo. Para um otimista, fica a vontade de ajudar a transformar isso aqui num lugar honesto com seu povo. Eu amo São Paulo – já escrevi um texto no Humilde falando bem daqui - e não quero ver minha cidade transformada em Nova York. Só queria que fosse tão fácil viver aqui quanto parece ser lá.

--

--