Carta para o “meu” você
Que coisa estranha. Dei para sentir saudades.
Saudades de nós.
De um “nós” do qual eu nem me lembrava mais.
Será que um dia chegamos a perceber que este “nós” existiu?
Nos deixamos contaminar por lembranças tão duras.
A memória de quem fomos ficou jogada em um canto escuro, onde ficam apenas dores pouco humanas.
Quero te tirar de lá. Quero colocá-lo em uma estante branca em que bata um solzinho de tarde morna.
Quero te dar espaço ao lado dos meus melhores livros. Quero te ver quando olhar para os meus porta-retratos e suas lembranças tão doces.
Quero te ouvir como música de fundo escolhida a dedo para compôr um fim de semana caseiro. Quero remover ruídos, gritos, poeira e toda a névoa que hoje envolve a beleza de quem um dia fomos.
Trago em uma mala algumas bonitas imagens: uma sala colorida, confortável, vestida de sonhos e de futuro. Uma caixa de presentes cheia de palavras de aconchego. Um CD com sons familiares.
É assim que me sinto hoje. Como quem fecha os olhos ao ouvir uma música que toca baixinho e fica tentando reconhecer a melodia. Aperto os olhos, como se isto fosse trazer o som para mais perto. Aos poucos vou percebendo… uma nota, outra nota, outra nota. E eu que já nem me lembrava mais da nossa canção…
Quero tudo isso pois há algo aí que preciso encontrar. Entre estas cores, estas imagens e estes sons, há algo de mim, há a minha parte deste “nós”. Talvez esteja em alguma gaveta, daquelas que a gente sempre deixa para organizar depois.
Ou talvez tenha se transformado. Em pó, ou em recordação de viagem.