O que resta?

Maria Izabel Guimarães
. em espiral
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2 min readMar 30, 2018
Escultura “David i Goliat” de Antoni Llena. Parc de les Cascades, Barcelona. Foto: Autora.

Dancei ao som daquela música.

Dancei descompassada, tentei acompanhar o ritmo, tentei entender os passos.

Eu disse que não queria, disse que não me sentia bem naquele salão, mas fui convidada a entrar.

Fui convidada a sentar em uma mesa com cadeiras desconfortáveis, fui convidada a compartilhar daquele jantar insosso.

Tentei gostar, acho até que cheguei a sentir algum prazer.

Comprei roupas, pintei o rosto, me cobri com uma fantasia que agradou a muitos.

Faço uma confissão: agradou até a mim mesma.

Sentia-me anestesiada. Como é sentir-se anestesiada? Ainda é sentir?

Naquele dia, quando saí daquela festa, algo me incomodava. O sapato apertava meu pé, a maquiagem me dava sensação de sufocamento.

Cheguei em casa, joguei os sapatos pela janela, lavei o rosto, rasguei a roupa e dormi.

Quando acordei, nada me restava. A mim, que dancei descompassada, que engoli a comida azeda, que bebi daquela bebida amarga, nada restou.

Nem um telefonema. Nenhuma atenção. Nenhum vínculo.

Aquelas pessoas, aquelas que me convidaram e que tanto insistiram para que eu participasse, elas eram reais?

Desfizeram-se e sumiram.

Que ironia. Imaginar que aquela fora, por certos momentos, a única realidade.

Agora me busco entre roupas antigas, entre canções que eu nem lembrava mais que gostava. Encontro entre anotações de anos atrás algo que me lembra de mim mesma.

Será que já está tarde?

Quanto tempo faz?

Sinto saudades. Como é bom sentir, sentir de verdade, de novo.

(Novembro, 2014)

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Maria Izabel Guimarães
. em espiral

Jornalista, leitora, aprendiz de dançarina e apaixonada por aprender.