Maria Izabel Guimarães
. em espiral
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2 min readMar 27, 2020

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Quem seremos depois da pandemia

Imagem: Capa New Yorker 9Mar2020

Com o tempo, substituí o hábito, ou a tentativa, de ver o lado positivo de tudo pela insistência em tentar entender o significado de cada coisa. Tenho 39 anos, uma vida que ia bem, mas não maravilhosamente bem e, de repente, eis que me encontro aqui no meio de um grande acontecimento. “O” acontecimento. Mas o vivo aqui, dentro de quatro paredes, bem protegida, bem abastecida, com meus livros, meus discos (leia-se Spotify), minhas séries e minha aula de Yoga online.

E daí fico pensando no significado disso para quem está lá fora. Entregando o MEU, o SEU alimento, trabalhando nos supermercados, limpando as ruas, dirigindo os ônibus. E penso se existe um significado comum, que une estas duas pontas, estes dois universos tão injustamente distantes.

Quero acreditar que sim. Na verdade, acredito que sim. Que o vírus trouxe a oportunidade de transformação que precisávamos, e pedíamos sem saber que estávamos pedindo. Aquele grito expressado em selfies, em lives, em uma vida que transborda felicidade quando só sabe ser insignificante, no sentido de sem significado.

Há tantas leituras possíveis que eu acho que o passatempo da quarentena deveria ser este. Olhar para o significado por trás disso. De uma mal que veio do oriente para o ocidente. Um ocidente aparentemente tão forte, historicamente tão rico, mas que não soube admitir sua fragilidade em tempo oportuno.

Um mal que acomete a todos indistintamente. O pobre, o rico, o adulto, a criança, o profissional em home office e a pessoa em situação de rua.

Um vírus que expõe a injustiça de uma sociedade que tem diferenças gritantes. Que injustamente impõe riscos muito maiores às camadas com menos acesso a infraestrutura, com menos dinheiro para se dar ao luxo de “dar um tempo” e se isolar.

Um vírus que causa pânico no sistema financeiro, pânico nas empresas que se dividem entre manter a saúde de seus funcionários ou pensar na manutenção dos lucros. Um vírus que OBRIGA as empresas a fazerem muito do que muitas vezes não quiseram. Olhar para as pessoas. Um mal que joga goela abaixo a verdade que há séculos desistimos de ver. É TUDO sobre as pessoas.

Um mal que expõe o vazio de um sistema político que prioriza a economia, esquecendo que a economia é feita de gente. De gente que precisa estar viva e saudável para produzir e comprar.

O coronavírus está obrigando indústrias inteiras a reverem seus fins. Sabe aquela conversa sobre propósito? Aquele papo que ficava lindo no relatório anual? Agora é a hora. Agora é prá valer. É se transformar para continuar existindo.

Este é o momento. Não dá para deixar para depois.

Fique em casa. Mas não apenas fique em casa. Fique em casa para entender a si, entender o mundo e mudar. Ou não existirá depois.

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Maria Izabel Guimarães
. em espiral

Jornalista, leitora, aprendiz de dançarina e apaixonada por aprender.