Como o reconhecimento das nossas emoções se tornou uma inteligência?

Larissa Rufato Tosi
Emoções na Prática
6 min readDec 9, 2019

A história por trás do que chamamos hoje de inteligência emocional, que vai muito além do próprio conceito.

Bekah Russom

Você se deparou com uma crítica do seu chefe, brigou com alguém especial ou vai passar por algo que te deixa desconfortável. E aí surgem duas opções muito claras na sua cabeça: agir por impulso, sem medir as consequências, ou procurar ter equilíbrio, analisando a melhor maneira de se comportar naquele momento. Qual das duas você escolhe? A segunda opção indicaria que você tem mais inteligência emocional, mas esse conceito vai muito além disso. Afinal, de onde ele surgiu?

Apesar de ter sido discutido por psicólogos importantes como Howard Gardner, criador da Teoria das Inteligências Múltiplas em 1980, o conceito de inteligência emocional apenas obteve uma definição acadêmica mais firme através dos psicólogos e pesquisadores americanos Peter Salovey e John Mayer em 1990. Para estes, a inteligência emocional é definida como “subconjunto da inteligência social que envolve a capacidade de monitorar as próprias emoções e a dos outros, e usar essa informação para guiar o pensamento e as ações.”

Daniel Goleman. Foto: Divulgação.

Daniel Goleman — hoje reconhecido como o “pai da inteligência emocional” e codiretor do Consortium for Research on Emotional Intelligence in Organizations na Universidade Rutgers-, popularizou o conceito com sua obra Inteligência Emocional (1995), que tornou-se mundialmente conhecida. Segundo o psicólogo e jornalista, os indivíduos humanos são seres de paixão, empatia e compaixão.

Portanto, para Goleman, a razão estaria apenas em segundo plano e o cenário ideal se concentraria em uma combinação do Q.I (Quociente de Inteligência) e do Q.E (Quociente Emocional) de cada pessoa, promovendo uma mobilização de si e dos outros de maneira integral. Na obra, o autor apresenta uma explicação mais abrangente que a explicação de Mayer e Salovey, acrescentando às habilidades cognitivas vários atributos que envolvem a personalidade. Para ele, a inteligência emocional engloba características como: motivar a si mesmo, perseverar no empenho ao lidar com frustrações, controlar impulsos, desenvolver a empatia, entre outros fatores.

Mas será que na prática é assim, tão simples? Luciane Sanches é neuropsicóloga e coordenadora de psiquiatria no Centro de Tratamento Bezerra de Menezes, em São Bernardo do Campo. Ela esclarece que para os neuropsicólogos, a inteligência emocional é chamada de cognição social, ligada às funções executivas da mente e resoluções de problemas. Para ela, é essencial saber reconhecer cada emoção e o que elas desencadeiam. "Ter controle delas é um treino", diz a profissional:

Ela também explica o fato de que as emoções estão ligadas a outros fatores da mente: linguagem, memória, atenção…

O armazenamento dessas informações acontece devido a uma interligação das nossas redes neurais:

"Não tem como eu falar de memória, sem ter emoção. Por exemplo, se você sente o cheiro de um perfume, você vai lembrar de uma pessoa. Ou você vai lembrar com carinho ou você vai lembrar com ódio, entende? A memória está ligada às emoções também. Tudo está ligado às emoções. E a forma que eu reajo frente aquilo."

GIF: Adam Banaszek

Há muitos anos atrás, Charles Darwin já apontava em sua obra A expressão das emoções no homem e nos animais que demonstrar emoções é um estado primitivo. O biólogo e teórico da evolução das espécies animais explicava que, ao atingir a idade adulta, o ser humano deveria então reprimir essa tendência de expressão do que estava sentindo.

Podemos até considerar que essa ideia ia de acordo com o que era estabelecido naquela época, na qual o choro e qualquer ato emocional era relacionado às crianças, mulheres, velhos e doentes mentais. Pensamento bem ultrapassado quando trazemos ele para a atualidade, né? Mas ainda hoje, muitas pessoas têm dificuldade em expressar e interpretar suas emoções. Inclusive, muitos têm receio e vergonha de pedir ajuda quando necessário.

É o que a explica a psiquiatra Aline Braga, especialista em Saúde Mental da Infância e Adolescência pela Unifesp. No seu consultório, em Campinas, ela observa diariamente o quanto seus pacientes têm problemas em lidar com o acolhimento de suas próprias emoções, muitas vezes tardando para buscar um atendimento profissional, quando necessário:

Em uma sociedade com tanta dificuldade em compreender e expressar o que sente, ter inteligência emocional tornou-se um diferencial não apenas para a vida pessoal, mas para o mercado de trabalho. As chamadas soft skills — habilidades relacionadas ao comportamento humano — estão sendo cada vez mais cobradas no mundo corporativo. Shawn Archor, — um dos maiores especialistas do mundo na relação entre a felicidade e o sucesso e professor da disciplina The Science of Happiness em Harvard-, criou a empresa Good Think, que leva estes conceitos para dentro das empresas como o Google e o Facebook, por exemplo.

Daniel Goleman indica, em seu best-seller Inteligência Emocional, que o Consórcio Para Pesquisa sobre Inteligência Emocional em Organizações (CREIO), na Universidade de Rutgers, foi o primeiro pólo educacional a catalisar este trabalho científico, “colaborando com organizações que vão desde o Escritório de Gerenciamento Pessoal do governo federal americano até a American Express.”

O futurologista britânico Ian Pearson, em uma entrevista realizada pelo jornal O Estado de São Paulo em julho de 2019, explicou a justificativa por trás da contratação de mais trabalhadores com alto índice de inteligência emocional:

“Por mais avançada que uma máquina ou inteligência artificial seja, essas funções que exigem um contato humano são insubstituíveis. Ninguém é contratado porque sabe apertar teclas de um computador muito bem e sim pelo que ele, como pessoa, traz para o ambiente de trabalho.” (Ian Person)

As mudanças de prioridade no mercado de trabalho acabaram destacando atividades como o coaching, cuja popularidade no Brasil levou a uma discussão no Senado sobre a sua possível regulamentação ou criminalização.

Edson Moraes trabalha como coach executivo e escreveu um artigo sobre o assunto para a Folha de São Paulo em agosto de 2019. Segundo ele, tanto a regulamentação quanto a criminalização não escapariam do “jeitinho brasileiro” de passar por cima dessas duas decisões. A solução poderia estar, em sua opinião, em uma conscientização da população para esclarecer o que é o coaching, por meio de campanhas educativas. “Assim, as pessoas teriam condições de identificar o profissional adequado para confiar seu desenvolvimento”, diz.

O motivo pelo qual a prática tem crescido, segundo Ian Pearson, seria o tempo livre por conta da automação, que gera nos indivíduos uma necessidade de aprender coisas novas e se desenvolverem.

Mas é preciso tomar cuidado, pois há uma linha tênue entre o desenvolvimento e a perigosa ideia de perfeição.

Este é um dos ponto discutidos pelo filósofo coreano Byung-chul Han na obra Sociedade do Cansaço, de 2010. Han aponta o fato de que cada época possui suas epidemias específicas, como as doenças bacteriológicas e virais que atingiram o século 20. Agora, no século 21, o autor considera as patologias neurais como a principal epidemia. E o motivo disso, segundo ele, é o excesso de positividade na sociedade, utilizando como exemplo dois slogans muito conhecidos: ”yes, we can”, da campanha presidencial de Barack Obama em 2008, e “just do it”, da marca esportiva Nike.

Para o filósofo Luiz Felipe Pondé, entrevistado para esta reportagem, o problema principal desta atividade está na superficialidade de alguns profissionais, que acabam desviando o sentido original da prática e banalizando a própria inteligência emocional, por utilizarem o conceito como uma ferramenta para o sucesso. "Eu acho que todo terapeuta que vende sucesso é um picareta", provoca. Segundo ele, ter sucesso e viver melhor não são sinônimos, o que torna esse direcionamento do coaching uma estratégia enganosa. O vídeo da entrevista completa você confere clicando aqui.

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