Quando as emoções se tornam matéria nas salas de aula

Larissa Rufato Tosi
Emoções na Prática
7 min readDec 9, 2019

Quais os benefícios e desafios trazidos pela ascensão do interesse pela inteligência emocional no sistema educacional dentro e fora do país?

Foto: Markus Spiske

Indivíduos com maior índice de inteligência emocional possuem mais satisfação em suas vidas, facilidade em resolver problemas, habilidade de enfrentamento e níveis menores de ansiedade. É o que consta em estudos como o dos pesquisadores americanos Veneta Bastian, Nicholas Burns e Ted Nettelbeck, publicado na revista acadêmica Personality and Individual Differences em 2015.

Aqui no Brasil, uma proposta de inclusão de uma disciplina sobre o tema nas universidades privadas foi discutida em março de 2019, entre os membros do atual governo. Nos Estados Unidos, Daniel Goleman aponta que, atualmente, programas que ensinam habilidades de inteligência emocional nas escolas são requisitos curriculares assim como as competências em matemática ou linguagem.

Aline Braga em seu consultório, em Campinas. Foto: Thomaz Moraes.

Para a psiquiatra Aline Braga, um dos motivos que fazem crescer a demanda pela educação socioemocional é o fato de que estamos caminhando para "uma sociedade de relacionamentos superficiais, pouca percepção do outro e falta de empatia". A profissional ressalta que a intolerância acaba levando a agressões físicas e psicológicas. "Isso não é sustentável e nem saudável", diz. Ela também defende que esta vertente educacional seja estimulada desde cedo nas escolas.

Segundo Goleman, a educação socioemocional, quando bem aplicada, pode evitar problemas sérios na infância e na adolescência. Um dos casos citados pelo autor em sua obra é o abuso sexual em crianças. A partir do ano de 1993, aproximadamente 200 mil casos comprovados passaram a ser comunicados anualmente nos Estados Unidos, o que ocasionou a criação de um sistema de prevenção, no qual eram fornecidas informações básicas para que as crianças diferenciassem contatos físicos “bons” e “maus”, encorajando-as a se defenderem e contarem o ocorrido para um adulto de confiança.

Contudo, o autor cita que uma pesquisa nacional com 2 mil crianças, feita pelo sociólogo David Finkelhor na Universidade de New Hampshire, constatou que esse treinamento básico não gerava resultados significativos. A probabilidade das crianças que participaram desse treinamento contarem o ocorrido ainda era menor do que aquelas que não participaram de nenhum treinamento.

Em contrapartida, as crianças que receberam um treinamento mais abrangente — que incluía aptidões socioemocionais, dadas conforme o nível de escolaridade de cada aluno— provavelmente resistiriam, gritariam ou ameaçariam contar. De acordo com Goleman, elas tinham três vezes mais probabilidade de comunicar os abusos que as outras crianças:

"Não basta a criança simplesmente saber sobre “bons” ou “maus” contatos físicos: as crianças precisam da autoconsciência para saber quando uma situação parece errada ou aflitiva muito antes de começar o contato. Isso implica não apenas autoconsciência, mas também autoconfiança e assertividade para confiar e agir com base nesses sentimentos, mesmo diante de um adulto que esteja tentando lhe assegurar que “está tudo bem”. E aí a criança precisa de um repertório de recursos para evitar o que está para acontecer — tudo, desde fugir a ameaçar contar. Por esses motivos, os melhores programas ensinam as crianças a defender o que querem, afirmar seus direitos em vez de ficar passivas, saber quais são suas fronteiras e defendê-las." (Daniel Goleman)

Karen Arnold, professora de Pedagogia da Universidade de Boston e pesquisadora dos alunos considerados os “primeiros de turma” também é mencionada na obra de Goleman. “Saber que uma pessoa é um excelente aluno é saber apenas que ela é muitíssimo boa na obtenção de boas notas. Nada nos diz de como ela reage às vicissitudes da vida", diz a especialista.

Ana Holanda no evento Fronteiras do Pensamento em 2017. Foto: https://anaholanda.com.br/

Ana Holanda é editora-chefe da Vida Simples — na qual temas relacionados à inteligência emocional estão sempre presentes — e criadora da “Escrita Afetuosa”, um método de escrita que desenvolve textos delicados e carregados de afeto. Sobre a revista, ela afirma que o foco das matérias de capa nos últimos anos tem sido as grandes questões e angústias do ser humano.

“Isso é o que faz, por exemplo, você pegar uma revista que foi publicada há 5 anos, folhear e ela ter o mesmo valor de uma que foi publicada no mês passado. Ela é atemporal. E por que ela tem essa atemporalidade? Porque ela trabalha essas questões emocionais, angústias… essas questões mais do sentir das pessoas, do caminho de vida”, conta.

Ana também é uma das embaixadoras da The School of Life no Brasil — uma organização global, com objetivo de aumentar a quantidade de inteligência emocional em circulação. Fundada pelo filósofo e escritor suíço Alain de Botton em 2008, a instituição realiza atividades variadas para promover o aprendizado da inteligência emocional, como: conferências, aulas, consultorias para empresas, publicação de livros, produção de vídeos e conteúdo digital. A única unidade brasileira está localizada na cidade de São Paulo e funciona desde 2013.

A jornalista, que também dá cursos de Escrita Afetuosa na organização, diz que um dos motivos pelos quais o filósofo Alain de Botton criou a The School of Life foi o fato de que passamos a vida aprendendo sobre questões práticas e técnicas, mas não somos ensinados a nos relacionar com nós mesmos e com os outros.

Educação Socioemocional nas Universidades

Gif: HUGE

Para a neuropsicóloga Luciane Sanches, a inteligência emocional não é um assunto fácil de ser explicado, mas muito necessário de ser trazido para as universidades:

“Os jovens da graduação não sabem lidar com a estabilidade emocional, com a inteligência emocional. Tem pessoas que não tem empatia, não conseguem ver o lado do outro, é mais fácil julgar do que entender. Em todos os cursos deveria ter uma parte de psicologia. Porque qualquer frustração, a pessoa se desestabiliza por completo, entra em pânico… por isso há tantas tentativas de suicídio.”

A disciplina The Science of Happiness (A Ciência da Felicidade) é considerada o curso mais concorrido da Universidade Harvard, nos Estados Unidos. Lecionada pelo professor e escritor Tal Ben-Shahar, ela obteve mais de 1.000 inscrições em 2017. Através da Psicologia Positiva (movimento que enfatiza a busca pela felicidade humana), Ben-Shahar ajuda os estudantes de graduação na busca de suas realizações pessoais. Em entrevista à revista Exame (2018), afirmou que a primeira lição de suas aulas é a permissão de vivenciar as emoções que são dolorosas, como a raiva, a tristeza e a decepção. “Temos dificuldade de aceitar que todo mundo sente essas emoções às vezes. Não aceitar isso leva à frustração e à infelicidade”, disse.

Mas o assunto também está adentrando os cursos brasileiros de graduação. O coordenador do curso de Publicidade e Propaganda da FAAP, Eric Messa, planeja inserir uma disciplina de inteligência emocional na estrutura curricular da Faculdade de Comunicação: “Na atividade de professor ao longo de 18 anos, tenho percebido a mudança gradual do comportamento dos jovens. Recentemente tem se intensificado a dificuldade dos jovens com aquilo que chamou-se de soft skills.”

Sua intenção é elaborar um projeto que envolva diferentes frentes. Um título possível para uma das disciplinas seria, segundo ele, Inteligência Emocional nos Negócios, “para abordar os temas sob o ponto de vista da vivência de uma empresa e até abrir espaço para relatos das vivências dos próprios estudantes nos seus estágios”. Messa também exemplifica que outra possível frente envolveria oficinas práticas para trabalhar questões relacionadas à proatividade e trabalho em equipe, além de disciplinas optativas de curta duração, para trabalhar temas mais pontuais como liderança de equipe e técnicas de oratória.

Na PUCRS, existe a Pós-Graduação Psicologia Positiva, Ciência do Bem-Estar e Autorrealização, que tem como objetivo trabalhar “uma nova perspectiva do ambiente e das relações humanas a partir do estudo das emoções positivas, virtudes e potencialidades de cada indivíduo”. Realizada 100% online, o curso possui participação de personalidades nacionais e internacionais como Daniel Goleman, Martin Seligman -conhecido por fundar a Psicologia Positiva-, Leandro Karnal, entre outros.

Contudo, essa vertente de ensino ainda gera algumas contradições. Para Luiz Felipe Pondé (confira a entrevista), não há como uma disciplina te ensinar a controlar as emoções, apesar de acreditar que a inteligência emocional possa fazer parte das grades curriculares: “Isso não significa que você não possa ter uma disciplina sobre inteligência emocional. O que eu não acredito é na disciplina que vai ensinar você a fazer isso, porque eu acho que nem os professores sabem direito fazer”, defende. Professor das faculdades FAAP-SP e a PUC-SP há mais de 20 anos, ele afirma ter reparado que os jovens estão cada vez mais inseguros, ansiosos e com dificuldade de lidar com as avaliações.

Pondé também aponta para o fato de que o professor que leciona disciplinas de inteligência emocional não pode atuar como um “preparador para enfrentar o mundo”. Ele acredita que, ao fazer isso, os professores partem para o campo da autoajuda. “A universidade não é uma usina de autoestima. A universidade é um lugar que prepara o aluno tanto para a vida adulta quanto para uma certa formação profissional”, diz.

É indispensável compreender que cada pessoa lida de forma distinta com as suas emoções, portanto, o aprendizado é sempre muito subjetivo. O importante é saber nomear o que sentimos, treinar diariamente como podemos melhorar nossas reações e não ter vergonha de pedir ajuda quando for preciso. E você? Como tem lidado com as suas emoções na prática?

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