Raça, Diversidade e Multiculturalismo: “Do the Right Thing” por Spike Lee

Vamos refletir sobre o que nos ensinou “Do the Right Thing”, uma das muitas “movie joints” de Spike Lee

MikeSemantics
Emotions in Motion
6 min readNov 22, 2023

--

Fonte: The Bowery Boys | “Do The Right Thing”

Para me seguirem nas redes sociais e noutras plataformas, cliquem no link aqui

Antes de iniciar, queria mencionar a conduta de cada crítica, na publicação sociocultural “Emotions in Motion”, com o seguinte intuito:

Correlação entre a obra e o tópico sociocultural proposto, em cada artigo bimensal, de modo a subjetivamente criticar a sua relevância e lição para o mesmo

Filme: Do the Right Thing

Ano: 1989

Realizador, Produtor e Argumentista: Spike Lee

Banda Sonora: Bill Lee, Branford Marsalis

Género(s): Comedy Drama

Atores e Personagens em foco:

· Spike Lee — Mookie

· Giancarlo Esposito — Buggin’ Out

· Bill Nunn — Radio Raheem

· Danny Aiello — Sal

· John Turturro — Pino

· Ossie Davis — Da Mayor

· Richard Edson — Vito

· Ruby Dee — Mother Sister

· Rosie Perez — Tina

· Joie Lee — Jade

· Samuel L. Jackson — Mister Señor “Love Daddy”

· Roger Guenveur Smith — Smiley

· Steve White — Ahmad

· Martin Lawrence — Cee

· Luis Antonio Ramos — Stevie

O filme, em análise, é intitulado Do the Right Thing do intemporal e incontornável realizador Spike Lee, lançado em 1989 pela 40 Acres and a Mule Filmworks (produtora de Spike Lee, fundada em 1979) e distribuído pela Universal Pictures.

Spike Lee foi sempre um dos meus realizadores de eleição por inúmeras razões. Não só pela sua mestria cinematográfica e histórico-social, como também pela sua contribuição fulcral para a defesa dos direitos cívicos e humanos, e principalmente em nome da sua comunidade afro-americana.

Tinha 15 anos quando me deparei com este filme galardoado pelos Óscares (“Melhor Argumento Original” e “Melhor Ator Secundário”) e, depois de o rever por duas vezes, trouxe-me lágrimas aos olhos tal é a sua relevância e genuinidade social, racial e multicultural cada vez mais contestada na atualidade mundial.

“Are we gonna live together? Together are we gonna live?”

Ao decorrer durante um período, de dias quentes de Verão, em Stuyvesant Avenue (entre Quincy Street and Lexington Avenue e no bairro Bedford–Stuyvesant, bairro onde Lee cresceu em Brooklyn, Nova Iorque), o enredo é marcado por convivências e diálogos entre membros de diversas comunidades étnico-raciais do bairro, como a afro-americana, ítalo-americana, porto-riquenha, jamaicana e coreana (assinalado pelas bandeiras “grafitadas” de cada comunidade, entre a pizzaria e, a loja de conveniência coreana, Fruit and Vegetable Delight), retratando o espólio de multiculturalismo e de diversidade social, entretida pelo Mister Señor “Love Daddy” (interpretado por Samuel L. Jackson), locutor da rádio local “We Love FM”.

Fonte: Screen Rant | “Mookie” — Personagem de Spike Lee

O estigma e preconceito é a “notícia do dia” durante as interações, onde vão ocorrendo diversas peripécias, de tensão e “apoderamento territorial”, por parte de personagens como Mookie (Spike Lee), um rapaz afro-americano, irmão de Jade (Joie Lee), namorado de Tina (Rosie Perez) e pai, pouco presente, de Hector que trabalha enquanto homem das entregas na pizzaria Sal’s Famous Pizzaria. O restaurante é gerido pelo italo-americano Sal (Danny Aiello) e pelos seus filhos Vito (Richard Edson) e Pino (John Turturro), com os quais Mookie se confronta, constantemente, face à intolerância dos italo-americanos com os habituais clientes do bairro e com a cultura negra.

Shopping for Socio-Cultural Intolerance and Violence

Apropriando-se da teoria do episódio “Shopping for Death” do programa Alfred Hitchcock Presents (em que a violência incrementa em locais com temperatura quente), as personagens das diferentes comunidades tornam-se cada mais hostis umas para com as outras, especialmente à medida que o tempo passa e que a temperatura aumenta.

Estas põem em prática a incompreensão ideológica, por frases ofensivas e atos imorais cheias de ódio e desprezo pelo próximo, como a cena conflituosa de boom boxes entre o afro-americano Radio Raheem (personagem crucial por Bill Nunn, que vagueia com o seu rádio a tocar “Fight The Power” dos Public Enemy) e os porto-riquenhos do bairro, Radio Raheem e os coreanos da loja de conveniência, mais notoriamente, a cena de Buggin’ Out (amigo afro-americano de Mookie, interpretado por Giancarlo Esposito) com Sal na sua pizzaria.

Ao ser insultado por Buggin’, que exigia querer “some brothers up on the wall” na sua Wall of Fame (com figuras italo-americanas, como Frank Sinatra e Al Pacino), Sal expulsa-o ao sentir-se desrespeitado no seu local de trabalho. Associado ao seu orgulho racial e em defesa aos seus líderes afro-americanos, Buggin’ ameaça boicotar a pizzaria com Radio Raheem (Bill Nunn), criando um clima de tensão com repercussões incontornáveis.

Após uma altercação posterior entre as três personagens, é revelado a pior faceta do ser humano, em que, através de insultos inapropriados e de um ato impulsivo de Sal, por esmagar o rádio de Raheem, somos aludidos para eventos de violência social e de ódio racial como a 1963 Birmingham Campaign, Howard Beach racial incident e o assassinato de Eleanor Bumpers (os últimos dois eventos inspiraram Lee para a criação do argumento).

É a cena que marca o embate da ficção com a realidade, em que nos deparamos com a morte perpetuada pelo lado obscuro do privilégio branco e da brutalidade policial “vendada” por racismo, ódio, necessidade de hegemonia, falta de valores e de empatia que tanto atormenta gerações e gerações de pessoas.

LOVE and HATE

Source: YouTube | Clípe do filme “Love and Hate”

Uma das características mais notórias, que Lee nos demonstra, é o encurtamento de polos sentimentais entre os seres humanos, retratado pela discórdia ideológica entre Mookie e Pino (embora diga que não se identifica com a cultura negra, este secretamente adora-a sem nunca o admitir, dada as suas inseguranças e falta de identidade) e numa cena entre Radio Raheem e Mookie, que, para mim, se mantém como uma das melhores cenas na história do cinema.

Nesta Raheem aplica uma analogia, entre a left hand/right hand e love/hate (escrito nas soqueiras de latão que tem em cada mão), relembrando-nos de que, embora tenhamos diferenças e opiniões que nos distinguem, não existe nada que não consigamos ultrapassar, pois a “Left-Hand Hate” é sempre “KO’ed by Love”.

“Always do the right thing”

Source: YouTube | Clípe do filme por Da Mayor — “What you know about me?”

Sabemos que muitas das atitudes, tomadas por personagens fulcrais, não foram as mais sensatas e corretas (como Mookie, em que depois da tragédia, em modo de protesto e de frustração, partiu a janela da pizzaria atirando um caixote do lixo contra ela), mas isso só demonstra uma porção dos traços do ser humano imperfeito e assoberbado pela vida.

E se há uma personagem que reflete algo distinto das restantes é Da Mayor, a minha personagem favorita. Quando o idoso embriagado, dócil, filosófico e despedaçado afro-americano, Da Mayor, nos apresenta o mote para o título e propósito do filme, ao se virar para Mookie e proferir a frase “Always do the right thing”, conseguimos ver o verdadeiro espelhamento de bondade e de tolerância na sua total plenitude.

Após colocar a sua vida em risco duplamente, ao salvar uma criança de ser atropelada e defender Sal após a dura tragédia à porta da pizzaria (em frente de quase todo o seu bairro de afro-americanos enraivecidos), Da Mayor mostra-nos o que personifica o cidadão nobre e genuíno na vida mundana. Independentemente das suas virtudes, defeitos, cor de pele, estatuto financeiro, capacidade motora e mental (representado no filme por Smiley, um senhor deficiente que vende fotos, na rua, de Malcolm X e Martin Luther King Jr.), todos merecem ser ouvidos e “resgatados” da escuridão e da injustiça que é muitas vezes a vida, para estarmos mais próximos do derradeiro passo para a igualdade e equidade social, racial e cultural.

É através de filmes, como Do The Right Thing, que conseguimos dar um passo em frente e não repetir os mesmos erros do passado. A humanidade e todo o real sociopolítico está em risco, e cabe-nos a nós alterar isso, somente sendo pessoas e ao fazer “always the right thing”.

“The time is always right to do the right thing.” — Martin Luther King Jr.

Onde ver Do the Right Thing: Stremio, Mr. Piracy, Amazon Prime

Obrigado a todos os que leram o artigo, sejam livres de o partilhar e deixem um comentário para saber o que vocês acharam, isto se estiverem para aí virados! ;-)

“As Anonymous As It Sounds” — Be Free to Your Own Interpretation

--

--

MikeSemantics
Emotions in Motion

Hi!! My name’s Miguel and I’m a music and culture writer, producer and multi-instrumentalist from Lisbon, Portugal. I hope that my writing will keep you busy :)