Artista brasileiro ganha prêmio em Nova York

Danilo Motta
Empoderamento LGBT
Published in
6 min readJun 6, 2019

No Mês do Orgulho LGBT, três artistas foram premiados na mostra de diversidade da Art Leage of Long Island. Dentre eles, Fernando Carpaneda, com sua obra Pride.

A mostra Diversity in our lives recebeu 205 trabalhos, dos quais 66 foram selecionados para exibição. O brasiliense radicado em Nova York há 20 anos teve duas peças escolhidas. Conversamos sobre o seu processo criativo e o lugar da arte ante ao conservadorismo. Confira:

Como foi para você receber este prêmio justamente no Mês do Orgulho LGBT?

‘Pride’ foi uma das obras premiadas na mostra (Divulgação)

Primeiramente obrigado pela entrevista. Eu fiquei feliz e surpreso em ganhar esse prêmio justamente por ser no Mês do Orgulho LGBT e na semana do meu aniversário. Eu acho que é um prêmio importante em vários aspectos, especialmente por ser uma pintura, direcionada ao público LGBT e dada por um curador e doutor em História da Arte, num momento em que as minorias não são valorizadas. E também fiquei surpreso em ser escolhido entre 200 artistas.

O que você quis expressar com ‘Pride’?

Eu desejo que minhas obras possam alcancar um público que aprecie a arte, independentemente de ser gay ou hétero. Eu gosto de promover reflexão, discussão em torno de questões essenciais ao ser humano e principalmente, tocar em questões sutis. A minha poética fundamenta-se em trazer ao mundo outros lados pouco debatidos da cultura LGBT e da sociedade em geral. Meus trabalhos falam de liberdade, de ser o que quisermos ser, sem medo de assumir nossas idéias, ideais e discursos. Discussões acerca do gênero e preferências são o mote daquilo que abordo e trago a baile para discussão. Esse é o papel da arte contemporânea.

O Brasil passa por um momento de ascensão do conservadorismo, que vem avançando sobre LGBTs e outros grupos historicamente estigmatizados. Neste contexto, como avalia a importância usar a arte para retratar a diversidade?

‘Gosto de promover reflexão em torno de questões essenciais ao ser humano’ (Divulgação)

Eu acho que intolerância e conservadorismo sempre existiram, mas com o avanço da internet em países como o Brasil, as pessoas sem acesso a cultura e mais conservadoras, que antes conheciam o mundo apenas pela televisão, passaram a ter contato com questões que sempre foram parte de grupos específicos. Acho que é bem mais fácil para covardes se manisfestarem quando estão atrás de uma tela de computador. Meus trabalhos sempre foram direcionados a um público com consciência sobre questões sociais e culturais. Dialogam com essas questões desde os anos 80, e para mim, não é surpresa alguma o que acontece hoje no Brasil. Precisamos de mais investimentos em cultura, educação e, consequentemente, revisão da legislação aplicada ao assunto.

As artes vêm sofrendo ataques sistemáticos no Brasil, tanto por parte de grupos conservadores quanto por parte do próprio Estado. Como você tem acompanhado esta situação?

Não é surpresa. Precisamos no Brasil de leis que protejam espaços culturais e leis que protejam a liberdade de expressão. Se alguém não gosta de arte vinculada à sexualidade, não visite exposições de arte e sexualidade. Simples! A arte pretende promover liberdade de expressão e conhecimento, porém não são todos que possuem conhecimento e sensibilidade para entender ou discutir sobre o assunto. Conservadorismo e falta de informação são recorrentes. Nossa sociedade é formada por pessoas com realidades e estilos de vida diferentes e não temos o direito de obrigar pessoas a seguirem a nossa realidade, assim como ninguém tem o direito de nos impor a sua. A sexualidade humana é complexa e não cabe a ninguém julgá-la. Conheço pessoas que já foram abusadas sexualmente por pastores, por padres e por membros familiares e obviamente não vêem o mundo da mesma forma que eu. Se a sexualidade de um artista te incomoda, pense duas vezes antes de criticá-lo ou de discriminá-lo, porque nem todo mundo teve a mesma vida que você.

Algumas de suas obras fazem uma releitura de imagens religiosas. Por que a escolha por este tema?

Escultura ‘The Ecstasy of Saint Sebastian’, de Carpaneda

Eu sempre gostei de imagens religiosas e a “espiritualidade” para mim tem grande valor. Eu acredito na divindade e manifesto essa minha crença da maneira mais pura e verdadeira que consigo: por meio da arte. E a arte não é moral. Já na questão da homossexualidade e fé, sou da opinião que não há conflito entre um e outro. Penso que o corpo é tão santo quanto o “espírito”, entendendo como espírito essa chama de vontade que nos move no mundo. Então, para mim, o sexo é uma expressão da mais alta divindade. Pouco importa se o encontro se dá entre pessoas do mesmo ou de diferente gênero sexual. A noção de pecado é uma forma de controlar os seres humanos e afirmar o poder de poucos sobre muitos.

Você tem receio de ter algum tipo de retaliação por aqui?

Não! Eu sou contra todo e qualquer tipo de opressão e supressão à liberdade. Não importa de onde venham. Se fossem gays e lésbicas que agissem de maneira preconceituosa, independente da minha própria orientação sexual, eu agiria com a mesma contundência e inconformismo e os criticaria. Olha, pode-se afirmar qualquer coisa a respeito do meu trabalho. O receptor é tão criador quanto o artista. Cada um, com base nas suas vivências e capacidades interpretativas e simbólicas, vive uma experiência ao defrontar-se com o objeto artístico. Se é libertadora? Não sei. Para mim é e sempre será. A arte é o mais alto grau de religião. Mas acho que só posso falar por mim. Além do mais, a crítica existe justamente para estabelecer relações de interesse entre objeto artístico e expectador.

O nu é recorrente em suas obras. Como é o seu processo criativo? Você trabalha com modelos ou abstrações?

‘Troy’, de Carpaneda

Eu uso 3 processos para a criação das obras, modelo vivo, fotografia e desenho. Geralmente deixo a escolha das poses com os modelos. Meu processo de criação e paralelo, meus desenhos são geralmente estudos para minhas pinturas, e minhas esculturas. A partir dos desenhos crio esculturas e as pinturas. E geralmente trabalho em várias peças ao mesmo tempo.

O que é o ‘politicamente correto’ para você?

A homofobia no Brasil deve ser combatida. Nenhum ser humano tem o direito de usar o nome de Jesus Cristo em vão, para julgar, discriminar e promover a violência contra pessoas inocentes. Nos só vamos mudar o Brasil e transformá-lo num pais melhor quando começarmos a respeitar as diferenças. Somente assim, poderemos bater de frente com esses oportunistas políticos, ajudando a proteger e a preservar a vida e a dignidade das minorias oprimidas. O Brasil pode se tornar a próxima Rússia, caso permitamos o crescimento dessa camada doente de religiosos a lançar suas garras no governo brasileiro. A sociedade precisa compreender que o marginal, o que está à margem, não só precisa ser incluído (ou incorporado) em suas especificidades de modo de vida, na sua negativa a determinados valores, mas, também, tentar entender quais as fissuras que levam as pessoas para margem, se esse é um processo de escolha ou não.

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