Os Diabos Rubros conquistam a Costa Dourada
Após quase sete anos, America voltava excursionar e trazia na bagagem mais um Troféu.
No passado nem tão distante, as regras de intervalos entre as partidas não seguiam a rigidez que vemos hoje em dia. Não era raro uma equipe disputar até 4 partidas no período de uma semana. Não estamos com saudade dessa época (mentira, estamos sim), apenas contextualizando para aqueles que são mais novos entenderem o que se passava dentro do mundo do futebol. Os torneios amistosos internacionais eram bastante comum e é difícil encontrar algum grande clube brasileiro sem um título além-mar. Eram vários, nos mais diversos países, sempre no meio da temporada brasileira. Aliás, é até pecado falar em “temporada brasileira”. Os campeonatos se sucediam sem nenhuma lógica. Começavam num ano, terminavam no outro. E por conta dessa bagunça, times excursionavam pelo mundo durante competições oficiais brasileiras. É o caso dessa aventura que contaremos do America.
Pela primeira desde 1977, o America disputaria uma partida internacional, motivo pelo qual interromperia o belo momento em terras cariocas. O mês de agosto de 1983 começava e o America liderava a Taça Guanabara, à frente do Fluminense, com um campanha fantástica. Eram quatro vitórias e dois empates, com liderança isolada da competição. Alguns jogos adiados e viagem marcada para a Europa: o America procurava se internacionalizar novamente. O momento era propício, os Diabos Rubros eram os atuais campeões da Taça Rio de 1982, assim como do Torneio dos Campeões Brasileiros. A boa fase no início do Campeonato Carioca só confirmava o belo momento do Mecão.
Na Taça de Ouro (nomenclatura do Campeonato Brasileiro de 1983), o time teve campanha fantástica nas duas primeiras fases, caindo apenas na terceira fase. O primeiro semestre de 1983 deixou um gostinho de quero mais na boca dos torcedores e o sentimento de renascimento da equipe era muito forte.
(Falaremos do Campeonato Carioca de 1983 em outra oportunidade)
Julho terminava de maneira mágica para o America. O time sob comando de Edu, se apresentava como o torcedor gostava: com futebol leve e pra frente. O último compromisso antes da viagem foi contra o Vasco, com uma atuação bem agressiva. Com gols de Luisinho e Gilberto, e atuação segura de Gasperin, o America viajaria para a Espanha com tranquilidade.
No dia seguinte, o America embarcaria para a Europa.
Após mais de 20h de viagem, a delegação do America chegaria à Tarragona, cidade da Catalunha onde seria disputado o Torneio Costa Dourada. Uma série de amistosos também era negociada, completando os 20 dias de excursão pela Europa. Um segundo torneio amistoso também estaria nos planos, o Torneio Colombino. A mini-temporada europeia tinha alguns objetivos, entre eles reabrir o mercado europeu para o clube. A opção de atuar em todas as partidas da excursão com os jogadores titulares era também para uma futura negociação de jogadores.
O Torneio Costa Dourada de 1983 teve participação de quatro equipes e foi recebido com grande entusiasmo na Espanha. A pré-temporada no país seria recheada de times estrangeiros e o torneio na Catalunha seria mais uma chance de ver grandes jogos em terras espanholas, justamente um ano depois da Copa do Mundo.
O Dundee United (o campeão escocês da temporada 1982/83) era um time que jogava junto há praticamente dez anos. O time era a sensação da Grã-Bretanha, conquistando o título da Premier Ligue Escocesa com uma campanha arrebatadora, onde 24 jogos foram vencidos e 04 perdidos, num total de 36 partidas. Os 90 gols marcados foram o destaque da campanha, que somou 56 pontos, igualando o recorde do Celtic na temporada de 1980/81. Vale lembrar que o protagonismo histórico do futebol na Escócia é de Celtic e Rangers. O Dundee United contava ainda com Paul Sturrock, um dos maiores atacantes do futebol escocês, que defendeu a seleção da Escócia na Copa do Mundo de 1982.
Já a dupla espanhola escolhida para o torneio foram Valencia e Espanyol. A equipe do Valencia vinha de resultados históricos na Espanha e Europa, com os títulos da Copa do Rei de 1978/79 (em cima do Real Madrid), a Recopa Europeia na temporada 1979/80 e a Supercopa da UEFA de 1980.
Porém, o clube passava por uma grave crise financeira, por causa das obras do estádio Mestalla, usado na Copa do Mundo de 1982. Além do seu estádio, o Valencia estava presente com dois jogadores na Seleção Espanhola daquele mundial, Saura e Tendillo (titular). O Espanyol seria o quarto participante do Torneio. Sem tanto destaque quanto as outras equipes, o clube de Barcelona era uma força regional. Teve sua participação garantida por ser da Catalunha, região onde seria disputado o Torneio Costa Dourada, na cidade de Tarragona.
Uma final espanhola era esperada, por isso as posições contrárias nas chaves semi-finais das equipes domésticas. America e Dundee, apesar de serem considerados favoritos, enfrentariam também a torcida da casa. A premiação para o campeão era o verdadeiro motivador para ambos os clubes, razão pela qual o uso de titulares. Apesar de não-oficial, o Torneio ganhou destaque na imprensa dos países participantes.
“Futebol lindo, leve e solto”
Foi assim que os cronistas esportivos espanhóis descreveram a primeira partida do torneio, no dia 05 de agosto, com a vitória do America sob o Valencia por 2x0. Apesar da bela apresentação, a vitória só foi veio na prorrogação, com dois gols de Moreno, após substituir Gilcimar. A equipe encarnada foi para o jogo escalado da seguinte maneira: Gasperin; Donato, Zé Augusto, Maxwell e Aírton; Pires, Gilberto (Serginho) e Carlos Silva; Gilcimar (Moreno), Luizinho e Gilson Gênio.
Pires foi expulso ainda no primeiro tempo.
Na outra semi-final, o Dundee Utd. venceria o Espanyol também pelo placar de 2x0. O troféu seria disputado no dia 07 de agosto, em rodada dupla. A decisão foi precedida pela disputa do terceiro lugar, vencida pelo Valencia, nas penalidades. O jogo de fundo colocaria frente a frente dois times apontados desde o inicio como favoritos.
O troféu foi muito comemorado pelos jogadores e confirmava a boa fase dos rubros no ano. A premiação foi bem-vinda e além disso, o America voltava a ser notícia do exterior. Após algumas negociações, mais amistosos foram marcados, além do Torneio Colombino. Depois de uma vitória contra o Antequera e um empate em 0x0 com o Liñares, o America iria para a Itália.
Uma derrota para o Udinese, por 3x2 (no jogo que no Brasil chamou a atenção por colocar em lados opostos Zico e Edu) e um empate com o Napoli em 0x0, precederam a disputa do Torneio Colombino, na cidade de Huelva, de volta à Espanha. A derrota da semi-final para o Real Bétis, por 2x1, obrigou o time a disputar o terceiro lugar contra o Recreativo Huelva, dono da casa. Uma vitória por 5x1, com mais uma exibição de gala de Moreno, marcando dois gols, pôs fim à excursão, no dia 21 de agosto. Quatro dias depois, o America teria encontro marcado contra o Bangu, já pelo Campeonato Carioca.
O retorno ao Brasil foi muito comemorado, e acima de tudo cansativo. A derrota para o Bangu por 3x1 só mostrava o desgaste da viagem. Apesar de voltar para casa com $40 milhões de Cruzeiros. Só a folha salarial do time girava em torno dos Cr$12 milhões. Convertidos em reais, o valor arrecadado em premiações foi de R$1 milhão e 500 mil.
Os problemas não foram poucos. Contusões, perda do ritmo e assédio de times italianos e espanhóis a Luisinho e Moreno (à época com 21 anos), que depois da excursão ganharia a titularidade e camisa 10 do America, no lugar de Carlos Silva. Ao chegar ao Brasil, Luisinho fraturaria o nariz num treinamento. O impasse entre Carlos Silva e Moreno seria contornado com a escalação dos dois no time titular. Até a volta de Luisinho.
O título da Taça Guanabara, que antes da excursão era tão concreto, não cairia no nosso colo. Mas isso é tema para outra postagem.