Após o Mundial de 1934, torcedores revoltados atacaram o Palestra Itália

Raphael Evangelista
Enciclopédia das Copas
6 min readSep 19, 2022

Em 1934 o futebol brasileiro vivia um tempo de mudança entre o amadorismo e o profissionalismo. Para poder montar uma seleção para a Copa, a CBD precisou contratar os jogadores dos clubes, algo que não agradou dirigentes, como o do Palestra Itália, que para não ter de ceder jogadores, escondeu seus melhores atletas em um sítio.

Torcedores revoltados com a campanha do Brasil, elegeram o clube como um dos culpados e quiseram depredar a sede. O caso terminou em pancadaria e gente presa.

Contexto histórico de uma briga causada pelo bairrismo

É importante lembrar que o jovem esporte nacional, ainda amador, vivia basicamente dividido entre jogadores de São Paulo e Rio de Janeiro, as maiores potências do futebol nacional até então, pela quantidade maior de clubes, de jogadores, dirigentes e até mesmo uma questão geográfica.

Porém, a rivalidade sempre atrapalhou tudo. Por volta de 1914 começou a confusão. No Rio foi criada a FBS, a Federação Brasileira de Sports — que depois se tornaria de fato a CBF- enquanto que em São Paulo, haviam criado a FBF, a Federação Brasileira de Futebol, que era filiada à Confederação Sulamericana. A rivalidade entre os dois estados que já era grande na política, ganhava também uma disputa futebolística. E esse embate inicial durou até 1916 a rixa que só seria resolvida com a criação da CBD, no Rio.

E assim, entre o final da década de 1910 e toda a década de 1920, o Brasil tinha oficialmente uma seleção que disputava competições, amistosos e ganhava títulos, como a Copa América. Sempre contando com jogadores do Rio e de São Paulo.

Ok, nem sempre.

CBD x APEA — a queda de braço de 1930 e uma seleção carioca

E foi na década de 1930, o futebol brasileiro enfrentou uma ruptura que fez muito mal para a nossa seleção, em especial para a Copa do Uruguai.

A imprensa esportiva carioca e a CBD, acreditavam que era possível montar uma seleção forte para a recém criada Copa do Mundo, em São Paulo, como você deve imaginar, o discurso era parecido, mas defendendo os atletas paulistanos.

A confusão se deu quando a APEA (Associação Paulista de Esportes Atléticos) pediu para a CBD que se incluíssem dirigentes paulistas na comitiva que iria representar a seleção na Copa. Algo que foi sumariamente ignorado pelos cariocas.

Começava ali uma queda de braços, que pra resumir, fez com que a seleção de 1930 não tivesse um jogador paulista em seu elenco.

Ficaram de fora nomes como Feitiço e Friedenrich (apesar de veterano ainda um craque).

Amadorismo x profissionalização

Depois do fiasco da Copa de 1930, os paulistas até voltariam à seleção em amistosos e outros torneios. Até que em 1932, mais uma vez a política falaria mais alto e estouraria a Revolução Constitucionalista em São Paulo.

Os clubes ainda traumatizados pelos conflitos bélicos, não liberavam jogadores para a seleção. Enquanto isso, a seleção formada por cariocas impressionava o futebol Uruguaio (vencendo os campeões mundiais na Copa Rio Branco, jogando em Montevidéu e depois vencendo Peñarol e Nacional, também fora de casa).

Impressionados com jogadores como Leônidas e Domingos da Guia, os uruguaios quiseram contratá-los de seus clubes brasileiros.

Algo ainda inédito no amador futebol brasileiro, formado essencialmente por jogadores que tinham outros empregos e o que ganhavam no futebol era basicamente através de premiações de empresas, o famoso “bicho”.

Em 1933, pela primeira vez os clubes se tornariam oficialmente formados apenas por jogadores profissionais que viviam exclusivamente de jogar bola. Quem liderou esse movimento foi a FBF, enquanto a CBD ainda era uma entidade de futebol amador.

Em 1934 uma seleção desmembrada vai à Copa

E foi nesse cenário que chegamos à Copa de 1934, onde FIFA (e pra falar a verdade nem mesmo a CBD) reconheciam a FBF como entidade oficial e precisava de uma lista de atletas que iriam para a Itália.

Nessa altura, os melhores — os profissionais- eram ligados à uma entidade que teoricamente não era oficial. Imagina a confusão?

CBD e FBF até tentaram chegar num acordo para juntar amadores e profissionais. Uma das ideias que surgiram foi a mais simples de todas: pagar para os jogadores convocados irem para a Copa.

Mas aí quem não gostou disso foram os clubes e a FBF ameaçou desfiliar todo mundo que cedesse jogador para essa empreitada.

E foi assim que uma seleção que quase nunca jogou junta foi para a Itália, na base de jogadores sendo contratados para vestirem a camisa da seleção, como se fosse um outro clube.

Poucos foram os que cederam atletas e o Brasil foi formado basicamente por jogadores do Botafogo, São Paulo da Floresta e Vasco.

A seleção brasileira que foi à Copa de 1934, na Itália (Imagem: Museu do Futebol)

Enquanto muitos clubes não aceitavam a proposta de “ceder” jogadores, entre eles, o Palestra Itália, que para evitar que seus jogadores fossem assediados e contratados para jogar a Copa do Mundo, deu um sumiço em jogadores, entre eles o craque Romeu Lara, Gabardo, Junqueira e Tunga que chegaram a ser escondidos numa fazenda em Matão, no interior do Estado.

Na ocasião, a fazenda foi cercada de guardas armados. Como o lugar era tenebroso, assustando até os próprios jogadores, precisou que um diretor do Palestra Italia os transferisse para sua casa de praia.

Na Itália, o Brasil faria apenas uma partida, contra a Espanha. Como a Copa era disputada em um formato diferente, sendo apenas em partidas eliminatórias, perdeu, tchau.

Foi o que aconteceu.

3 a 1 para a Espanha e a seleção brasileira voltou pra casa.

Reprodução Jornal do Brasil

Como em 1934 as partidas não eram transmitidas por rádio, os torcedores ficavam sabendo do resultado por mensagem recebida via telégrafo.

Quando a mensagem chegava, afixava-se nos muros o resultado, para alegria ou desespero dos torcedores.

Naquele dia foi de tristeza.

Um dos locais onde a notícia chegava primeiro era no prédio dos Diários Associados, no centro de São Paulo.

Por uma curiosa coincidência, ficava exatamente no mesmo prédio onde era a primeira sede do Palestra Itália.

Revoltados com o placar da partida, os torcedores mais exaltados resolveram então descontar no clube e o pau cantou.

Era na rua Libero Badaró, no número 40 da época, na esquina com a Praça do Patriarca, que o Palmeiras teve a sua primeira sede. (Imagem: Trivela)

Uma nota do Jornal do Brasil do dia 29 de maio de 1930 traz a história completa do que rolou:

A INDIGNAÇÃO DO POVO PAULISTA CONTRA OS CULPADOS, EM S. PAULO, DA DERROTA DE ANTEONTEM

A Praça do Patriarca viveu hoje à tarde momentos de animação.

Logo depois de haver sido conhecido o resultado do primeiro tempo do jogo Brasil e Espanha (…) uma enorme multidão que apreciava os cartazes afizados nos “Diários Associados”, em cuo prédio, no andar superior, se encontra a sede do Palestra Itália, para ali se dirigiu em grande tumulto e gritaria.

Fizeram os presentes uma manifestação em desagrado ao Palestra Italia em virtude de sua atuação impedindo que o quadro nacional na disputa do campeonato do mundo pudesse contar com alguns dos seus elementos que, como se sabe, com o consentimento da diretoria teriam fatalmente seguido para a Italia. Quando se soube do resultado final do jogo em que os brasileiros perderam por 3 x 1, a multidão não mais se conteve e investiu contra a sede do Palestra que já então se encontrava fortemente guardada por guardas-civis e policiais.

A algazarra e a gritaria continuaram durante toda a tarde e até à noite, tendo sido efetuadas algumas prisões.

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Raphael Evangelista
Enciclopédia das Copas

Escrevo algumas coisas. Já fui redator lá naquele site das listas, adoro pizza, cachorro quente e paro a vida por um mês a cada quatro anos para ver a Copa.