Carta aos humilhados

quem és tu, que não é possuidor nem do céu e nem do inferno, que vaga pelas noites e que é maltratado durante o dia? por que contínuas a caminhar sem rumo por esses lados? não vê que nessas terras já lhe foi tirada toda a esperança? só lhe restou a revolta.

toma o céu de assalto, por enquanto ainda há tempo. toma o que é teu e lhe foi negado. tudo foi tirado de ti e dos teus, não lhe restou nada a perder. então toma o que é teu.

o inferno já está aberto. os demônios são nossos capatazes, são algozes do Deus desse mundo. O capital é dono desse mundo. é chegada a hora de ameaçar esse mau senhorio, que cobra um aluguel demasiado por nossa estádia.

se tu colhes e tu plantas, porquê se subjuga a mão perversa do patrão? se você constrói e fábrica porque dá o seu esforço para os cofres dos bancos? se você dá o seu tempo, combustível e suor para o aplicativo porque se resigna com os centavos que te dão?

no meio desses destroços fomos encaixotados, sujos e maltratados. só nos restou migalhas empoeiradas das riquezas que construímos e que nos foram roubadas. nos dividiram em gênero, etnia e cor para não nos unirmos em torno do que verdadeiramente somos: explorados. juntos podemos distanciar as marcas das injustiças mas separados não podemos afastar a exploração.

é chegada a hora de tomar o céu e decapitar os demônios. Fecharemos para sempre as portas do inferno, pois não há motivos para erguer o farol da culpa sobre nós. o paraíso está conosco, depois de limparmos as pestes daninhas teremos fartura. toda colheita será celebrada, toda construção será aplaudida e os males não escaparão a luz da justiça dos vagantes desse mundo. nós, os vagantes humilhados, seremos por nossas próprias mãos exaltados.

Texto escrito no dia 22 de setembro de 2020.