Cotidiano

Evelyn de Sá
Encontro Literário
3 min readNov 22, 2019

Levantei num pulo, peguei a primeira camiseta que vi e corri para o chuveiro. Decepção, esqueci de abrir o registro de água e só lembrei quando terminei de tirar a meia. Não tinha quem chamar, eu mesma teria que me enfiar na toalha e ir lá. Corri até a garagem, o vento da manhã ainda estava forte apesar do sol, já tão evidente. Penso que já deveria estar pelo menos na fila do terminal, num mundo bem ideal.

Saio correndo de novo para o chuveiro, pelo menos agora a água sai, mas gelada. Não podendo mais desistir, enfrento enquanto posso e saio tremendo como um cachorro em busca de uma calça e outra camiseta, desisti de ir de qualquer jeito. Me arrumo, até brincos grandes procuro, passo batom. Estou pronta, em teoria.

Desço a rua de forma mais rápida do que a habitual, me perguntando como consigo essa proeza apesar, de minhas pernas doerem.

Quando chego perto da esquina, lá vem o ônibus, lindo e belo. Me recuso a correr atrás dele, já corri demais, e perco. Durante a espera no ponto, me arrependo e xingo em pensamento, acompanhando o ir e vir de tantos carros.

“Pessoas sortudas, já estão em movimento e eu aqui parada tendo que depender de ônibus.” É o que me vem a mente toda vez que vejo um carro. De repente meu estômago me avisa que esqueci dele, e realmente tinha esquecido. Vasculho a bolsa atrás de uma bala, e encontro como era de se esperar — eu sempre tenho com o que passar o tempo.

https://www.deviantart.com/snatti89/art/Path-of-Miranda-Waiting-741772154

Começo a traçar rotas alternativas na mente, as alternativas que eu posso pegar que me deixam num ponto que passem mais opções de ônibus, penso se não é melhor ir de trem. Desperdiço o transporte que me levaria ao metrô, por falta de uma tomada de decisão rápida. Alternativa um vem vindo, mas está lotada. Alternativa dois não para, não dei sinal. Pegarei o terceiro que passar, seja qual for.

Ele chega. E ele vai para o metrô. Dou sinal, posso descer antes e pegar o ônibus certo onde tenho mais opções. Mas quando entro me arrependo, está cheio demais penso que não vou conseguir chegar na porta à tempo. Tento apreciar, pensar que é melhor estar em movimento do que continuar na parada.

Eu estava certa. Não consegui descer no ponto certo. Vou de metrô. Porém quando de fato desisti, o ônibus começa a parar, ele quebrou!

As lágrimas vem, o dia não poderia ter começado pior. Volto para a rota original, eu vou pro terminal, mas para isso preciso caminhar até a avenida. Coloco uma música para tocar, numa tentativa de me animar.

Continuo sozinha, na calçada, enquanto há tantos carros passando por mim. Repenso se não deveria ter ficado no ponto esperando aquilo que era meu caminho certo, do cotidiano. Tento relembrar da noite anterior, buscando uma explicação para eu ter me atrasado e não encontro. Já nem sei qual música está tocando, nem sei onde exatamente estou chegando. Me perco nos pensamentos até me dar conta que atravessei a rua, inutilmente. Tenho que voltar, e o sinal fica vermelho, para pedestres. Em um segundo de coragem (ou seria covardia?) insana, eu corro pela faixa para chegar ao outro lado.

Encontro o ponto de ônibus, enfim chego no terminal. A fila do trólebus já está mais vazia do que normalmente, olho no relógio digital e me arrependo. A manhã toda se resume na palavra: remorso.

--

--

Evelyn de Sá
Encontro Literário

Tenho dificuldades de respeitar o tempo verbal e isso diz muita coisa. Registros para que o momentâneo me sirva de lição, ou entretenimento.