E se começássemos a falar sobre menstruação com os nossos chefes?

Primeiro ciclo menstrual após 6 anos

Cátia Dourado
Encontro Literário
5 min readAug 9, 2020

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Pela primeira vez, eu e a Letícia Manosso estamos a escrever juntas. Eu na minha secretária da sala, ela numa mesa no jardim do prédio.

A minha lista de temas para escrever é infinita, e talvez fosse necessário 1 semana inteira para escrever sobre todos eles. Mas hoje vou pegar num dos temas mais atuais do meu dia-a-dia: como é menstruar de verdade após 6 anos de “pausa”?

A minha história com as pílulas já data de há 13 anos (fiquei perplexa agora com este número, porque corresponde a mais de metade da minha vida). 10 anos foi a idade em que tive a menarca (primeira menstruação), e após 10 dias sem o fluxo intenso parar, fui com a minha mãe à pediatria. Os médicos assustaram-se quando viram os meus olhos, uma vez que já indicavam princípio de anemia, tal era a perda de sangue. Rapidamente me prescreveram um pílula fortíssima para cessar o fluxo, que me provocou enjoos e mau estar tão fortes que tive de voltar no dia seguinte à pediatria para trocar a medicação.

Durante 2–3 anos, a pílula era a minha companheira todas as noites antes de ir dormir. O objetivo era regularizar os meus níveis hormonais e o meu fluxo. Mais tarde, já por motivos de acne e contraceção, voltei a tomar de novo.

Quando tocamos no assunto contraceção da mulher, rapidamente vem um nome à tona: “pílula”

E assim foi, durante 5-6 anos, tempo durante o qual não tive ciclos menstruais, que é exatamente o efeito biológico da pílula.

Devo confessar que nunca me senti totalmente confortável ao tomar, e falava disto com a minha médica, mas ela tentava tranquilizar-me dizendo que a pílula que me estava a receitar era a de menor dosagem hormonal do mercado, e por isso não tinha qualquer problema.

Há 1 ano, voltei a ter a mesma conversa com ela, e mais uma vez me desaconselhou a parar. Segundo ela, não havia vantagens em parar, e as vozes dos clínicos sempre tiveram muito peso nas minhas decisões de saúde.

Enfim, lá fui continuando, até que no início deste ano, o meu corpo começou a dar sinais. Sangramentos de escape a meio do ciclo menstrual tornaram-se recorrentes (talvez fosse um sinal de habituação do meu corpo àquelas doses hormonais mensais) e as famosas TPM’s tornaram-se mais intensas do que nunca, com uma instabilidade emocional bem forte. Tudo isto se aliou à diminuição de líbido, ao receio do risco de trombose e ao sentimento de opressão da minha feminilidade natural devido à ingestão de hormonas artificiais.

Há um mês, quando tive uma das tensões pré-menstruais mais intensas de sempre, com uma grande avalanche de emoções negativas, voltei a pensar seriamente neste assunto.

E após tanto tempo a colocar vírgulas nesta história, coloquei finalmente um ponto final.

Comecei a informar-me mais sobre este tópico, e através da recomendação da Sofia Hohmann do livro “Manual de Introdução à Ginecologia Natural” (que ainda não o consegui ler) cheguei ao podcast “Ginecologia Natural — por Bel Saide”, uma médica ginecologista que ajuda a desmistificar diversos pontos relacionados com o ciclo menstrual.

Primeiro mês sem hormonas artificiais

Os primeiros dias após parar a toma da pílula não foram muito diferentes. Só sentia que me faltava alguma coisa antes de ir dormir (que era a hora em que tomava diariamente). Depois comecei a notar um maior corrimento, cuja viscosidade mudou ao longo do ciclo menstrual; um inchaço diferente na barriga em alguns dias da semana que melhoravam quando fazia exercício físico logo de manhã; e uma menor instabilidade emocional ao longo das semanas. As bad vibes tornaram-se menos frequentes, não sei se por efeito da paragem da pílula, ou se devido ao maior autocuidado que tenho introduzido na minha rotina. O que mudou muito foi o meu acne: a pele voltou à sua oleosidade característica e as borbulhas começaram a saltar por todo o lado.

Desde Domingo passado que ando especialmente atenta às transformações do meu corpo. Afinal, esta seria a semana que supostamente iria menstruar.

  • O acne intensificou-se
  • A cor do corrimento alterou dois dias antes da menstruação, ficando ligeiramente rosado
  • Um pequeno incómodo no baixo ventre começou a aparecer
  • A fome apoderou-se de mim de uma forma incontrolável, e tinha de comer quase de hora a hora
  • Os 5 sentidos ficaram mais apurados que nunca, sentindo os cheiros e sabores de forma muito intensa mesmo!

E finalmente a menstruação veio. Fiquei tão, mas tão feliz! Li e ouvi vários médicos e testemunhos de pessoas a dizerem que podia demorar meses até à primeira menstruação vir, e a minha veio logo após 32 dias.

Mas se a TPM foi bem mais soft este mês, o primeiro dia de menstruação foi bem pesado. Dores muito mais fortes do que as que tinha antes, uma sensação de fraqueza descomunal e muita desconcentração. Só me apetecia estar em casa, recolhida, a descansar.

Ainda pensei em falar com a minha CEO sobre isto, e pedir-lhe para ir para casa, que compensaria o trabalho noutro dia. Mas o receio de tocar neste assunto falou mais alto. Afinal, não é comum falarmos sobre estes assuntos com os nossos chefes.

Transparência, honestidade e abertura são 3 aspetos que ando a trabalhar junto dos meus colegas de trabalho e patroa, mas há tópicos que tenho receio de abordar. Este evitar de tocar em determinados assuntos é comum na nossa sociedade, mas não é normal! E contra mim falo que devia ter conversado sobre isto… Enfim, uma crença a descontruir!

E agora que penso nisso, se as primeiras mudanças começam em nós, qual a transformação que veríamos se cada uma de nós começasse a falar sobre estes assuntos mais abertamente, mesmo com os seus chefes?

Fico a imaginar um mundo em que nós mulheres poderíamos olhar e conversar sobre a nossa ginecologia e ciclo menstrual com mais naturalidade, e aproveitando todos os benefícios de respeito para com o nosso corpo.

Fico a imaginar um mundo que aceite a não linearidade da mulher em todas as esferas da sua vida, incluindo no nosso local de trabalho. Afinal, cada uma de nós é um ser cíclico, que ora tem dias mais produtivos e enérgicos, ora necessita de maior recolhimento e descanso.

Olho para o céu, e vejo que nem sempre é azul. Se nem a Natureza é linear, porque exigem que sejamos? Porque exigem que estejamos sempre bem-humoradas, bem-dispostas, com paciência e produtivas?

Enquanto isso, continuo embarcada nesta viagem de autodescoberta e de autoconhecimento. E acredito que ter abandonado as hormonas artificiais tenha sido uma decisão importante para conhecer o meu feminismo de forma mais natural e profunda!

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