Meninos não aprendem a amar

Nhaguere Caoa
Encontro Literário
4 min readJun 22, 2020

Eu não aprendi a amar. Aprendi a replicar o que os amantes diziam ser amar, mas eles também não sabiam amar. Então, fingi aprender e meus tutores fingiram ensinar.

Photo by Bonnie Kittle on Unsplash

Meninos crescem ouvindo que devem se aventurar apenas em regiões onde seus pequenos faróis podem iluminar. O problema é que só pode haver luz se a chama queimar e meninos não são ensinados a alimentar suas chamas. Os pequenos faróis crescem iluminando muito pouco, não conseguem clarear curvas a dois palmo de distância de suas bases. Meninos não aprendem a entrar em um barco e a zarpar para o mar, muitas vezes nem sabem da existência da água que jorra além da praia onde foram ensinados a estar.

Quando aprendem a se orientar pelos oceanos, e finalmente encontram o novo mundo, não sabem por onde caminhar. Gostaria de saber se existe uma maneira certa de tocar e ser tocado, pois certamente existem um milhão de maneiras erradas. Mesmo quando a intimidade está presente a cabeça traça rotas para fora do momento. Meninos são ensinados a usar uma bússola que aponta para o lado errado.

O norte que lhes foi apresentado mostra um teatro performático, uma ficção de uma máquina que deve sempre estar pronta para realizar uma função massiva e repetitiva, que precisa estar sólida, indestrutível, que tem que saber o que está fazendo e dominar ferozmente o objeto, digo, a pessoa, era para ser uma pessoa, entretanto a bússola diz que é objeto, a bússola aponta, ela ordena para que se cumpra a programação da máquina menino homem machista, que embora pareça ser feita de fábrica ela não foi incorporada no momento da concepção, o programa foi instalado com atualizações frequentes durante o crescimento da máquina, mas era para ser menino, agora é máquina. O menino se perde.

Meninos se perdem quando chegam no novo mundo. A bússola os confunde. Mesmo quando a intimidade está presente a cabeça traça rotas para fora do momento, não dá tempo de parar os pensamentos. Não dá tempo de respirar. Veem tudo desesperadamente entre vírgulas, sem ponto final. Meninos são ensinados que o final só é final na hora de gozar. Meninos não aprendem a amar. Aprendem a fazer de tudo para gozar. Apenas para se fazer gozar.

Mesmo se saírem do raso e explorarem o relevo do corpo do outro, meninos tem que lidar com a constante frustração de admitir para si mesmos que, diferente de tudo que lhes foi ensinado, não conhecem o corpo do outro. Não existem matas virgens e meninos não são aventureiros que vão por uma bandeira no cume de um morro. Mesmo quando meninos saem do raso precisam aprender que a aventura se faz com o outro, junto com o outro. Mas meninos ainda teimam em uma ideia de aventura que se faz só.

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Acredito que algumas histórias envelhecem mal. Talvez seja o caso dessa sobre meninos e o amor. Sim, esse é aquele tipo de momento em que o escritor resolve interferir no curso da narração. Acho que essa história precisa ser recontada. Vou tentar um recomeço para longe dos clichês. Para longe do “era uma vez”, que faz parte da direção que aponta a tal bússola que é dada aos meninos e que finaliza as histórias com um cruel e irreal “felizes para sempre”. Prefiro recomeçar com uma suposição, mas vou precisar de sua imaginação vamos tentar algo além do que temos hoje em dia.

Supondo que de um nascimento de um menino, como outro menino qualquer, houve algo diferente: Esse menino aprendeu a amar. Seus tutores o ensinaram a amar, pois antes de ensinar também aprenderam, portanto, quando esse menino cresceu ele também soube ensinar.

Por saber amar, nosso menino colocou lenha em seu farol, acendeu sua chama bem forte, e iluminou a distância necessária para ver os contornos de um continente fantástico. Ao invés de entrar em um barco, nosso menino percebeu que não havia nada para ser conquistado. Ele deixou a luz do farol guia-lo e se tacou na água, ele se deixou molhar.

No mar, encontrou o corpo nu do outro. Juntos brincaram de ser crianças, riram e nadaram até o continente que tinham avistado. Não nomearam o continente de novo mundo, na verdade não deram nome nenhum. A brincadeira não permitia se apossar de nada que não fosse seu e como o menino e o outro sabiam brincar e amar eles se deixaram sentir. Se deixaram conduzir. Tocaram cada pedra, cada fruto e cada dobra. Depois de tocarem, sentiram os sabores e os aromas de cada detalhe. Se permitiram se aventurar de mãos dadas. Não havia mata de curupira. Cada passo que se dava os conduzia para uma só direção: a do amor.

Por enquanto é só uma história fantástica, quem sabe um dia a vida não imita a arte e possamos contar histórias de meninos que realmente sabem amar. Até lá, vale a pena sonhar.

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Nhaguere Caoa
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