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O avesso do amor

Ismael de Lima Vieira
Encontro Literário
4 min readMar 24, 2020

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Já parou para pensar em como as coisas extremas podem assumir a forma avessa muito facilmente? O riso vai morrendo, a seriedade se estabelece empobrece e se torna a tristeza.

Qual seria então o sentimento mais perigoso que ao senti-lo poderia acarretar consequências lastimáveis se o avesso encontrar-lhe? Isso, a paixão, sentimento fogoso capaz de entorpecer e deixar loucos os mais moços pela inexperiência na vida.

Certa vez conheci um moço apaixonado, estava doente de paixão, e tudo era luz para ele, e é claro que nos lábios dele só brotavam palavras que tinham sua raiz na sua amada, e os brotos a deixavam imaculada como se uma deusa do Olimpo tivesse abandonado aquele recinto para viver entre os mortais.

O guri estava vivendo um bom momento, eu cá com meus pensamentos analisava sucessão daqueles curiosos acontecimentos. O rapaz era boa pessoa, só imaturo, coisa normal num jovem, trabalhava o dia todo numa fábrica que ele pensava ser um estorvo, pois roubava o tempo que queria passar ao lado dela.

Bem ligeiro, aproximou-se da família da moça, e com a voz insossa pediu a mão para o seu pai, o velho com seu jeito bem gaúcho permitiu com condições específicas, pois não queria mais problemas na família.

A felicidade do menino multiplicara, agora junto dela ele sonhava com um recanto particular; não tardou e com seus palitos conjecturou um cantinho para os dois, arrumou um emprego na fábrica para ela e estava no ápice de seu sonho magistral.

Todos que o viam com ela tinham a certeza que a vida é bela e que o futuro seria bom, mas vida pode ser mesquinha e é claro que também há beleza na tragédia, para ver é preciso um coração costurado talvez com alguns remendos adaptados para continuar na sua função.

Os dias passavam, a paixão dele não, certa feita ela adoeceu, e não pudera mais ir ao trabalho, ele pensava nela durante todo o expediente, longe dela se sentia incompleto e ineficiente. Ainda doente, ela começou o evitar, quando ia deitar ela sempre já havia adormecido, o coração dele estava inseguro; será que devo leva-la ao médico? Se perguntava, não sabia os sintomas ao certo, sabia da indisposição, das reclamações e das dores de cabeça.

Preocupado um certo dia, foi ao melhor restaurante da cidade, encomendou a sopa mais cara e quis levar para ela almoçar, saiu mais cedo do trabalho para com ela mais tempo conseguir passar, mas antes de entrar escutou uma voz incomum, da fresta da janela do quarto pode ver a cena insana, sua musa na cama com outro, mas não era qualquer um, era seu melhor amigo, seu braço direito a quem recorria para conselhos, a quem enchia a boca para elogiar tal bela que agora já não estava tão bela assim. Naquele instante sua paixão ferveu, morreu e renasceu como ódio; esse clamava por vingança, então ele afogou suas boas lembranças, correu buscar seu 38, com seu sutil coice na porta o imbecil avisou os amantes que chegara, e antes mesmo que conseguisse carregar a arma, o corajoso já tinha se oposto a ficar e sairá correndo com as calças no ar.

Dois tiros perdidos na mesma direção do traidor não conseguiram aliviar a dor, e agora restava a traidora que em prantos pedia por misericórdia, é claro que ele pensou que um tiro na mente da desleal seria o justo e o destino fatal, porém pensou também que a própria vida já não valia e que se estourasse os próprios miolos a dor cessaria, e a dor dela continuaria como fardo eterno, das opções nenhuma fez, foi embora esfriar o sangue.

É claro que não atirou por um motivo, um farelo de paixão havia restado e mesmo estando exaltado sentia a falta da moça, o que faria agora? O que havia sobrado?

O outro dia nasceu morto e chovia era tão escuro que ninguém sabia se realmente amanhecera, o guri se levantou do ninho que fez da dor e pranto, vestiu-se e foi ter com a bela, andou cerca de dez quilômetros na tempestade e chegou na casa do pai dela, chamou por ela na porteira então depois de muito movimento na soleira, surge ela que se esgueira com um guarda-chuva, depois de toda aquela labuta ele clama por último beijo, ela com lágrimas nega, e o ultimo farelo se entrega, a raiva o consome, mas como homem havia prometido ao pai dela nada de mau causar-lhe, rangendo os dentes e cerrando o punho ele caminha de volta, de fundo os gritos dela pedem que volte, que ela concedera seu desejo e que talvez até mais se conversarem, ele já não pode a escutar, em sua mente está a esganar e seus gritos tem outro sentido, em dois minutos de caminhada, já mudou o lábio tremido por sorriso, pois já acabou de a matar.

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Ismael de Lima Vieira
Encontro Literário

Graduado em letras, amante da literatura, busco encontrar-me como escritor. Contato: izma.vieira@gmail.com