Referências
Numa tarde de quinta feira, um carro vermelho surge na Radial Leste sentido centro da cidade, faz o retorno e vai em direção a estação Carrão. Procura um local para estacionar e encontra rapidamente, a pessoa que o conduz abre a porta do carro que revela a trilha sonora (“Helena” do My Chemical Romance), assim coloca seu all star amarelo na rua, enquanto desliga o som e pega sua bolsa. Aperta o alarme do carro e encara um prédio em construção — ou só o céu. O vento se intensifica, e ao perceber fecha seu casaco verde e apressa o passo enquanto os chaveiros de sua mochila balançam. Ao chegar na estação procura uma música para tocar, a dúvida é cruel entre Vespas Mandarinas e Asking Alexandria, no fim decide pelo aleatório e encontra uma música romântica em inglês.
O vento mostra que a chuva está próxima, pessoas caminham em sua direção oposta com muita pressa. Pensa se chegou no horário, vê que o atraso é impossível porque a vontade da recompensa é maior.
Senta no chão, se prepara para a inevitável longa espera, afinal chegou cedo demais. Vasculha a mochila, em meio aos livros puxa um caderno e um lápis, decide escrever e desenhar para passar o tempo. O ir e vir das pessoas se intensifica, ouve pedaços de diálogos e começa a anotar palavras em destaque.
“Belém”, “Heineken”, “Tolstoi”, “Poesia”, “Teatro”, “Sólido”, “Maconha”, “Ódio”. Começa a refletir no quanto herdou esta mania e de como aprecia mais quando a idealizadora o faz, tem mais graciosidade. O poder que ela tem com as palavras é mesmo alinhado e ao mesmo tempo emaranhado, mas faz sentido quando ela explica.
Começa a buscar representações das palavras com personagens conhecidos, em suas preferências há muitas opções. Se empolga e percebe que pulou uma página do caderno, anota um lembrete: “Reservado para ela”. Não sabe se a reserva é para um retrato ou poema, mas tem certeza que tem que ser para uma criação inspirada em sua musa. Se antecipa e pensa no resultado, a reação que ela sempre tem quando recebe algo: a risada.
Já não sabe quanto tempo se passou até que um par de All Star roxo se aproxima, num susto levanta a cabeça porque não os reconhece. É ela. A mulher do sorriso que fica na memória. Aquela por quem vale a espera, faz tantos anos. Ela estende a mão para que se igualem.
Num pulo, surge o abraço esperado.
- Eu tava com tanta saudade! — ela diz quase sem dizer, sem fôlego pelo aperto
- Eu estava mais, com certeza. Quase morri, vê como estou doente de saudade?
Ela dá risada, e continua na sua incógnita.
Se distanciam e é nítido como a presença fez falta, as pupilas dilatadas em pares denunciam o que nem estava escondido. Bolsas são trocadas, dedos são entrelaçados.
- E esse tênis novo? Não quer ser reconhecida? — a curiosidade é maior
- Ah, eu quis algo diferente. Preciso de novas referências — ela responde e ri
Não tem mais diálogos, a pausa é interrompida por um beijo. Fazia parte da recompensa.