Cinema e educação: o desafio do diálogo

Educação e cinema são sabidamente duas áreas com muito potencial de interlocução, especialmente quando se pensa em práticas pedagógicas que saiam do formato tradicional de aula expositiva e que estimulem uma análise crítica dos estudantes. Entretanto, além do escasso tempo de aula e da infraestrutura escolar muitas vezes precária, outro problema dificulta um uso eficiente desse recurso na escola: a falta de planejamento.

Cena do filme “Detachment” (2011)

O uso de recursos audiovisuais, especialmente de longa-metragens, pode ser subestimado e até mesmo feito de maneira inadequada se os professores não perceberem o quanto a linguagem cinematográfica tem a falar aos estudantes. Alguns professores podem cometer o erro de acreditar que os filmes são apenas uma “recompensa”, uma “folga” para os estudantes, deixando passar a oportunidade de criar uma discussão sobre diversas questões sociais, históricas, geográficas, artísticas, linguísticas e, até mesmo, biológicas, químicas ou matemáticas apenas pelo fato de não planejar uma aula que dialogue com o filme selecionado. Se o filme foi uma escolha coletiva com a classe, vale a pena conhecê-lo melhor para verificar se e quais diálogos podem ser feitos com o conteúdo didático.

Para além dos filmes avulsos que podem ser passados em sala de aula, é possível pensar em estruturar um projeto de longo prazo para ser trabalhado na escola. Uma sequência de filmes ou mesmo de curtas, durante o semestre, que tenham relação entre si é um modo de criar uma lógica na exibição deles (se assim o tempo permitir), desenvolvendo nos estudantes a capacidade de leitura crítica da narrativa audiovisual, do som, da imagem e da criação de narrativas. Quanto mais coletivo o projeto, mais chances de dar certo: caso outros professores se engajem na atividade, é possível selecionar filmes ou curtas com potencial de trabalho interdisciplinar, com exibições ocorrendo em diferentes disciplinas, sem prejudicar o tempo de apenas uma.

Cena do filme “Sociedade dos poetas mortos” (1990)

O debate é a parte essencial da exibição de qualquer obra audiovisual, visto ser o momento e a oportunidade para estudantes exporem suas percepções e compará-las entre si, criando uma interpretação que se enriquece coletivamente. O cinema é a convergência entre som e imagem em movimento. Portanto, é natural que seja possível ter várias percepções diferentes acerca de uma mesma obra audiovisual ou, até mesmo, de uma mesma cena. Consequentemente, muitas pessoas terão diferentes percepções sobre uma série de fragmentos que podem ser interpretados de maneiras muito particulares pela subjetividade de cada indivíduo. Sendo assim, o debate tem a função de desenvolver não só a capacidade crítica e analítica do estudante, como também sua capacidade comunicativa e sua sensibilidade ao que absorve e apreende.

Cena do filme “Elefante” (2003)

O recurso audiovisual já é utilizado como meio educativo, mas a maneira de se utilizá-lo pode ser melhorada em alguns casos. Se não há planejamento no uso desse recurso, não há prática pedagógica. O estudante que não é adequadamente educado para a leitura do audiovisual em uma sociedade onde o audiovisual torna-se cada vez mais consumível através dos aparelhos celulares está fadado ao fracasso na recepção, na interpretação e na difusão de mensagens e informações que se relacionam a esse meio. O diálogo entre educação e cinema é necessário.

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Encontros com a Arte e os Artistas
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Blog de reflexões da disciplina ‘Encontros com a Arte e os Artistas’ da Escola de Comunicações e Artes da USP

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