Laís Matias: arte e afeto

Marcelle Matias
Encontros com a Arte e os Artistas
4 min readJun 14, 2019

No dia 7 de maio, os discentes da turma de Licenciatura em Educomunicação tiveram a oportunidade de conhecer o trabalho da artista Laís Matias. Laís foi convidada por Ivo Dias, Marcelle Matias, Marcia Gabriella e Vanessa Elias para dar uma aula na disciplina CCA0300- Atividades Teórico-Práticas de Aprofundamento III, ministrada pela professora Maria Cristina Castilho Costa (vice-chefe do Departamento de Comunicações e Artes da ECA-USP).

Laís é estudante de artes visuais na Universidade Estadual Paulista (UNESP-SP). Além de ser estudante, ela atua como professora no Cursinho Livre da Norte, localizado no Vila Nova Cachoeirinha, zona norte de São Paulo e trabalha no programa Curumim, no Sesc Santana. Na aula, a artista mostrou seu trabalho, suas perspectivas em relação a arte e a academia e, além disso, apresentou suas referências artísticas.

Segundo ela, a adolescência foi um dos períodos mais empolgantes e importantes para o sua formação individual.

Fui uma criança muito tímida, com poucos amigos e que adorava desenhar. Meu mundo era muito calmo e limitado, tudo se resumia ao caminho de casa para a escola. Foi na adolescência, junto ao ensino médio que este mundo girou de cabeça para baixo.

(MATIAS, 2019, p.15)

Ela também relata que a adolescência foi uma época crucial para seu fortalecimento enquanto pessoa negra e lésbica. Sendo o desenho uma de suas paixões desde a tenra infância, Laís, em sua adolescência, adquire o gosto de confeccionar cadernos (sketchbooks) para que ela pudesse desenhar e explorar suas habilidades e as diversas linguagens que a arte proporciona. Durante a aula, tivemos o privilégio de conhecer esses cadernos e sua identidade na época da adolescência.

A partir de então, ela passa a expressar, através dos desenhos, seus sentimentos, suas dúvidas e discussões cotidianas sobre lesbianidade e negritude, expandindo, a partir daí, suas técnicas. Dos desenhos feitos no caderno, ela passa a utilizar as tintas. As telas de Laís transbordam sua identidade, sua visão de mundo; elas trazem consigo um sentimento profundo de afetividade, força e serenidade. Suas artes tocam sempre a grandeza da mulher negra, a beleza do amor e união entre essas mulheres e as problemáticas do racismo estrutural. Algumas de suas obras que reverberam essas características são ‘Tarde’ (2017) e ‘Cena de Crime I’ (2018).

Tarde (2017)

VIVÊNCIAS E DINÂMICAS

As universidades ainda são espaços moldados por perspectivas autoritárias e elitistas; ocupados, majoritariamente, por pessoas brancas pertencentes à classe média/alta. É fundamental ter conhecimento de tal dado, para que se possa entender como estão inseridos determinadas visões “educativas” e artísticas nas academias de artes, que acabam por invisibilizar tanto produções de pessoas negras quanto seus repertórios no meio artístico.

Compartilhando suas vivências acadêmicas e artísticas, Laís relata que a arte ainda é um espaço predominantemente elitista e branco, como as universidades. Deste modo, a questão da resistência é, constantemente, vinculada ao seu modo de agir dentro do meio artístico — o que não é visto com bons olhos por muitos. Além disso, Laís comenta, durante a aula, a importância de enaltecer e atuar junto com outros artistas pretos. No seminário, ela apresentou algumas de suas referências, como: Malokêarô (@Malokêarô), Pegge Lo fino (@pegge_) e Dalton Paula.

Conforme me aprofundei nas conversas sobre lesbianidade e negritude aprendi a me amar, a reconhecer minha história e isso me deu muita força para amar outras mulheres negras. Reconheço nelas a grandeza de um povo, a minha grandeza. Me relacionar com mulheres negras, romanticamente ou não, assim como estar em espaços de maioria preta, priorizá-los, valorizá-los e construir coisas neles, foi uma decisão política.

(MATIAS, 2019, p.16)

Cena de Crime I (2018)

No final, Laís convida os alunos de Educomunicação para participarem de uma dinâmica. A proposta foi que todos construíssem um desenho coletivo, como se fosse uma história, em que cada um teria que contar e desenhar como havia sido caminho de casa até a Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP). A dinâmica se parece com um episódio da animação ‘Clarêncio, o Otimista’, em que Clarêncio e seus amigos decidem fazer um desenho juntos para contar uma história.

A atividade veio com o objetivo de trazer e praticar a ideia de que se pode aprender a desenhar coletivamente, a partir da observação e da troca de ideias. Foi uma proposta bastante educomunicativa; a educomunicação está entrelaçada a ideia do aprender e produzir coletivamente, expandir e melhorar as formas de se comunicar nas mais diversas linguagens. Através dos nossos desenhos, pudemos analisar conjuntamente como cada colega de turma enxerga o trajeto diário até a faculdade, pudemos, de certa forma, observar as visões de mundo de cada um. É importante realçar que o encantamento gerado pela arte está envolvido constantemente com a subjetividade do ser humano, com a formação de sua identidade — uma discussão importante em nossa graduação.

Além da arte ser uma forma de expressão da identidade, é uma forma de resistência que a própria identidade encontra e se regenera junto dela, é fortalecimento do ser humano. Laís é uma artista que consegue transmitir todos esses aspectos em suas produções — seus quadros e desenhos chegam a emocionar, nos convidam a olhar as formas que o amor e o afeto agem, como se constituem as relações. São imagens, que ao representarem situações cotidianas de amor, aquecem nossos corações.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

PEDROZO, Laís Matias de L. Artes Visuais: quando eu desenho, eu já falo de mim?. Revista Tia Concha: respeita, que é sapatão, São Paulo, 3 ed., p. 14–19, jan 2019

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