Minha vó era palhaço: com Mariana e Denise Gabriel

Marcelle Matias
Encontros com a Arte e os Artistas
4 min readJun 24, 2019

Há quem diz que a época do circo já se foi. Há quem diz que “ninguém mais vai em circo” e que os espetáculos circenses são entretenimentos antigos, coisas ultrapassadas. Porém, contudo, o circo, querendo ou não, é potente no Brasil e é considerado uma das mais grandes influências para a formação da identidade artística e cultural brasileira.

No dia 19 de março, os graduandos do curso Licenciatura em Educomunicação da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) receberam como convidadas, para ministrar uma aula da disciplina CCA0300- Atividades Teórico-Práticas de Aprofundamento III — ministrada pela professora Maria Cristina Costa Castilho (vice-chefe do departamento de Comunicações e Artes da ECA-USP) –, Denise e Mariana Gabriel, duas mulheres que pertencem a uma família de tradição circense.

O circo é uma manifestação cultural e artística desde os tempos mais antigos. Seu encantamento está nas cores vivas das lonas, nas músicas contagiantes, nos risos da plateia, nos palhaços e malabares. As dinâmicas e seu estilo de arte circense tem grande influência no início da formação do cenário cultural brasileiro. Essa corrente artística chega no Brasil no século XIX, com famílias vindas do continente Europeu. Ao adentrar em território brasileiro, o circo se revela através dos grupos de pessoas que viviam na estrada, indo de cidade em cidade, realizando as apresentações. Esses grupos eram compostos, na maioria das vezes, por ciganos, ilusionistas e, claro, por palhaços.

O palhaço, figura de maior prestígio e principal símbolo na cultura circense, possui características específicas no território brasileiro. A cultura do circo, quando chega ao Brasil, configura-se de diversas formas e um dos resultados disse processo, foi a figura do palhaço brasileiro. De modo cômico, o palhaço no Brasil é reconhecido como um personagem que tenta “colocar a ordem” no picadeiro, de forma atrapalhada. Diferente do palhaço criado na Europa, que trabalha mais com as técnicas de mímica, o palhaço brasileiro é caracterizado como uma figura mais falante, utilizando a música e piadas durante a sua apresentação.

Segundo Mariana Gabriel, ao analisar a extensa história do circo, consta apenas o protagonismo e a narrativa de famílias circenses compostas por pessoas brancas (descendente de europeus) e um apagamento do povo brasileiro na formação dessa história — principalmente de pessoas negras. Além disso, o dia 27 de março, comemora-se o dia do circo, devido ao nascimento de Piolin (1897–1973), o palhaço mais reconhecido e aclamado no meio circense. Desta forma, poderia-se considerar uma evidente problemática: a história do circo é constantemente narrada e representada, na maioria das vezes, por homens e famílias brancas — limitando assim a riqueza da história do circo e sua grande influência na identidade cultural brasileira — sendo que, na realidade, a trajetória do circo brasileiro possui fortemente a participação de pessoas negras em sua formação.

Denise e Mariana decorrem, durante a aula, uma outra perspectiva do circo brasileiro — onde existe o protagonismo de famílias circenses compostas por pessoas negras e brasileiras –, fazendo paralelo com a história da própria família. Mariana, que além de atuar nos picadeiros como palhaça, trabalha com audiovisual. A artista exibe na sala de aula “Minha vó era palhaço”, um documentário dirigido por ela e Ana Minehira. A obra relata a vida e trajetória de Dona Maria Eliza Alves dos Reis, avó de Mariana.

Dona Eliza foi a primeira palhaça mulher e negra do Brasil. Ela era conhecida no meio circense como “Xamego”, principal atração do Circo Guarani — que pertencia a família de Mariana. Nos anos 40, mesmo Dona Eliza sendo uma palhaça, a artista encenava Xamego como um palhaço masculino. Maria Eliza Alves dos Reis foi um grande nome na cultura circense no Brasil. Toda a sua trajetória e carreira no circo significa resistência, por ter de enfrentar o racismo e o machismo em sua época. O picadeiro era seu espaço de performance e combate, um local de questionamento.

O circo seria um espaço propício onde o palhaço reinterpreta o mundo e as contradições que nos cerca. É importante ressaltar uma das falas indispensáveis da professora Cristina Costa: “se não sabemos rir, não sabemos ser sérios”. O humor é essencial na cultura brasileira, é como toda arte uma forma de crítica e questionamento. Sendo assim, o humor torna-se essencial para a educação. É a partir desse ponto, entre arte, humor e leitura crítica, que encontramos a potencialidade do circo na Educomunicação.

Palhaço Xamego, performace de Dona Eliza Alves dos Reis

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