Num piscar de olhos

Oito horas foi o tempo necessário de exposição à luz do sol para que surgisse a primeira fotografia registrada na história da humanidade, em 1827, obra do inventor francês Joseph Nicéphore Niépce. Entretanto, as pesquisas sobre todos os complexos processos que envolvem a fotografia já haviam começado há muito tempo. O registro escrito mais antigo do conceito de “câmera escura”, por exemplo, data do século IV a.C., na China, o que significa que foram necessários séculos até que a França conseguisse fazer o primeiro registro fotográfico. E, nesse processo, oito horas de “revelação”.

Le point de vue du Gras de Nicéphore Niépce, 1827

Com a evolução dos processos e aparelhos tecnológicos envolvidos na fotografia, ela começou a se tornar mais do que experimento. Os primeiros fotógrafos podiam registrar paisagens e, posteriormente, retratos. Devido às limitações da época, só era possível fotografar o que estivesse imóvel, como se fosse mesmo uma pintura. O movimento ainda não era registrado nas fotos.

Joinville-le-Pont, near Paris, 1938

Mas foi a partir das experimentações do fotógrafo Henri Cartier-Bresson que isso mudou. Por volta da década de 1930, as fotos de Cartier-Bresson se tornaram um clássico da fotografia exatamente pelo seu olhar moderno, que registrou, de maneira inédita, momentos de movimento, e não estáticos como se fazia até então.

Não é coincidência que Cartier-Bresson seja considerado o pai do fotojornalismo: a agilidade exigida para se acompanhar a cobertura de notícias precisava de um olhar que seguisse o mesmo ritmo veloz dos centros urbanos, o que movimentou toda a dinâmica de arte e de mercado que envolvia a fotografia. Embora muito mais veloz do que as oito horas de espera para “revelação” da primeira foto, em meados do século XX ainda havia certo delay entre o momento em que a foto foi tirada e a revelação dela, que podia conter diversas surpresas: nem sempre as fotos saíam como esperado.

Entretanto, as tecnologias evoluíam a uma velocidade exponencial e o mesmo aconteceu com o processo de fotografar: o surgimento de câmeras instantâneas (polaroid) e das fotografias digitais ocorreram na metade do século XX. Em uma sociedade da imagem, isto é, em uma sociedade cuja cultura é dominada por imagens e na qual a mídia cria narrativas através da manipulação delas (Fridman, 1999), a evolução e a popularização da produção em massa dessas imagens seriam consequências naturais. Não só a mídia explorava mais e mais o uso de imagens (e suas manipulações) para comunicar, como também pessoas que não eram profissionais começaram a ter suas máquinas fotográficas amadoras, fazendo seus próprios registros pessoais, o que impulsionou o desenvolvimento dessas máquinas. Em um sistema que se retroalimenta, desenvolvimento e consumo (tal qual em um jogo de pergunta e resposta, ação e reação) passaram a acontecer com cada vez mais velocidade, em um espaço muito menor de tempo.

A partir dos anos 2000, já era possível tirar fotos com aparelhos celulares, que foram se desenvolvendo cada vez mais para produzir imagens ainda melhores. A facilidade de se tirar uma foto tornou o ato de produzir fotografias (e, consequentemente, de descartá-las) muito mais rápido, muito mais efêmero e muito mais malicioso, já que a prática leva à perfeição e a fotografia, como dito anteriormente, passou a significar não só o registro, mas também a criação de narrativas.

A evolução da fotografia (enquanto tecnologia, arte e hobby) diz muito a respeito da evolução da sociedade como um todo. A fotografia ensina a olhar/apreciar e a narrar sem usar palavras. Embora tenha sido a princípio muito lento, a velocidade com que essa arte e tecnologia passou a evoluir do último século até hoje mostra como as informações são produzidas e circulam cada vez mais rápido, tanto quanto o deslizar do dedo na tela do celular em um aplicativo para fotos: uma após a outra produzidas, divulgadas e consumidas constante e incessantemente.

Referências

https://www.niepce-daguerre.com/le_point_de_vue_du_Gras..html

https://blog.scienceandmediamuseum.org.uk/introduction-camera-obscura/

FRIDMAN, Luis Carlos. Pós-modernidade: sociedade da imagem e sociedade do conhecimento. Hist. cienc. saude-Manguinhos, Rio de Janeiro , v. 6, n. 2, p. 353–375, out. 1999 . Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-59701999000300007&lng=pt&nrm=iso>. acesso em 13 maio 2019. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-59701999000300007.

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