O efêmero materializado: videoperformance

Durante a Ditadura Militar brasileira, entre as décadas de 1960 e 1980, a perseguição às artes e a toda forma de pensamento crítico e político era intensa e implacável. Restava aos artistas usarem a criatividade para achar uma solução para continuar se expressando, ao mesmo tempo em que driblavam a censura e sem deixar de se adaptar ao público. Era necessário que houvesse a desmaterialização do objeto artístico para que sua captura fosse mais difícil e para que sua produção fosse mais simplificada, exigindo menos recursos. A contra-cultura passa a adotar com muito mais força a performance artística.

Como tal, sua arte era exibida, ou melhor, performada apenas para o público presente naquele momento: era “aqui e agora”. Era, portanto, “efêmera” no sentido da materialidade. Aliás, a efemeridade é condição sine qua non para que haja a performance. Ela pode ser repetida, claro, mas é única a cada momento — tanto para quem faz, quanto para quem aprecia.

Para ser feita, basta apenas o corpo do artista e o público para assistir. A inclusão de outros elementos é opção do artista. Portanto, a performance era viável em um período em que o fazer artístico era não apenas ignorado, mas reprimido.

Tratando-se de uma performance, ela, além de efêmera, é também flexível: pode ser uma declamação, uma coreografia, uma apresentação musical, tudo isso ou nada disso. Mas é a produção artística que acontece imediata, diante do olhar do espectador.

Entretanto, outras partes do mundo não sofriam uma censura ditatorial e ainda contavam com maior acesso a tecnologias, como nos Estados Unidos e na Europa. Nesses lugares, alguns artistas faziam experimentações diferentes, que contrastavam justamente com essa “efemeridade” da performance: a videoperformance! Como o nome sugere, nada mais era do que a performance gravada em vídeo. Mas por que o mero ato de apresentar a performance em vídeo torna tudo tão diferente?

Justamente por ser gravada, a videoperformance não é mais única: ela será repetida como foi feita de novo e de novo e de novo… Ela torna-se, então, “constante” e “permanente”, além de tornar-se “material” novamente através do meio que a reproduzirá (fosse, à época, a fita cassete ou, hoje em dia, os aparelhos digitais). O que não tira, de forma alguma, sua multiplicidade de sentidos.

Uma videoperformance, tal qual a performance, pode ser assistida por várias pessoas em diferentes espaços e em diferentes momentos. De todo modo, quando as pessoas assistem à videoperformance juntas, ainda assim poderão ter interpretações iguais, semelhantes ou completamente diferentes: tudo depende da própria performance artística exibida, que, como sempre, pode ser uma declamação, uma coreografia, uma apresentação etc.

A videoperformance conta com a tecnologia para aumentar suas possibilidades de composição e de narrativa. Ora, se todo registro audiovisual é a mediação de uma realidade e toda performance é uma narrativa, então a videoperformance torna-se a mediação dessa narrativa. A edição de imagem e de som permitida pela videoperformance é parte do fazer artístico tanto quanto a performance em si, o que faz com que o artista trabalhe linguagens artísticas em diferentes multimeios.

Em tempos de maior acesso à tecnologia, a produção audiovisual e a criação de narrativas torna-se cada vez mais comum. Embora a visibilidade para artistas menos populares ainda seja um grande desafio, a internet e as redes sociais viabilizam, ao mesmo tempo, a divulgação dos trabalhos desses artistas. O público tem maior autonomia e está sempre presente, consumindo pequeninas produções audiovisuais, seja com escopo jornalístico, artístico ou simplesmente comunicativo. A questão, agora, é o que pode ser considerado videoperformance e como a arte se redescobre nesse oceano de novas pequenas produções.

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