Renata Pallottini: poesia, sensibilidade e luta

Marcelle Matias
Encontros com a Arte e os Artistas
3 min readJun 24, 2019

Duas Senhoras

(…)

No entanto o seu destino, de ambas, é o mesmo:

Subirem para algum lugar, a esmo.

Por um momento, param e se beijam.

Sabendo que não existe ali ninguém que as veja.

E se as vissem, que importa? São uma e diferentes

E amantes e felizes, culpadas e inocentes.

Buscam só uma luz, que seja sua:

Sentir-se amada é ver nascer a lua.

( Renata Pallottini)

No dia 12 de março, o curso de Licenciatura em Educomunicação, da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), teve a honra de receber Renata Pallottini como convidada da professora Maria Cristina Castilho Costa (vice-chefe do departamento de Comunicações e Artes), para ministrar uma aula da disciplina CCA0300- Atividades Teórico-Práticas de Aprofundamento III e, também, contar sobre sua trajetória artística e literária.

Nascida em São Paulo no ano de 1931, Pallottini é poetisa, dramaturga, ensaísta e professora. Sua pessoa transcende encantamento e inspiração onde quer que esteja; tanto por seu carisma e simpatia, quanto por suas falas, ao compartilhar as próprias vivências — repletas de luta e arte.

Pallottini chegou a cursar Direito na Universidade de São Paulo (USP) entre 1949 a 1953, estudou teatro na França em cursos livres da Sorbonne Nouvelle em Paris no ano de 1959 e lecionou na Escola de Arte Dramática da USP em 1964. No ano seguinte, estreou sua peça “O Crime da Cabra”, com direção de Carlos Murtinho. É considerada uma das obras mais marcantes do teatro brasileiro no século 20. É importante lembrar que a peça chegou a ser censurada pelo Departamento de Diversões Públicas do Estado de São Paulo (DDP-SP), em 1964. Pallottini publicou os livros Mate é a cor da viuvez (1975), Nosotros (1994) e Ofícios & amargura (1998).

Além de ter atuado em diversos ramos da carreira artística, escrevendo inúmeros ensaios e trabalhando com tradução, Pallottini se encontrou fortemente na poesia. A artista chegou a receber o Prêmio Jabuti de Literatura em 1977, concedido pela Câmara Brasileira do Livro. Durante a aula para a turma de Educomunicação, Renata Pallottini e a professora Maria Cristina Costa Castilho debatem sobre o conceito de beleza no contexto artístico, sobre protagonismo das mulheres e as poesias femininas do século 20 — época em que pode-se ter como destaque as poesias de expressão do amor homossexual –, como por exemplo: Virginia Woolf.

“Eu queria falar com o outro (…), queria que fosse bonito e que as pessoas percebessem, mas ao mesmo tempo queria que fosse algo secreto, algo oculto”, revela a artista. Sendo mulher lésbica e artista, que viveu os tempos da ditadura militar — tempos bastante árduos para os pesquisadores e artistas — Pallottini tinha ciência dos riscos presentes no conservadorismo, que afligiam tanto sua carreira — chegando a ser censurada em alguns momentos da vida — como sua identidade. No entanto, a poetisa não se calou diante da opressão: “Eu não queria me esconder”.

A poetisa também diz que a beleza inserida nas poesias foi o que lhe chamou a atenção para que começasse a produzir. Na sala de aula, Pallottini apresenta seu “livro de Sonetos”, uma das suas obras mais ricas e repleta de sensibilidade. Nela, a poeta utiliza de trechos bíblicos para expressar o amor — uma forma de escrever “nas entrelinhas” o que sentia e expressar sua identidade sexual.

A arte, acima de tudo, está alicerçada no ato de questionar. Sendo assim, a poesia é uma das formas de ler a realidade, de gerar reflexão, linguagens e representações ao mesmo tempo que causa encantamento e beleza. As obras de Pallottini, ricas em emoção e criticidade, em encantamento e beleza, podem ser tomadas como algumas das grandes referências artísticas que abordam afetividade, prática valorizada na Educomunicação, área cujo a sua metodologia encontra-se entrelaçada com a transformação social, arte, educação, direitos humanos e afeto.

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