Resistências, identidade e palhaçaria

Que diferença da mulher o homem tem?

Espera aí que eu vou dizer, meu bem

É que o homem tem cabelo no peito

Tem o queixo cabeludo

E a mulher não tem

No paraíso um dia de manhã

Adão comeu maçã, Eva também comeu

Então ficou Adão sem nada, Eva sem nada

Se Adão deu mancada, Eva também deu

Mulher tem duas pernas, tem dois braços, duas coxas

Um nariz e uma boca e tem muita inteligência

O bicho homem também tem do mesmo jeito

Se for reparar direito tem pouquinha diferença (Tem pouca diferença. Durval Vieira, por Luís Gonzaga e Gal Costa 1984)

É através destes versos que há de se apresentar a convidada do “Encontro com as artes e os artistas”, Mariana Gabriel, no dia 19 de março de 2019 apresentado aos alunos da Educomunicação ECA-USP. Ela é cineasta pela Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP) e jornalista da ESPN Brasil.

Para além da vida profissional, Mariana detém de uma grande história familiar, em que é neta da primeira mulher negra, Maria Eliza Alves dos Reis, que representou o personagem de um palhaço no Brasil. Na década de 40, sua avó era um palhaço masculino, mais conhecido como Xamego, vivendo um contexto circense com baixa participação feminina na palhaçaria, devido ao machismo enraizado e estrutural do país.

Representação de Mariana Gabriel sendo a palhaça “Bisbilhota”.

O personagem Xamego nasceu pela influência do Circo Guarani que era da família Alves, tendo João Alves (bisavô de Mariana Gabriel) como dono e Maria Eliza inserida neste cenário desde a infância, convivendo com artistas, trapézios, malabaristas e animais, além de participar de viagens pelo Brasil. No momento em que o irmão de Maria Eliza, representado como o palhaço “Gostoso”, passou por dificuldades com sua saúde, a dona Maria, na tentativa de ajudar o irmão, surgiu como Xamego em um momento que mulheres não estavam presentes na palhaçaria.

No que diz às resistências, a mulher cada vez mais inserida na arte detém de uma voz representativa necessária desde aquela época até os dias atuais. O “III Encontro Internacional de Palhaças Mulheres”, com mais de 50 artistas femininas no ano de 2017 em São Paulo, retrata a importância destes encontros, mas também o quão tardio as mulheres são reconhecidas nos aspectos sociais, econômicos, políticos e neste caso específico, na arte. Os palhaços existem desde a Idade Média na ideia de “bobos da corte”, entretanto, as palhaças não sabem seu surgimento.

Para além disso, a família Alves carrega consigo uma grande identidade familiar, reforçando os laços entre amor, cultura e resistência. Com tamanha diversidade, o convívio dentro do Circo Guarani fizeram-os mais próximos até tal história ser levada de geração a geração. Assim como sua avó, Mariana Gabriel se tornou palhaça com a personagem “Bisbilhota”, do mesmo modo, ela também resiste meio a palhaçaria prioritariamente masculina.

Xamego e sua história, por isso, vieram como uma forma de resistência e identidade. Negra e mulher, ela demonstrou a figura feminina cheia de inteligência e humor a transbordar nas inúmeras cidades do Brasil. É por meio de mulheres como ela que é visto o verdadeiro significado dos versos trazidos acima de Vieira, Gonzaga e Costa: existe diferença entre homem e mulher sim, mas é preciso buscar, lutar e estabelecer nenhuma diferença social, política e econômica entre eles.

Referências

III Encontro Internacional de Palhaças Mulheres com mais de 50 artistas. Disponível em: http://raiz.art.br/2017/10/26/iii-encontro-internacional-de-palhacas-mulheres-com-mais-de-50-artistas/. Acesso em: 14 de junho de 2019.

Mulheres Palhaças: percursos históricos da palhaçaria feminina no Brasil. Disponível em: https://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/108810/000772305.pdf. Acesso em: 14 de junho de 2019.

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