Tatadrama ou a arte de crescer

O processo de formação cognitiva, intelectual e social no ser humano é lento, amplo e extremamente complexo. Na Primeira Infância, comumente descrita como os cinco primeiros anos de vida de uma criança, a limitação física, especialmente em nossa mobilidade e em nossa comunicação, faz com que nossos cinco sentidos sejam os responsáveis por nos explicar o que são o mundo e a nossa vida. O discernimento do que se pode ou não fazer ainda está sendo formado, mas a curiosidade é tanta que tudo é possível: daí vemos bebês tentando alcançar tudo, colocando qualquer coisa na boca, procurando sons que ouvem com os olhos... É a sede de tentar entender o que se passa.

Quando crianças, temos mais conhecimento de mundo, mas nossa curiosidade segue procurando entender os processos sociais em que estamos inseridos e que observamos ao nosso redor pelas nossas relações interpessoais e pelas mídias que consumimos. Nossa imaginação expande e precisamos extravasar todo o processo mental de construção e desconstrução que fazemos nesse período. E que melhor maneira de fazer isso do que através de jogos e brincadeiras?

Em Homo Ludens (1938), Huizinga desenvolve a ideia de que “os jogos não são produtos ou reflexos de uma determinada sociedade e cultura, mas um elemento fundamental para a formação da cultura” (apud Fragoso e Amaro, 2018). O lúdico é, portanto, uma característica inerente ao ser humano em toda cultura. Platão também acreditava que se pode descobrir mais sobre uma pessoa em uma hora de brincadeira do que em um ano de conversa. É partindo dessa premissa que surge o Tatadrama.

Pessoas que enxergam, ao serem vendadas, perdem muito de sua referência e precisam lidar com o espaço ao seu redor através dos outros sentidos, que vão se tornando mais aguçados conforme o tempo passa sem que possamos voltar a enxergar. Em uma brincadeira de cabra-cega ou de gato-mia, por exemplo, a audição e o tato ficam extremamente sensíveis, guiando o jogador vendado até os outros jogadores. Assim como na Primeira Infância, ao estarmos vendados precisamos redespertar essa capacidade de nos deixar guiar pelos outros sentidos para apreendermos o mundo ao nosso redor sem a certeza do conhecimento de mundo que a experiência da visão de anos nos traz. O Tatadrama chama a atenção por nos fazer percorrer novamente esse longo caminho das descobertas infantis através do estímulo sensorial — fora a visão — , culminando na reflexão sobre a identidade e sua formação, criação e desenvolvimento.

Essa reflexão foi a segunda parte de nosso encontro, que me remeteu às dúvidas e angústias adolescentes. Qual seria a identidade da minha boneca artesanal e como demonstrar isso para o mundo através da imagem? Que transformações eu seria capaz de fazer em sua aparência para fazê-la atingir a imagem que eu queria? Era realmente necessário transformá-la? Quais objetos e símbolos poderiam refletir nela o que eu queria que fosse refletido?

Todas essas atividades e reflexões, que nos trouxeram questionamentos e aprendizados sobre nós mesmos, fizeram parte de uma experiência que tinha o lúdico como motor do processo. Como dito anteriormente, o lúdico é uma característica inerente ao ser humano em toda cultura. A criança que cria narrativas diversas em suas brincadeiras — sejam as sistematizadas, como pega-pega e esconde-esconde, seja a do faz-de-conta com bonecos ou objetos — está, nesse processo, exercitando sua criatividade para apreender o mundo e a dinâmica social em que está inserida. Portanto, o lúdico está presente não só no ato de brincar, mas também na criação e na apreciação artísticas. A brincadeira é uma arte e toda criança é uma artista em potencial.

Referências

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