The square: a arte da sutileza

Mariana Fontes
Encontros com a Arte e os Artistas
4 min readJun 10, 2019
Imagem de divulgação: The Square

No dia 10 de dezembro de 1948, a Assembleia Geral das Nações Unidas adotou e proclamou a Declaração Universal dos Direitos Humanos que, entre inúmeros outros direitos, delimitou no seu artigo 5º que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”.

Apesar disso ser declarado, sabe-se que tal direito não é respeitado mundo afora, haja vista as imensas desigualdades e o número de injustiças cometidas. Contudo, a arte permite utopias e, com base em uma, a exposição “The square” — organizada em torno da ideia de que, dentro do espaço delimitado de um quadrado, todos teriam os mesmos direitos e deveres — é exposta no X-Royal Museum.

Tanto a exposição quanto o museu não são reais, mas partes centrais do filme “The square: a arte da discórdia”, obra que narra a história do curador Christian, personagem rico e esnobe que cai em um golpe, o qual o faz perder a carteira, o celular e as abotoaduras.

Após o crime, Christian se vê atordoado e toma atitudes pouco ortodoxas para recuperar seus bens — como acusar todos os condôminos de um prédio localizado pelo GPS do seu celular , a fim de conseguir que um se exponha — e tais atitudes permitem o desdobramento de outras ações.

Assim, enquanto busca seus pertences, festas estranhas, pessoas esquisitas, exposições pouco atraentes e questionáveis aparecem no percurso, permitindo a criação de uma atmosfera às vezes cômica, às vezes inquietante.

As metáforas surgem aos borbotões, seja para expor a hipocrisia, seja para desnudar o caráter humano encoberto pelo cinismo da civilidade: o extravio das abotoaduras que, no final, não estão de fato roubadas mas perdidas pelo próprio Christian, e remontam ao caráter ancestral, assim com a legitimação da relação herdeira do protagonista, que mesmo com todo esse passado, possui atitudes não condizentes com o renome esperado; o número de pessoas que aparece para a abertura de uma exposição e que aumenta exponencialmente após o fim das falas e o início da comida grátis, demonstrando um desejo artístico aparente e superficial.

Essa superficialidade, por sua vez, também é vista na cena do banquete de apresentação da exposição. Durante o jantar, um ator animalizado invade o recinto, a fim de fazer uma performance artística e, durante o processo de interação entre o ator e o público, nota-se o contraste entre a civilidade e naturalidade. Contudo, quando o “animal” perde o controle a ataca uma moça, em um primeiro momento ninguém ajuda, temendo pela própria segurança; porém, após uma pessoa atacá-lo, os outros se animalizam tanto quanto o ator, retirando a máscara de civilidade outrora coberta.

Assim, tal cenário permite que surja o questionamento de “qual é o limite da arte?”, pois se percebe que, todas as vezes nas quais ela incomoda, o desejo de destruição ou de violência aparece, como se essa fosse um elemento incômodo por atacar pontos confortáveis.

Outro situação deveras interessante é o questionamento acerca do que seria a arte, seja para cada um em particular, seja para a sociedade em geral. As reflexões remetem às teorias que fundamentaram o Dadaísmo, movimento que recusa a expressão formal artística e permite que a irracionalidade, assim como a liberdade de expressão, sejam elementos presentes nas criações — no filme, pilha de cadeiras e poeira empilhada fazem parte desse desse processo de significação artística e interpretação, às vezes com certa ironia.

O ápice do que seria arte, por sua vez, cai na utilização da arte e nos objetivos dessa quando Christian, para promover a exposição, chama publicitários para ajudá-lo nesse processo. A primeira reunião mostra como artista e publicitários não conseguem se entender, pois o que seria importante para um — a sensação, para o artista — para o publicitário não é valorizado, pois o objeto precisa oferecer recompensa de algum modo.

Na segunda reunião, Christian está preocupado com seus pertences roubados e os publicitários conseguem a aprovação desatenta de utilizar um vídeo polêmico, mas que chama a atenção: na divulgação, uma criança mendiga é bombardeada dentro do quadrado.

Nesse sentido, percebe-se a ironia — não tão fina- estabelecida pela ideia dos Direitos Humanos não serem respeitados: dentro da única zona disponível para um ideal utópico, aquele que é marginalizado não consegue espaço. A falta de local para os menos desfavorecidos é desvelado de forma brutal, mas como atende aos interesses publicitários, seu valor não está na humanidade, mas na disseminação. A reflexão baseia-se nessa questão de que a igualdade é realmente utópica, tão utópica que nem em um ideal imaginário ela pode ser aproveitada.

Assim, The Square, é um filme com cenas desconexas, que possuem diversos fios condutores, como aqui mostrado, e que aborda várias questões críticas de forma irônica. Porém, a maneira como despe essas questões, às vezes de forma sutil, às vezes não, é seu ponto alto, o qual permite ao telespectador fazer rir ou ficar incomodado com suas as próprias limitações.

Ficha Técnica

The Square

Direção: Ruben Ostlund

Elenco: Claes Bang, Elizabeth Moss, Dominic West, Terry Notary, Christopher Laesso e Sofie Hamilton.

Duração: 2h22min

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Mariana Fontes
Encontros com a Arte e os Artistas

Escrevo diários desde os 12 anos. As palavras me salvaram a vida inteira. Resolvi escrever mais, para me salvar mais um pouco. <3