Pesquisa com usuário

Sara Nacarate
Endeavor Product Team
9 min readJul 21, 2021

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Quando começamos a falar sobre o processo de desenvolvimento de produto de forma ágil e colaborativa, a primeira imagem que vem à minha cabeça é a imagem do duplo diamante.

A teoria do duplo diamante consiste em um modelo de divergência e convergência em 4 fases: descobrir, definir, desenvolver e entregar.

A primeira etapa de divergência, a de descoberta, consiste no momento de coleta de informações para identificação do problema ou inspirações para as oportunidades. É o espaço de mergulhar fundo, expandir o conhecimento sobre o assunto, conhecer o usuário e entender qual problema você quer resolver (ou oportunidade).

A etapa seguinte, de definição, é a primeira etapa de convergência, onde vamos analisar as ideias, sintetizar as descobertas e delimitar as oportunidades existentes.

A etapa de desenvolvimento é a segunda etapa de divergência, onde expandimos novamente e buscamos propor soluções, criar protótipos e fazer testes com os usuários. O objetivo desta etapa é ter ciclos de feedbacks rápidos e constantes com os usuários, para que possamos melhorar e refinar a proposta.

Se o teste funcionou e o resultado esperado foi alcançado — outcome atingido, ótimo, o problema foi resolvido. Agora, o próximo passo é a etapa de entrega, onde você vai focar em lançar o produto/feature e garantir processos de melhorias constantes.

Caso o teste não tenha funcionado, os resultados esperados não tenham sido alcançados, o problema não foi resolvido, voltamos novamente para primeira etapa do diamante para descobrir o real problema e repetir o processo.

A beleza desse processo é que é um processo cíclico e de constante aprendizado.

Neste artigo vamos explorar as boas práticas para a primeira etapa de divergência do duplo diamante, a etapa de descoberta, que é quando começamos a interagir com os usuários e stakeholders para adquirir insumos para construção de um produto incrível. Vamos abordar (1) a construção e preparo para esta etapa, (2) execução e, (3) sìntese e análise dos dados.

Antes de partir para as dicas práticas para esse processo é importante reforçar que a etapa de pesquisa com os usuários serve para nos ajudar a conhecer melhor quem são esses usuários, quais são as suas dores e necessidades, como eles se comportam, porque eles contratam o nosso produto ou serviço, como ele está inserido no ecossistema, quais são as dores dele com o produto ou serviço e etc.. Colocando esses ítens em caixinhas, podemos dizer que as pesquisas do usuários estão atreladas a:

  • Criação ou refinamento das personas;
  • Geração de insights e aprofundamento nos jobs-to-be-done;
  • Criação ou refinamento do mapa da jornada, ou parte dela;
  • Gerar insights de requisitos para o desenvolvimento do produto (serviço ou software).

Definir qual é o objetivo da sua pesquisa e onde ela se encaixa é o primeiro passo, isso vai te ajudar a direcionar todo o processo de preparo, execução e análise dos resultados. Bem como vamos ver a seguir.

Existem 2 tipos de pesquisas com usuários: pesquisas quantitativas de grande escala (resultados baseados em amostras de probabilidade quantitativa) e pesquisas qualitativas (amostragem de não probabilidade quantitativa). Vou focar em qualitativos pois é o que mais fazemos.

1. Construção e preparo

O primeiro passo é formular a pergunta da pesquisa — qual pergunta você quer ter a resposta ao final do seu processo de pesquisa, que deve traduzir qual é o seu objetivo.

Exemplo: Empreendedores e empreendedoras veem valor em a Endeavor intermediar relações para geração de negócio entre as scale-ups e corporações? Por quê?

  • Neste momento você deve pensar em qual é o resultado esperado de todo esse processo (outcome) e como essa pesquisa vai te ajudar a dar o próximo passo para chegar mais próximo do resultado esperado. Pense no que você pretende fazer com a resposta e como ela se relaciona com o seu outcome. Você sabe qual é o próximo passo do projeto, então se pergunte “Como a resposta para essa pergunta pode me ajudar a gerar insights e ideias para eu chegar mais próximo do resultado esperado?”
  • As perguntas da pesquisa vão sendo refinadas ao longo do tempo, não se preocupe, faz parte do processo. Mas, evite sempre perguntas que podem ser respondidas com um simples “sim” ou “não”, porque sua pesquisa pode acabar muito rápido e você aprenderá pouco. As perguntas da pesquisa muitas vezes são abertas e seguidas de um “Por quê?”, buscando insights mais detalhados.
  • Faça um brainstorming de perguntas e selecione as melhores.
  • Você pode converter as melhores perguntas em hipóteses, para isso, siga a metodologia da Strategyzer do Test Card e Learning Card.

O segundo passo é: não começar da estaca zero.

  • É muito provável que já exista algum conhecimento interno sobre a pergunta que você quer responder com a pesquisa. Converse com outras pessoas do seu produto, converse com pessoas de outras áreas, compartilhe a sua pergunta com as demais PMs, e colete toda e qualquer informação de experiências semelhantes ou análogas que possam ser úteis. Isso vai te ajudar a formular um melhor roteiro de perguntas e te dar mais contexto e segurança para as entrevistas.

O terceiro passo é: selecionar a amostra

  • A seleção da amostra é muito importante porque uma seleção enviesada pode distorcer os resultados da pesquisa, e queremos evitar isso, que é chamado de “viés de amostragem”, ex: entrevistar apenas com clientes satisfeitos;
  • Existem várias formas de definir a amostragem (amostragem por conveniência, amostragem voluntária, amostragem de casos extremos, amostragem com máxima coleta de dados, amostragens aleatórias, etc) o que eu mais costumo usar é a amostragem de agrupamento (clusters). Para isso, se define primeiro os critérios específicos para a criação do cluster, levando em consideração a pergunta da pesquisa e as personas do produto e, em seguida, se faz agrupamentos com base nesses critérios. A partir daí é selecionar, de forma aleatória (ou mais conveniente) dentro desses clusters quem fará parte da pesquisa;
  • O tamanho da amostra em design de serviços é determinado utilizando-se de uma abordagem de pesquisa etnográfica baseada no conceito de saturação teórica. Em outras palavras, paramos de coletar dados quando os novos dados não trazem insights adicionais às perguntas da pesquisa. Ou seja, nas pesquisas qualitativas nós buscamos informações recorrentes para identificar padrões. A partir deste ponto, fazer mais pesquisa só vai confirmar o que a gente já sabe, e não trará novos conhecimentos.
  • Da mesma forma que um teste de usabilidade é projetado para encontrar os maiores bugs em um software, as pesquisas de design de serviço são utilizadas para encontrar as maiores falhas (ou oportunidades) em um serviço (físico ou digital) ou qualquer experiência do usuário. O design de serviço não está focado em percentuais precisos para saber como exatidão quantas pessoas têm dificuldades com determinado problema, mas precisa de um ranking ou uma lista de falhas ou oportunidades a serem trabalhadas, uma lista de inspiração como base ou uma lista de recursos que os clientes gostariam de ter. O universo amostral deve ser grande o suficiente para identificar padrões recorrentes.
  • Em 1993, os pesquisadores de usabilidade Nielson e Landauer publicaram um artigo revelando que testes de usabilidade com apenas 5 usuários encontram 85% de todos os problemas de usabilidade, mas que seriam necessários pelo menos 15 usuários para encontrar todos os problemas. Uma vez que experiências de serviços são mais complexas, uma boa regra geral é começar com um grupo de participantes pequeno, mas diverso. Se você já enxergar padrões, utilize o próximo lote para confirmar os padrões percebidos e veja se já atingiu a saturação teórica desses padrões. A saturação teórica nos ajuda a entender quando já fizemos o suficiente, mas não ajuda a definir o tamanho da amostra a priori. Por exemplo, depois de ter entrevistado 20 participantes e identificado padrões, a probabilidade de os próximos 20 dizerem algo completamente diferente é insignificante (ou seja, saturação teórica). Entretanto, de antemão não tem como saber quantas pessoas terão que ser entrevistadas para você começar a ver esses padrões.

O quarto passo é: construir o roteiro da pesquisa

  • Pense em quanto tempo você vai ter com o entrevistado e busque um roteiro enxuto e com perguntas diretas;
  • Faça perguntas que remetem a experiências passadas do entrevistado, nunca pergunte o que ele faria ou como ele agiria. Se eu te perguntasse se você doaria dinheiro para as crianças que passam fome na África, provavelmente você responderia “sim”, mas se a pergunta fosse se você já doou dinheiro para crianças que passam fome na África, provavelmente você me responderia “não”. Ou seja, SEMPRE faça perguntas com referências a experiências passadas, queremos conhecer quem realmente o usuário é e não quem ele gostaria de ser;
  • Aqui é hora de relembrar qual é a pergunta da sua pesquisa e quais são as suas hipóteses para você criar um roteiro que vá te ajudar a chegar nas respostas que você está buscando.

2. Execução

  • Comece a entrevista se apresentando, ressaltando porque você convidou o entrevistado(a) para aquele papo e porque aquela pessoa foi escolhida para esse momento. Transpareça sinceridade e gratidão. Ressalte que você está ali porque quer construir uma experiência incrível para o próprio entrevistado, por isso é muito importante que ele ou ela se sinta à vontade para falar a verdade, a transparência que vai ditar todo o resultado do processo;
  • Se possível peça para gravar a conversa e diga que o material será apenas de uso interno para aquele processo;
  • Tente quebrar o gelo com alguma pergunta inicial de contexto;
  • Não se prenda a ordem das perguntas, pule da primeira para a última pergunta se surgir algum gancho na resposta, não tem problema;
  • Tenha curiosidade, se alguma resposta de despertou um alerta, não se prenda às perguntas do roteiro, investigue mais, use a palavra mágica “porque” ou peça para a pessoa te explicar melhor a situação;
  • Se a pessoa que você estiver entrevistando estiver mais travada, dando respostas curtas ou que não estão te atendendo, não tenha medo de voltar na pergunta e pedir a ela para te contar melhor sobre outras situações ou dar outros exemplos;
  • Não se preocupe, se aquela pessoa se disponibilizou para estar ali, ela quer estar ali e ela quer colaborar, então seja você e aproveite o máximo o tempo.

3. Síntese e análise dos dados

Os resultados das pesquisas geram dois tipos de dados: dados brutos, que são os dados de primeira ordem (ex: a transcrição direta de uma entrevista, áudios, imagens) e dados analisados, dados de segunda ordem (que inclui a interpretação do pesquisador dos dados brutos coletados).Os dados brutos são mais convincentes na horá de apresentar os resultados. Quando a única opção é tomar nota, procure separar a sua interpretação pessoal da descrição exata da situação.

Os resultados de uma pesquisa com os usuários no design de serviços vai servir como ponto de partida para o processo de ideação ou prototipação e, para identificar os problemas ou oportunidades para essas etapas subsequentes, vimos anteriormente que os resultados dessas pesquisas vão estar atrelados a: personas, jobs-to-be-done, mapa da jornada, insights e requisitos para o produto ou a uma combinação desses pontos.

Para cada um desses casos você pode tratar os dados coletados de uma forma.

Personas: você pode criar um template de persona ou mapa de empatia e ir alimentando esses templates com todos os insights coletados nas entrevistas. Você deve segmentar e agrupar as características recorrentes e o resultado desse processo deve ser a criação das personas.

Jobs-to-be-done: seguindo a estrutura dos JTBD = [situação] + [motivação ou forças] + [resultado esperado], faça o processo de pegar todos os insights gerados nas entrevistas, agrupe eles, mescle e priorize. Relacione esses insights aos dados e encontre os gaps. O objetivo é ter ao final uma ideia de o que os clientes querem alcançar quando utilizam o produto ou serviço.

Mapa de jornada: segmente as etapas da jornada e traga todos os insights para cada uma das etapas. Depois, agrupe os insights, mescle e priorize. O objetivo pode ser te dar insumos para construir a jornada ou apontar como está a relação do usuário com cada etapa da jornada.

Insights e requisitos para o produto: agrupe todos os insights e requisitos que foram levantados pelos usuários, mescle e priorize. Em seguida faça a redação das histórias do usuário, resuma o que os usuários querem ser capazes de fazer, vincule essas histórias com os dados.

E, para finalizar, para toda e qualquer pesquisa é importante compilar os dados em um relatório da pesquisa. O relatório pode ter muitas formas, o importante é você trazer compilado como foi o processo da pesquisa, os dados coletados e insights. Destaque as principais descobertas e inclua os dados brutos.

Referência:

Isto é design de serviço na prática

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