O futuro dos políticos está nos documentários

Candidatos investem no formato para controlar a narrativa da mídia

Jota Gaivota
Enfim Cinema
6 min readJul 18, 2019

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Nas eleições americanas de 2017 uma candidata democrata chamou a atenção desde seu primeiro vídeo de campanha. Nele a narradora constatava que a corrida eleitorial era ‘sobre o povo contra o dinheiro’. A peça publicitária foi produzida para Alexandria Ocasio-Cortez, membro dos Socialistas Democráticos da América, oDSA, os quais tem propostas revolucionárias de anticapitalismo, antifascismo e direitos de minorias.

O primeiro vídeo da campanha de Alexandria Ocasio-Cortez

O vídeo foi produzido Naomi Burton e Nick Hayes que fundaram a produtora Means of Production. A colaboração também rendeu o documentário Virando a Mesa do Poder (2019, Rachel Lear) que retrata Alexandria e outras três candidatas que disputaram as eleições. Exclusivo da Netflix ele é o documentário adquirido pelo maior valor já pago no Festival de Sundance, US$ 10 milhões.

Naomi Burton e Nick Hayes, fundadores da Means of Production

O sucesso da iniciativa entre produtores e a política continua mesmo após a campanha. O Green New Deal, ganhará seu próprio documentário. Ele é o mais ambicioso projeto de lei da DSA que definirá um planejamento de 10 anos para investimentos em energia limpa, educação, saúde, habitação e infraestrutura.

Além da congressista, outros democratas já anunciaram que também estão investindo no cinema.

Barack Obama

Em 2018 a Netflix anunciou um acordo com a empresa Higher Ground Productions, de Michele e Barack Obama, para a produção de conteúdo à plataforma. Apesar de não terem anunciado nenhum reality show chamado Os Obamas, há 07 projetos anunciados mas eles deixam claro que não terão o foco político:

  • American Factory: documentário sobre um chinês bilionário que investe numa fábrica abandonada da General Motors no estado de Ohio;
  • Bloom: série de drama focada em mulheres negras em Nova Iorque no pós-segunda guerra;
  • Adaptação do livro ‘Frederick Douglass: Prophet of Freedom’, de David W. Blight;
  • Overlooked: antologia de pessoas cuja morte foi ignorada pela mídia, baseada no obituário do New York Times;
  • Listen to Your Vegetables & Eat Your Parents: série com episódios de 30 minutos para contar como a comida de todo o mundo chega na mesa.
  • Fifth Risk: série de não-ficção que conta a história de pessoas que trabalham para o governo e receberam pouco reconhecimento por suas ações;
  • Crip Camp: documentário sobre adolescentes com necessidades especiais, num acampamento de férias, que começam a lutar pelos seus direitos.

Pete Buttigieg

O Prefeito da cidade de South Bend, Indiana, Pete Buttigieg, atualmente em seu segundo mandato, foi o mais recente a anunciar seu documentário, produzido pela Story Sindicate. Nele será retratado sua pré-campanha política para presidência em 2020.

Beto O’Rourke

O ex congressista Beto O’Rourke foi considerado, junto com Alexandria, um fenômeno das redes sociais. Apesar de ter perdido a eleição para o Senador Ted Cruz, o documentário Running With Beto (em inglês), lançado pela HBO, reconta momentos da corrida eleitoral.

Hillary Clinton

A ex candidata a eleição presidencial ,Hillary Clinton, e sua filha, Chelsea Clinton estão abrindo uma produtora e planejam, junto a vários estúdios, a produção de diversas obras. O foco delas será em histórias feitas por e para mulheres.

Al Gore

Eu ainda me lembro do dia em que, por algum motivo, assisti a Uma Verdade Inconveniente (2006, Davis Guggenheim) durante minha aula no técnico. Não somente a minha classe, mas uma quantidade grande de pessoas viram o filme. Segundo uma pesquisa de 2007, feita em 47 países, apontou que 89% das pessoas que assistiram ao documentário disseram ter se conscientizado mais sobre o Aquecimento Global.

Aliás o filme Vice (2018, Adam Mckay), confira minha crítica no Superzoom, mostra numa de suas cenas o rebranding feito no fenômeno. Do temível Aquecimento Global fomos ao menos assombroso ‘Mudanças Climáticas’. Isso graças a ligação do vice presidente estadunidense com o setor de energia. Felizmente, como explica a Piauí, alguns veículos de mídia passaram a utilizar o termo Crise Climática para se refletir, com seriedade, os problemas ambientais.

Mas não são só os democratas quem utilizam o Cinema como plataforma política, os republicanos tem uma longa história de investimento na mídia.

Ronald Reagan

É um caso que cito por ser mais uma inversão a regra e pela sua relevância, dado que é ex-presidente dos Estados Unidos. Começou como ator em 1937, sua estréia no papel principal foi em Love Is on The Air (1937, Nick Grinde). Segundo o ator foi em Kings Row (1942, Sam Wood) que ele se tornou uma ‘estrela’, porém dois meses após o lançamento do filme ele foi convocado para servir na Segunda Guerra Mundial. Um ano depois, devido a sua miopia, ele é transferido para o First Motion Picture Unit onde passou a estrelar e produzir propaganda para o exército americano.

Foi presidente do Sindicato dos Atores, Screen Actor Guild, de 1947 a 1952 e em 1959. Estando a frente da instituição no período de caça aos comunistas. Aliado do FBI ele testemunhou ao Comitê de Atividades Antiamericanas, descrevendo um pequeno grupo de tentar ser uma “influência disruptiva” dentro do sindicado.

Steve Bannon

O estrategista da campanha eleitoral de Trump é produtor de cinema, focando seus esforços em documentários. Era diretor de uma influente publicação conservadora americana focada em conteúdo antissemita, xenófobo e misógino. Chegou a estar no Conselho de Segurança Nacional, se encontrou com Bolsonaro e Salvini para lhes dar informações e agora, depois de ser afastado do governo, fomenta a extrema-direita pelo mundo com seu denominado ‘O Movimento’.

Com mais de 20 filmes produzidos a Citizens United Films é a máquina de propaganda para qual Bannon trabalha e ganha muito bem. Segundo o The Independent o ‘ideólogo’ movimenta milhões arrecadados através de um esquema que envolve a organização e empresas privadas, para benefício próprio e para atacar oponentes políticos. Seu método de comunicação é brevemente estudado no vídeo ensaio Steve Bannon (legendado em português), do canal Philosophy Tube, que faz uma análise da argumentação do documentário ‘Generation Zero’. Ele apelar ao emocional ao invés de convencer racionalmente, um fenômeno chamado de substituição afetiva, sobre seu principal ponto: que a crise de 2008 não é inerente ao capitalismo mas por ‘irresponsabilidade’ da geração que cresceu entre os hippies.

O artigo What Beto O’Rourke Documentary Says About Political Charisma, do The Atlantic, contém a ingenua frase sobre o coordenador de campanha do candidato: “Eu acho que o que estamos vendendo com ele é genuinidade” (tradução minha). Bill Nichols, crítico e estudioso dos documentários, afirma em seu livro Introdução ao Documentário que ‘quando acreditamos que o que vemos é testemunho do que o mundo é, isso pode embasar nossa orientação ou ação nele’. A impressão da realidade produzida pelo documentário é exatamente o que os políticos estão buscando pra se conectar com eleitores, uma autenticidade fabricada.

Links Relacionados

O artigo Socialismo Democrático Não É Social-Democracia, da Jacobin Brasil, explica um pouca mais da visão sobre o socialismo democrático defendido pela DSA e o como se diferencia da ideia de social-democracia nórdica.

Em inglês

O episódio A new form of political theater, do podcast Pro Rata, da Axios, trata da adoção do modelo de documentário pelos políticos estadunidenses.

O artigo 8 Things We Learned From HBO’s New Beto Documentary, da Vice, descreve diversos pontos do documentário de Beto O’Rourke. De interesse pra quem não assina ao serviço HBO Go.

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