O que os filmes de terror te ensinaram sobre sexualidade

Tese de mestrado analisa o que a linguagem e narrativa dos Slashers ensinou sobre sexualidade aos jovens.

Jota Gaivota
Enfim Cinema

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Esta matéria é parte de uma série chamada O Mês do Terror no Enfim Cinema (2019). Confira as outras partes.

Na segunda-feira de 14 de outubro, o significado de LGBT foi adulterado por um dos filhos do presidente. O ‘zero alguma coisa’ utilizou o acrônimo para Liberty, Guns, Bolsonaro e Trump’. A sagacidade da internet foi rápida em apontar que ele esqueceu de colocar a letra ‘Q’, de Queiroz. A relação da família com a sexualidade é muito difícil desde comentários de ex namoradas a uma matéria da Folha sobre a obsessão fálica do pai de família.

A vigilância sobre a vida alheia veio a tona principalmente durante a campanha quando o candidato mentiu em rede nacional ao afirmar que o livro Aparelho Sexual & Cia ensinava o fictício conceito de “identidade de gênero”, seria distribuído à crianças num suposto “kit gay” após uma decisão tomada num falacioso “Seminário de LGBT Infantil”.

Fato curioso é que na semana passada mesmo apareceu na minha linha do tempo do Twitter um desabafo de uma moça falando que o principal motivo de usar camisinha é pra evitar o engravidamento e não as DSTs. Bom que ela teve a chance de aprender isso pois uma parcela da população pode sequer saber sobre isso depois que numa transmissão ao vivo, em março, o presidente “deu permissão” aos pais de alunos para rasgarem páginas da Caderneta de Saúde da Adolescente (disponível aqui). Dentre outras coisas esta trata sobre o uso do preservativo masculino e como realizar a higiene íntima feminina.

Acho que dá pra afirmar que estamos vivendo um contraditório sobre a sexualidade: há mais acesso, curiosidade e possibilidades de expressão enquanto o poder estabelecido tenta cercar essa pessoas. A reprodução é algo biológico, considerado até instintivo, porém nossa sexualidade não é inata, é aprendida. E não tem nada a ver com a conspiração de ‘ideologia de gênero’.

Segundo John Gagnon e William Simon, em ‘Sexual conduct: the social sources of human sexuality’, a sexualidade é construída a partir de um roteiro sexual aprendido através da socialização e do consumo da mídia.

“Os indivíduos usam sua habilidade interativa, bem como material de fantasia e mitos culturais, para desenvolver roteiros (com deixas e diálogos apropriados) como um modo de organizar seu comportamento sexual”.

Os roteiros sexuais podem ser ‘tradicionais’ e reforçar ideais como de que os homens sempre devem estar disponíveis para transar e que as mulheres jamais devam pensar nisso. Ou que se uma mulher é solteira e sexualmente ativa ela deva ser estigmatizada por violar o roteiro enquanto o homem deva ser celebrado. Quando essas normas são colocadas em cheque o roteiro é tipo como ‘progressista’.

Se o consumo de mídia é capaz de conter informação para a formação de roteiros sobre a sexualidade, a acadêmica Jennifer Clay propôs estudar como ela é retratada num gênero que é protagonizado e consumido por adolescentes: o terror slasher.

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Dissecando um Slasher

O subgênero se consolidou nos filmes Massacre da Serra Elétrica (1974, Tobe Hooper) e Halloween (1978, John Carpenter). O elenco é composto por um grupo de belos adolescentes, principalmente as mulheres, perseguidos por um assassino em série que é virtualmente indestrutível. Esteticamente é importante ressaltar o aspecto gráfico tanto do sexo quanto das mortes.

Tanto os Splatters quanto os Slashers são caracterizados pela presença da violência mas Mark Stevens faz uma diferenciação boa em Splatter Capital: The Political Economy of Gory Films. O primeiro trata da violência sob o corpo humano, ossos e entranhas, até transforma-lo em carne. Enquanto o segundo gênero que trata de uma caça sexualizada.

Outra dimensão a ser levada em conta é quem consume este tipo de filme. Em Men, Women, and Chain Saws: Gender in the Modern Horror Film Carol Clove afirma que o público deste subgênero é predominantemente o adolescente heterossexual masculino.

A Tese

Jennifer explica que neste subgênero há um sistema explicito de recompensa e punição para que transa e que ele desfavorece as mulheres: as personagens femininas que caem na tentação de serem sexualmente ativas acabam inevitavelmente punidas com a morte. Inclusive ela cita uma análise feita sobre 83 filmes comprovando que o feminicídio tende a ocupa mais tempo de tela durante a projeção do que mortes masculinas. Os homens morrem rapidamente enquanto as mulheres viram um show de sofrimento a ser saboreado. Isso se expressa no contraexemplo pois a personagem que sobrevive está viva graças a sua castidade.

O livro Horror, de Mark Jancovich, é citado pela autora por afirmar que o real antagonista do subgênero seria a masculinidade pois os filmes não apresentam boas personagens masculinas que sobrevivem a ameaça. Em contrapartida a mulher sobrevivente seria mais capaz e até empoderada ao derrotar o assassino que representa um modelo masculino de agressividade e obsessão pelo sexo. Clay rejeita essa hipótese pois as protagonistas eventualmente acabam morrendo nas sequências, assim a mulher empoderada inevitavelmente acabaria vítima do retrocesso. Explicitando uma mensagem de que esse ideal não seria sustentável no mundo real.

Essa análise da sexualidade nos filmes de terror é extremamente atual como ponto de partida para se repensar a produção do Cinema e de outras mídias, aliás a tese cita séries de TV mas resolvi deixar de fora por não ser meu foco. O importante é entender a aterrorizante realidade de que teve muita gente lucrando vendendo castidade e sofrimento, femininos, pra adolescentes.

Esta matéria é parte de uma série chamada O Mês do Terror no Enfim Cinema (2019). Confira as outras partes.

Links Relacionados

A tese de mestrado Sticking to the Script: Sexual Scripts in the Slasher Sub-Genre, por Jennifer L. Clay, da University of Kentucky.

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