Entendendo métricas financeiras para SaaS

Não se pode melhorar aquilo que não se mede

Joe Santos
Engenharia Arquivei
10 min readMay 25, 2023

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Não basta ter uma boa ideia. Construir um negócio requer um plano sólido e constante auto avaliação. Desde um fundador em busca de investimento a um colaborador que quer entender melhor a saúde da empresa (algo cada vez mais importante hoje em dia) acompanhar o andamento do negócio é algo fundamental. Hoje, eu vou mostrar quais métricas acompanhamos na Arquivei. Seja para manter os times informados ou os investidores interessados, todos devemos entendê-las.

Antes, um glossário

Diversos termos que vamos usar são emprestados do inglês e vou mantê-los assim porque é um padrão da indústria e facilita encontrar resultados numa busca na internet.

O primeiro termo que precisamos entender é o lead. Lead é um prospecto. Se trata de alguém que está começando a se comportar de modo favorável a uma compra, mas ainda não é um cliente. Quando uma pessoa entra numa loja e começa a olhar os produtos, ela é um lead.

Leads podem ser qualificados de três maneiras dependendo do que os levou até o seu produto:

  • MQL: marketing qualified lead é o lead que chega ao seu produto via algum material de marketing, como uma newsletter ou um e-mail de marketing.
  • PQL: product qualified lead é o lead que realiza uma ação mínima dentro do produto. Por exemplo, em uma plataforma de streaming, um exemplo de PQL seria um lead que assistiu a um trailer.
  • SQL: sales qualified lead é o lead que teve contato com o time de vendas.

O processo de venda contém diversos passos: visitar a plataforma, testar o produto e conversar com vendas, por exemplo são passos que levam à assinatura do serviço, mas nem todos os usuários que chegam a um passo, avançam ao passo seguinte, por isso chamamos o conjunto desses passos de funil de vendas. Entender qual ponto do funil tem a maior perda, ajuda a entender quais ações podem trazer o maior crescimento possível.

Ilustração de um funil de vendas. Cada camada representa um passo na jornada até a assinatura e cada seta representa a transição de um passo para o próximo: primeiro temos visitantes. Nem todos os visitantes acabam testando o produto, daí temos a taxa de conversão de visitante para trial e assim sucessivamente. Entender a jornada e as taxas de conversão do funil ajudam a traçar estratégias com o maior potencial de ganho.

Para ajudar a entender melhor o potencial de cada lead, podemos atribuir uma pontuação: o lead scoring é uma métrica específica de cada produto que pode ser desenvolvida ao longo do tempo. Por exemplo, em um cenário B2B, se o lead é alguém com baixo poder de decisão na organização (como um estagiário, por exemplo), é menos provável que esse lead se converta em cliente do que quando o lead é alguém com um maior poder de decisão (como um gerente de compras).

Além das ferramentas de marketing, os clientes atuais também têm um potencial enorme de trazer novos clientes via indicação. Medimos esse potencial usando o NPS: net promoter score. Essa métrica é colhida através de pesquisas junto aos usuários, algo que devemos tomar muito cuidado ao fazer, mas quando bem feito gera uma visão extremamente rica da satisfação dos clientes.

Falando em clientes, podemos dividir os clientes em duas categorias:

  • Good fit: é um cliente que tem grande potencial de sucesso no produto. Por exemplo, no caso do serviço de streaming, uma família com filhos em idade escolar tem muito potencial para usufruir do serviço.
  • Bad fit: é um cliente com potencial baixo ou nulo no produto. No exemplo do streaming, uma pessoa que mora sozinha e trabalha durante o dia e estuda a noite quase não vai ter tempo para aproveitar o serviço.
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Assim como acontece com leads, podemos medir a saúde do cliente no produto através do health score. Assim, como lead scoring, essa é uma métrica específica para cada produto e deve ser desenvolvida e refinada ao longo do tempo. Seu acompanhamento pode permitir ações ativas para impedir a perda de clientes.

Dentro de cada produto, algumas funcionalidades são mais importantes para os clientes que outras. Essas funcionalidades são chamadas de sticky features. Entender quais são as sticky features do seu produto é essencial para avaliar riscos e traçar estratégias.

Temos também dois cohorts, que são medidas estatísticas de análise de comportamento. O cohort de engajamento, que diz respeito a quantos clientes assinaram e voltaram a fazer algo dentro do produto e o cohort de retenção que se trata de quantos clientes assinaram e permaneceram na plataforma.

Por fim, precisamos entender o que é MRR: monthly recurring revenue, que é a receita mensal do seu produto. Nessa conta entram também os planos anuais, de forma mensalizada. De modo análogo, temos o ARR: anual recurring revenue que é o MRR x 12.

Mas o MRR pode ser entendido como um composto de diversos componentes:

  • New MRR: receita mensal vinda de novos clientes.
  • Expansion MRR: receita mensal vinda de expansão de clientes atuais. Assinatura de serviços adicionais, upselling, etc. São exemplos de expansão.
  • Reactivation MRR: receita mensal vinda de reativação, ou seja clientes que cancelaram e retornaram ao produto.
  • Contraction MRR: receita mensal perdida de clientes existentes. Analogamente à expansão, assinatura de um plano mais barato ou cancelamento de serviços adicionais caracteriza uma contração.
  • Churn MRR: receita mensal perdida pelo cancelamento de clientes.
  • Net new MRR: Ganhos menos as perdas.
Como o net new MRR é composto. Somamos o new MRR, o expansion MRR e o reactivation MRR e subtraímos o contraction MRR e o churn MRR

Indicadores de performance

O conjunto das métricas que indicam a performance é chamado de KPI: key performance indicators.

Para ajudar a entender como esses indicadores funcionam, vamos pensar em um exemplo de uma empresa que tem uma base de cliente como a seguir:

  • 15 clientes assinando um plano A de 10 reais por mês.
  • 50 clientes assinando um plano B de 15 reais por mês.
  • 500 reais de custos de marketing e vendas no último mês.
  • 15 novos clientes no último mês no plano A.
  • 25 novos clientes no último mês no plano B.
  • 10 clientes migrando de plano de 10 para 15 reais por mês.
  • 5 clientes migrando de plano de 15 para 10 reais por mês.
  • 10 cancelamentos no último mês no plano A.
  • 5 cancelamentos no último mês no plano B.
  • 5 clientes que cancelaram voltando para o plano A.
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A primeira delas é o ARPA do portfólio: average revenue per account, também conhecida como ticket médio.

Fórmula de cálculo do ARPA

Pensando no exemplo acima, temos um ARPA calculado da seguinte maneira:

  • Clientes totalizam 15 x 10 = 150 reais por mês do plano A.
  • Novos clientes totalizam 15 x 10 = 150 reais por mês no plano A
  • Clientes totalizam 50 x 15 = 750 reais por mês do plano B.
  • Novos clientes totalizam 25 x 15 = 375 reais por mês no plano B.
  • Clientes migrando do plano A para o plano B totalizam 10 x 5 = 50 reais por mês.
  • Clientes migrando do plano B para o plano A totalizam perdas de 5 x 5 = 25 reais por mês.
  • Total MRR de 150 + 150 + 750 + 375 + 50–25 = 1450 reais por mês.
  • Total de 15 +15 + 50 + 25 = 105 clientes.
  • ARPA de 1450 / 105 ~= 13,81 reais por mês.

O ARPA pode também ser calculado com base nos novos clientes. Nesse caso, temos o ARPA cohort, que é a divisão do new MRR pelo portfólio, que é o número de novos clientes.

Fórmula de cálculo do ARPA cohort

Considerando nosso exemplo, o ARPA cohort é calculado como a seguir:

  • Novos clientes no plano A totalizam 15 x 10 = 150 reais por mês.
  • Novos clientes no plano B totalizam 25 x 15 = 375 reais por mês.
  • Total de 150 + 375 = 525 reais por mês de new MRR.
  • Total de 15 + 25 = 40 novos clientes.
  • ARPA cohort de 525 / 40 ~= 13,13 reais por mês.

Em seguida temos o gross margin ou margem bruta, que é composto pelo MRR subtraídos os custos diretos do serviço, tudo isso dividido pelo MRR. Por custos entendemos coisas como infra estrutura, salários das equipes, serviços contratados de terceiros, etc.

Fórmula de cálculo do gross margin

Do nosso exemplo, temos o cálculo:

  • MRR de 1450 reais por mês.
  • Custos do último mês de 500 reais.
  • Gross margin de 1450 - 500 / 1450 ~= 0,66.

Devemos avaliar também a taxa de churn. Churn se refere a um cancelamento de um cliente. A taxa de churn é dada pela quantidade de cancelamentos dividida pela quantidade de clientes na base no mês anterior.

Fórmula de cálculo do customer churn

Para o nosso exemplo esse cálculo se dá como a seguir:

  • Total de 10 + 5 = 15 cancelamentos.
  • Total de 15 + 50 = 65 clientes no mês anterior.
  • Customer churn de 15 / 65 ~= 0,23.

Diferente da taxa de churn que é calculada em cima da quantidade de clientes perdidos, o gross churn é calculado em cima dos valores. Ele se dá pela soma dos clientes que cancelaram e contraíram dividida pelo MRR.

Fórmula de cálculo do gross churn

Do exemplo:

  • 10 cancelamentos do plano A totalizam 10 x 10 = 100 reais.
  • 5 cancelamentos do plano B totalizam 5 x 15 = 75 reais.
  • Churn MRR de 100 + 75 = 175 reais por mês.
  • 5 clientes migrando do plano B para o plano A totalizam um contraction MRR de 5 x 5 = 25 reais.
  • Gross churn de 175 + 25 / 1450 ~= 0,14

O net MRR churn é o valor do MRR de churn e contração subtraído o valor de expansão, tudo isso dividido pelo MRR. Nessa conta não entra o MRR de novos clientes.

Fórmula de cálculo do net MRR churn

Considerando o nosso exemplo, o net MRR churn é dado por:

  • Churn MRR de 175 reais por mês.
  • Contraction MRR de 25 reais por mês.
  • 10 clientes migrando de plano A para o plano B totalizam um expansion MRR de 10 x 5 = 50 reais.
  • Net MRR churn de 175 + 25 - 50 / 1450 ~= 0,10.

Outra métrica importante é o CAC: client acquisition cost ou custo de aquisição do cliente. Ele é a soma dos custos de marketing e vendas dividida pela quantidade de novos clientes.

Fórmula de cálculo do CAC

Pelo nosso exemplo temos um CAC de 500 / 40 = 12,50 reais.

Entendido o custo para trazer um novo cliente, é importante entender o quanto tempo esperamos que ele continue assinando o produto. Para isso utilizamos o customer lifetime: tempo de vida do cliente. O valor é calculado em meses e é dado pelo inverso da taxa de churn.

Fórmula de cálculo do customer lifetime

De acordo com o exemplo dado, temos um customer lifetime de 1 / 0,23 ~= 4,35.

Podemos atribuir um valor ao tempo de vida do cliente. Esse é o LTV: lifetime value ou valor do tempo de vida do cliente. Ele é dado pela multiplicação do ARPA cohort pelo gross margin pelo lifetime.

Fórmula de cálculo do LTV

Pelo exemplo temos um LTV de 13,13 x 0,66 x 4,35 ~= 37,70 meses.

Para entendermos em quanto tempo podemos recuperar o investimento do CAC, utilizamos o CAC recovery ou payback time, que é calculado em meses, dividindo o CAC pelo produto de ARPA cohort e gross margin. Para um SaaS saudável, é desejado que esse valor esteja abaixo de dez.

Fórmula de cálculo do CAC recovery

Seguindo o exemplo, temos um CAC recovery de 12,5 / 13,13 x 0,66 ~= 1,44 meses, ou seja, demoramos quase um mês e meio para recuperar o investimento necessário para trazer um novo cliente, o que é um ótimo número.

Outro valor desejável é o LTV sobre CAC. Em geral, o mercado considera que esse número deve estar acima de três. Em muitos casos essa é métrica principal que empresas acompanham.

Fórmula de cálculo do LTV sobre CAC

Do exemplo, temos um LTV/CAC de 37,70 / 12,5 ~= 3,02, que é um bom valor considerando que desejamos estar acima de três. Isso significa que cada cliente dá um retorno de aproximadamente o triplo do investimento para trazê-lo.

Por fim, temos o quick ratio que é a soma dos MRRs positivos dividida pela soma dos MRRs negativos. Para um negócio em dia, é desejável que esse valor seja de pelo menos quatro.

Fórmula de cálculo do quick ratio

Considerando o exemplo, temos:

  • 525 reais por mês de new MRR.
  • 50 reais por mês de expansion MRR.
  • 5 clientes voltando para o plano A totalizam um reactivation MRR de 5 x 10 = 50 reais por mês.
  • Churn MRR de 175 reais por mês.
  • Contraction MRR de 25 reais por mês.
  • Quick ratio de (525 + 50 + 50) / (175 + 25) ~= 3,13

Como podemos ver, o quick ratio para o exemplo dado ainda está aquém do ideal que é ser maior que quatro.

Essas métricas, junto com seus benchmarks são os meios mais comuns no mercado de medir a eficiência de um SaaS. Estar por dentro do seu significado e dos seus valores na sua organização é fundamental não só para evitar surpresas desagradáveis, mas também para que possamos exercer um papel ativo no desenvolvimento do negócio.

Obrigado pela leitura e até a próxima.

Agradecimentos a Marina Lavez, Daniel Paschino e Thiago Porfírio.

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