A Noite Em Meus Olhos

Täkwila
Ensaios sobre a loucura
2 min readMay 2, 2022
Walciney Barbosa

A noite nunca dormiu. Ela mora em meus olhos. Havana como minhas retinas repletas de luar. Fractal, prismática, luminante. Factual e irrelevante. Leva tudo e deixa toda coisa. Se deita sobre superfície fragosa. Descansa em planícies plácidas. Procura fora refletir o dentro. Envida dentro entender o fora. Larga aos cantos brinquedos e pilérias. Amontoa na estante opúsculos escritos em sangue. A noite vai avante, adiante de mim. Se estende como tapeçaria tecendo teia até o topo da ideia ou de um ímpeto, dada de mãos à decadência e ao mistério. Sem virtude, sem crença e sem sorte. Alumbrando a lonjura da hora e do dia. Agonizando o ofício. Fulgurando a angústia. Derrama sobre toda imagem a sua especiaria. Seu sádico insumo. A noite nunca dormiu aqui. Edificou sua casa detrás da colina. Para que nos dias de sol pudesse obrar nas sombras. Observa de dentro da boca. Por entre os dentes, faminta. E ninguém a percebe. Ninguém ouve os duros golpes que desfere contra as grades que a mantêm. Nem mesmo é de agravar o verdadeiro festim de histeria e violência que ocorre por entre as frestas deste sorriso diastêmico. Ninguém sente o aroma de seu hálito putrefato, nem nas vezes que se confunde no meu. A noite não dorme nem descansa. E se possui sentimento passivo que seja, se trata de intensa carência. Não faz nada sozinha. Tem melancolia como visita favorita, única dentre suas amigas que logra ser artística. Quando juntas, as duas bebem até que não sobre gota de saliva sequer a saciar a sede. E depois que melancolia vai, noite persiste. Insidiosa. Espumante. Lasciva. Certa e decisiva. Pronta para afrontar a morte ao medrar o dia. Nisso que sempre me diz. A noite nunca irá dormir. Só posso esperar que um dia eu consiga. Enquanto houver dia, habitará em mim. Solitária, feroz, deletéria e mortífera.

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