Aguarde na linha
Antunes não estava vestido apropriadamente para aquela situação, e começava a suspeitar que aquilo poderia custar sua vida. Já estava usando as três bermudas, as duas calças, as oito camisas floridas e toda as cuecas e meias que trouxera na mala, mas ainda não conseguira se proteger do frio daquela planície. Colocara até a faixa de cabelo e os óculos redondos de lentes vermelhas num último esforço para manter a temperatura do corpo, e agora não podia fazer nada além de esperar e esfregar as mãos. A Primavera de Vivaldi tocava em loop no seu telefone, interrompida esporadicamente pela mensagem que ele já decorara:
Sua ligação é muito importante para nós. Infelizmente nossos telefones estão todos ocupados no momento. Por favor aguarde na linha.
Era para estar curtindo o verão de 1967 em São Francisco, tomando ácido da mais pura qualidade e praticando o amor livre, mas como o GPS em seu pulso indicava, estava em algum local ao leste da Ásia, em 9.500 A.C. E, pelo frio que sentia, no meio do inverno. Em vez das cores, do sol e da música, estava cercado por grama acinzentada. Apenas grama para todos os lados, até atingir o horizonte. Ah, o processo que isso ia dar!
Sua ligação é muito importante para nós. Infelizmente nossos telefones estão todos ocupados no momento. Por favor aguarde na linha.
Sabia que deveria se preocupar em buscar abrigo, começaria a escurecer em breve. Mas sentia que iam atender sua ligação muito em breve. Podia sentir. Tinha certeza. Pensava consigo mesmo que logo a ligação completaria e ele poderia resolver o problema com a agência de viagens. Mandariam alguém para resgatá-lo e em pouco tempo ele estaria no seu destino escolhido. Por enquanto, precisava se manter aquecido e esperar na linha. Era tudo o que podia fazer.
Sua ligação é muito importante para nós. Infelizmente nossos telefones estão todos ocupados no momento. Por favor aguarde na linha.
O sol se pôs. Antunes tentava se convencer de que tudo ia dar certo. Seu corpo todo tremia e, pouco a pouco, ia perdendo a sensibilidade dos dedos. Quando a neve começou a cair, Antunes chorou. Deitou em posição fetal e chorou, repetindo para si que tudo ia dar certo, só precisava aguardar um pouco mais. “Um pouquinho mais.”
Sua ligação é muito importante para nós. Infelizmente nossos telefones estão todos ocupados no momento. Por favor aguarde na linha.
O corpo inteiro de Antunes tremia e doía. Percebeu que a visão estava escurecendo, se fechando num único ponto. Mal conseguia respirar. Já não sentia mais as pernas. “Atende. Por favor. Alguém atende”.
Sua ligação é muito importante para nós.
“Alguém…”
Infelizmente nossos telefones estão todos ocupados no momento.
“Por favor…”
Por favor aguarde na linha.
A neve, pouco a pouco, cobriu seu corpo inerte, no momento em que A Primavera chegava, mais uma vez, ao fim. Do outro lado da linha, uma voz podia ser ouvida:
Sua ligação é muito importante para nós. Infelizmente nossos telefones estão todos ocupados no momento. Por favor aguarde na linha.