Após o prelúdio
O suor escorria pelo meu rosto. Naquela época do ano o calor parecia insuportável. Além do mais, no momento, estava exercitando-me.
Há poucos meses, por insistência do amigo que corria comigo, aceitei o desafio de participar de maratonas. Ele era religioso com o treinamento. Não passava um dia sem o telefone tocar e uma voz em bom ânimo me intimar, sob chuva ou sol. Embora às vezes não quisesse, assentia e partia. Sua disposição, quando não me entusiasmava à atividade física, estimulava pelo senso de dever. Afinal, havíamos combinado. A preparação era, ainda, uma concordata de eu para mim. De meta em meta, rumo ao pretendido. Um compromisso de contínuo esmero, com o outro e comigo.
Findo o treino, cheguei em casa, exausto. Gotejava suor. Enchi um copo com água e sentei à mesa. Ei! — sua voz irrompeu — você está sujando tudo, seu bagunceiro. Fitei sua boca e olhar sorrindo. Interrompi o gole e, prontamente, levantei-me pra não sujar mais a cadeira. Antes de seguir ao banho, lembro que te abracei levemente e beijei seu rosto, em tom de brincadeira.
Na volta, agora limpo, aconcheguei na outra ponta do sofá em que, sentada, repousava assistindo televisão. Olhando pra você, devaneei.
Como estava feliz. Jamais havia me sentindo assim. Uma composição de pertencimento, de aconchego, de lar; de achado, de fascínio, de fortuna; de serenidade, de plenitude, de paz.
Nos encontramos mais tarde na vida. Já tínhamos nossas histórias. Bagagem boa, bagagem ruim. Mas a bagagem foi essencial para o encantamento. Não só a bagagem, também a jornada que havíamos galgado.
Pensei, então, na maratona. A vida é como ela, estrada longa e, por vezes, exaustiva. E na prova que é viver, preenchia-me a certeza de ter chegado no trecho mais importante.
Ambas demandam preparo. E sobre isto era pulsante a sensação que o que havia antes dali; do dia que soube seu nome, que aceitou o convite pra um café, que nos beijamos, que nos entreolhamos e decidimos que desgrudar era a pior das opções; enfim, tudo foi um treino pra estar com você.
A alvorada em que acordamos juntos, despertava a aurora da minha vida.
Atinei, ademais, como o pretérito serviu à melhoria. O julgado erro no passado, cada acerto ocorrido, formavam o amálgama que sou. Sentia-me a versão mais apurada, e em constante aprimoramento, de obra inacabada. Sabia disto, pois a maturidade traz coisas que a juventude não paga, como se tornar e se notar pessoa da qual se orgulha. Assim, se tem o que oferecer, o que compartilhar. Queria compartilhar o melhor de mim, do modo como faz comigo.
Para tanto, realizei que nos dias de tempo ruim, nos de parco ânimo, e até nos de dor, mesmo que por compromisso, haveria de seguir o treino, dedicando-me ao aperfeiçoamento em nossa relação. Por vezes o preparo é árduo. Contudo, não seria dificuldade alguma. Por você e por mim, a motivação é certeira. Você, comigo, o percurso é prazeroso. Ter como meta do dia colocar um sorriso no seu rosto, te receber ao colo quando cansada, dividir desafios que surgem, passar o tempo nos divertindo à boa música enquanto nos embriagamos levemente,… Como poderia ser melhor?
Tendo aquilo tal qual maratona, num lampejo vislumbrei a láurea maior: nesta prova, o prêmio já estava em mãos. O prêmio era conviver contigo. Inundei-me em gratidão por minha existência me levar até ali. Bendita prenda que é estar ao lado seu.
E no átimo, percebi minha história um prelúdio, antes de ter seu nome nela. Seu nome. De volta à sala, ambos no sofá, te olhando, o murmuro. Você ouve e me interpela — me chamou? Respondo — sim. Por toda a vida — e me aproximo para um toque com afago, um abraço apertado, um beijo exaltado. No desate, se manifesta — o que é isso, meu amor? É o que vem após o prelúdio — complemento. Você não entende, mas acostumada às minhas loucuras, aceita; me olha; me beija.